Falta de estímulo e incerteza na política prejudicam economia
O governo projeta que a economia deve crescer 3% em 2018. Mas os primeiros números do ano, a incerteza política e a ausência de medidas para estimular a atividade têm deixado analistas pouco otimistas. Apesar de Michel Temer ter celebrado com entusiasmo o avanço de 1% do PIB em 2017, a recuperação do mercado de trabalho segue tímida, ancorada na informalidade. Para Clemente Ganz Lúcio, diretor técnico do Dieese, é possível que o país volte a crescer com um nível de desemprego ainda mais elevado.
Publicado 28/03/2018 18:37
O Índice de Atividade Econômica do Banco Central (IBC-Br), uma espécie de prévia do Produto Interno Bruto (PIB), teve queda de 0,56% na comparação entre janeiro e dezembro. No primeiro mês do ano, a produção industrial recuou 2,4%; os serviços, 1,9%. O comércio subiu 0,9%. Em fevereiro, o crédito teve queda de 0,2%. A decisão do Comitê de Política Monetária (Copom) de continuar a reduzir a taxa de básica de juros indica preocupação com o ritmo do crescimento.
Depois de amargar um recuo de mais 7% do PIB durante a recessão, a economia brasileira deve viver dias melhores em 2018, mas isso não significa o fim dos problemas. De acordo com Clemente, o país precisaria crescer de 4% a 5% anos ano, durante cerca de dez anos, para dar um salto até um patamar mais próximo dos países desenvolvidos. E isso não está no horizonte: a expectativa é de crescimento ainda muito baixo e sobre uma base muito debilitada.
“A economia chegou ao fundo do poço e não tinha mais para onde cair, a taxa de juros está menor e a agricultura tende a ter um bom resultado. Tudo isso favorece uma pequena recuperação da ocupação, apesar de ser na informalidade. Mas é difícil chegar ao que o governo estava falando, de ter uma recuperação da ordem de 3%. Não há nenhum indicador de que a economia esteja caminhando nesse sentido”, avalia Clemente.
Sem estímulos
Segundo ele, pesa contra o otimismo do governo fato de que não há nada a servir de locomotiva para um crescimento mais significativo. “O que poderia ser isso? Uma expansão de emprego. Mas não há nada sendo feito para isso. Um grande investimento público? Não há. Um grande investimento privado? Também não há. Então não há nenhum indicador interno. E externo poderia haver, se a economia do mundo estivesse bombando e comprando tudo que a gente produz, mas isso também não está acontecendo”, resume.
A taxa de desemprego, que chegou a 13,7% em março de 2017, atualmente está em 12,2%. Apesar do recuo, ainda há 12,7 milhões de desempregados no país. Além de escassas, as novas vagas criadas foram sem carteira assinada, o que dificulta o acesso ao crédito e deixa as famílias mais vulneráveis, inibindo o consumo.
E, se não há grande demanda pelos produtos brasileiros lá fora e, dentro do país, governo e empresas não estão investindo e as famílias não têm como consumir, não há de onde vir o crescimento necessário.
Economia cambaleante
Clemente explica que as dificuldades do mercado de trabalho são características do tipo e da gravidade da recessão que o país enfrentou. “Você destruiu muitos postos de trabalho, a economia está em giro muito baixo, as empresas estão muito receosas ainda e não há nada vindo do governo. Porque o governo podia anunciar um monte de obras, aí as construtoras começariam a contratar. Mas isso não está acontecendo”.
O diretor do Dieese comparou a economia a um doente que sai da UTI cambaleante. “A economia está cambaleando, sai de grave recessão na UTI, mas não há ninguém animando a economia nesse momento. A redução da taxa de juros é importante, mas, sozinha, não dá dinâmica. Alguém tem que dizer que tem recurso para investir, mas pelo contrário, o BNDES está no seu menor patamar de liberação de recursos, e o governo só faz vender empresa, não investe nelas”, critica.
Clemente destaca que as desestatizações devem resultar em menos empregos ainda. “As empresas que compram tendem investir, mas investir para fazer o quê? Reduzir empregos. A primeira coisa que fazem é reestruturar, demitir. Cai a massa salarial. Muitas vezes, investem no médio prazo, em tecnologia que gera mais demissão. No geral, o investimento vem para melhorar a base instalada, não para aumentar a base instalada”, lamenta.
Sobre isso, ele ilustra com uma simulação hipotética: “Uma hidrelétrica produzia mil megawatts e agora vai ser comprada por empresa chinesa. Ela não vai passar a produzir 2mil. Vai produzir os mesmos mil megawatts, com menos gente e mais tecnologia. Não é fácil o que está acontecendo. O impacto sobre o mercado de trabalho é muito grave”.
"Desemprego ainda sobe"
O diretor do Dieese afirma que trabalha com a ideia de que muito provavelmente o Brasil vai sair da crise com um nível de desemprego ainda mais elevado que o atual. “O patamar de desemprego ainda sobe no Brasil, não sei o que vai acontecer mais para frente, o que vamos inventar para reduzir o desemprego. Talvez reduzir a jornada de trabalho. Porque, mesmo que a taxa de desemprego fique menor, será com muita ocupação informal, que seria uma perda de qualidade na nossa economia”.
Segundo ele, com as empresas investindo em tecnologia para melhorar o processo produtivo, a tendência é que não haja a reposição de toda a mão de obra demitida durante a recessão. “Você vai repor uma parte só, porque as empresas estão modernizando sua base tecnológica e isso significa menos emprego. Isso tudo pode gerar novas ocupações, novas frentes de trabalho, especialmente no setor de serviços. Mas isso ainda vamos ver. E, para que isso ocorra, a sociedade tem que ter consumo, tem que ter renda. A expansão do setor de serviços depende ou de demanda da empresa ou da renda da família”, aponta.
Incerteza na política
O Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV) divulgou, nesta quarta (28), outro dado preocupante. O Indicador de Incerteza da Economia (IIE-Br) disparou de fevereiro para março. Avançou 5,2 pontos, passando de 102,5 para 107,7 pontos.
Na avaliação de Clemente, o ano de 2018 dever ser assim, de incerteza alta, por que, além da instabilidade da economia, haverá um processo eleitoral totalmente em aberto e anômalo, que impede previsões.
“São eleições após um impeachment fabricado, sob um governo que fez mudanças profundas, mesmo tendo baixíssima popularidade, com uma agenda eleitoral de reformas muito complicada e num cenário em que o candidato com mais chances de vencer deve estar impedido de disputar. Os demais têm menos de um dígito nas pesquisas, fora Bolsonaro, que é uma instabilidade em si. Então ninguém sabe o que será”, opinou.
E a incerteza é um dos fatores que tende a gerar confusão para a retomada do crescimento. “A empresa que queria fazer investimento, acha melhor esperar. Vai colocar seu capital sem saber o que vai acontecer mais na frente?”, encerrou.