O massacre no México, o neoliberalismo e a blindagem
O México viveu um dos mais horrendos episódios de sua história no dia 26 de setembro. Falo do massacre de Iguala, onde desapareceram 43 estudantes de pedagogia da Escola Normal Rural Raul Isidro Burgos. A população local revoltou-se contra o corrompido Estado mexicano.
Por Rennan Martins*, no Desenvolvimentistas
Publicado 10/11/2014 15:04
As investigações ainda esclarecerão melhor o ocorrido, mas a versão até agora vigente é a de que os universitários retornavam para Ayotzinapa num ônibus após um ato público, quando foram detidos pela polícia municipal. Em seguida, os policiais teriam entregue os jovens a três integrantes do cartel Guerreros Unidos. Estes então se encarregaram de assassinar, carbonizar, triturar e dispensar os restos mortais das vítimas no rio Cocula.
A imprensa mexicana relata mais dois ataques a ônibus estudantis e ainda 8 assassinatos decorrentes destes. O envolvimento de homens públicos é outro fator relevante. O prefeito de Iguala, José Luís Albarca e sua mulher, Maria Piñeda, ordenantes da ação repressão policial, estão presos. O governador do estado de Guerrero, Angel Aguirra, renunciou ao cargo no último dia 23.
As agências e portais de notícias, tanto internacionais quanto mexicanos, dão diversas versões em que variam os detalhes de como teria se desenrolado essa atrocidade. Independente disso, a realidade dolorosa de que estes 43 jovens estão mortos se confirma a cada dia.
Este episódio foi a gota d'água para os mexicanos. Mais de 100 escolas estão em greve e milhares de cidadãos saem às ruas diariamente exigindo a renúncia imediata do presidente Enrique Peña Nieto, badalado internacionalmente por conta das reformas liberalizantes que promoveu e lidera.
Se diante do poder econômico mundial o México é tido como exemplo porque segue à risca os preceitos do Estado Mínimo do consenso de Washington, a realidade interna é assustadora. O que se vê é um Estado falido, com suas instâncias de poder tomadas pelos cartéis narcotraficantes. A pobreza é massiva e a violência sufocante.
É tão grande a desconfiança do povo que a versão oficial a qual diz que os restos mortais das vítimas se perderam no rio Cocula é vista como manobra estatal, como uma tentativa de blindar o presidente e esconder a sórdida relação do executivo com os cartéis. É o que se lê no artigo assinado por Mauricio Freyssinier e amplamente replicado nas redes:
“Nem os nazistas conseguiram incinerar 43 corpos com pneus, diesel, lenha e papéis recolhidos as margens de um lixão. […] Por favor senhor Procurador que tipo de “investigação profissional” estão realizando, ou melhor, que tipo de circo midiático estão armando ao tentar convencer o povo do México de que o animal que ocupa a cadeira presidencial não é responsável pelo Estado falido em que vivemos.”
Corroborante é o texto da petição intitulada La masacre de Ayotzinapa, Mexico: Crimen de Estado, que conta com centenas de assinaturas.
“O acontecido em Iguala é a outra face das reformas estruturais promovidas por Enrique Peña Nieto e o capital internacional; e, assim como o de Tlatlaya, não são eventos excepcionais mas sim uma consequência estrutural do processo de ocupação neocolonial de nosso país. É uma extensão da violência desatada pelos últimos governos do neoliberalismo que já cobrou mais de 150 mil mortos entre desaparecidos y assassinados, além de centenas de milhares de vítimas 'colaterais'.”
Como podemos ver, o aprofundamento do modelo imperial, tão apreciado e elogiado pelas potências ocidentais cobra caro e em sangue da população.
As manifestações pela renúncia de Peña Nieto são diárias, pela internet pode-se ver vídeos e fotos de milhares de pessoas nas ruas. A indignação marca forte presença nas redes. Mesmo assim, a grande mídia brasileira trata do assunto com má vontade, são baixíssimas as menções desta pauta tão importante.
A blindagem que nossa imprensa promove em torno deste caso é de um silêncio ensurdecedor, e o motivo é simples. Confessar que o modelo neoliberal que o México persegue com primor trouxe o desmantelamento do Estado, a violência exacerbada e a pobreza crescente é uma derrota política.
*Rennan Martins é jornalista, colaborador do Portal Desenvolvimentistas e colunista da Rádio Vermelho.