Em apoio à UnB, nove universidades devem ter disciplina sobre o golpe
Em reação a tentativa de censura do ministro da Educação, Mendonça Filho, nove universidades públicas devem seguir os passos da Universidade de Brasília (UnB) com a criação de disciplinas optativas sobre o golpe de 2016 contra Dilma Rousseff. Entre elas estão as duas maiores universidades do país: Universidade de São Paulo (USP) e Universidade de Campinas (Unicamp).
Publicado 01/03/2018 11:39
Na quarta-feira (21), a disciplina optativa “O golpe de 2016 e o futuro da democracia Brasil” – ministrada pelo professor Luis Felipe Miguel na Universidade de Brasília (UnB) – Ganhou destaque na mídia e causou desconforto ao governo Temer e logo o ministro da Educação, Mendonça Filho, tentou impedir que a matéria fosse efetivamente realizada.
A retaliação governamental veio logo que o curso ganhou repercussão e Mendonça Filho informou, na última quinta-feira (22), que enviaria um ofício a órgãos de controle para que seja analisada a legalidade do curso oferecido pela UnB, acionando o Ministério Público Federal no Distrito Federal, a Advocacia Geral da União, a Controladoria Geral da União e o Tribunal de Contas da União.
O ministro ainda publicou em seu Facebook um texto falando que “não se pode ensinar qualquer coisa. Se cada um construir uma tese e criar uma disciplina, as universidades vão virar uma bagunça geral. A respeitabilidade no ambiente acadêmico fica na berlinda”.
De acordo com informações do jornal O Estado de S. Paulo, quando questionado se essa postura do governo seria uma forma de censura, o ministro da Secretaria de Governo, Carlos Marun, negou e disse: “Uma coisa é liberdade de expressão. Outra é você colocar como verdade, em universidades públicas, uma evidente mentira.”
Todavia, a censura do MEC fere a autonomia constitucional das universidades. Segundo o artigo 207 da Constituição Federal “as universidades gozam de autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial, e obedecerão ao princípio de indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão”.
Agora, em apoio à UnB, mais nove universidades poderão ministrar disciplinas que debaterão o golpe de 2016. Entre elas quatro instituições confirmaram que vão oferecer cursos com o mesmo teor: Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Universidade Federal da Bahia (UFBA), Universidade Estadual da Paraíba (UEPB) e Universidade Federal do Amazonas (Ufam).
“Foi uma iniciativa coletiva dos professores do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas em solidariedade ao professor Luis Felipe Miguel (da UnB) e em repúdio às declarações do ministro que ferem a liberdade e a autonomia universitárias”, disse o professor Wagner Romão, chefe do departamento de Ciência Política da Unicamp, em entrevista ao Estado de S. Paulo.
Em outras cinco instituições, professores também se manifestaram a favor da criação de cursos sobre o golpe, mas elas ainda não avaliaram as propostas. São elas: Universidade de São Paulo (USP), Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) e Universidade Federal de São João del-Rey (UFSJ).
Apoio de parlamentares
A deputada federal Jô Moraes (PCdoB/MG) e parlamentares de diversos partidos, representando frentes relacionadas à educação, cultura e defesa da liberdade de expressão, participaram nesta quarta-feira (28) de um ato de desagravo à tentativa de violação da autonomia universitária e de solidariedade aos docentes, demais profissionais e alunos da Universidade de Brasília (UnB), no campus da instituição, no Distrito Federal.
Para a deputada Jô Moraes “trata-se de uma forma clara e indevida de interferir na autonomia universitária”. Ela lembrou que em novembro de 2017, a Universidade Federal de Ouro Preto também foi objeto de medida arbitrária, quando um procurador do Ministério Público Federal pediu que se abrisse um inquérito policial, o que foi feito, em razão da existência do Núcleo de Estudos Marxistas na instituição. Um inquérito que ainda está em curso, salientou.
“Por isto estamos aqui. Este é um ato de vigilância da democracia, em defesa da universidade, da ciência e, sobretudo de fazer com que este País mantenha minimamente na perspectiva de sociedade libertária”, afirmou.
O curso da UnB
O objetivo da disciplina da UnB será analisar a “agenda de retrocesso” durante o governo do presidente Michel Temer e os “elementos de fragilidade” do sistema político brasileiro, “que depuseram a presidente Dilma Rousseff”. O programa da disciplina pode ser acessado aqui. Para Miguel, professor da matéria, “[a disciplina] não merece o estardalhaço artificialmente criado”. O comentário foi publicado em sua página no Facebook. O professor sustenta que o curso tem “valores claros, em favor da liberdade, da democracia e da justiça social”. Para ele, isso não significa que irá abrir “mão do rigor científico” ou “aderir a qualquer tipo de dogmatismo”.
Em nota, a universidade informou que que cabe a cada departamento elaborar e criar as próprias disciplinas e ementas. Ressaltou que a matéria que abordará o tema é facultativa, ou seja, a inscrição no curso é de interesse do aluno. "A UnB reitera seu compromisso com a liberdade de expressão e opinião – valores fundamentais para as universidades, que são espaços, por excelência, para o debate de ideias em um Estado democrático", finalizou.