O Golpe Militar de 1964

Jomar Ricardo*

Para se compreender o Golpe Militar de 1964 no Brasil, faz-se necessário uma análise do conjunto de relações de forças e dos fatores econômicos, que, do ponto de vista das representações dos seus agentes sociais e das instituições imbuídas no processo, com suas respectivas atuações, culminou com a ação política mais reacionária e nefasta da história recente do País.

Ditadura militar

Para se compreender o Golpe Militar de 1964 no Brasil, faz-se necessário uma análise do conjunto de relações de forças e dos fatores econômicos, que, do ponto de vista das representações dos seus agentes sociais e das instituições imbuídas no processo, com suas respectivas atuações, culminou com a ação política mais reacionária e nefasta da história recente do País.

No conjunto mais amplo da sociedade, os últimos cinco anos da década de 1950 e os primeiros cinco da de 1960 representaram um profundo impacto sobre a vida do País. A fase desenvolvimentista do governo Juscelino Kubitschek trouxe uma quantidade considerável de capital e tecnologia internacional, proporcionando a criação de um parque industrial, centrado no estado de São Paulo, vindo a agravar ao mesmo tempo o êxodo rural e o crescimento desordenado das grandes cidades (AZEVEDO, 1986, p.50).

Segundo Azevedo, o modelo econômico implantado aqui, do tipo concentrador, não atendia às necessidades do povo e aumentava a dependência do país concernente ao capital e tecnologia externos.

Os governos que vieram em seguida, de Jânio Quadro e João Goulart, receberam os reflexos dessa política econômica, tendo o primeiro uma passagem meteórica na presidência e o segundo se caracterizado pelo governo dúbio frente às exigências da elite e às necessidades das classes populares consignadas, e não realizadas pelas reformas de base.

O posicionamento dos setores populares, exigindo do executivo o rompimento dos limites do pacto populista para a implantação das então denominadas reformas de base, levou o conjunto das classes dominantes com segmentos da classe média, juntamente com o apoio de agências internacionais, a se posicionarem contrariamente à permanência do João Goulart no poder. A decisiva participação das forças armadas no golpe de Estado, sua posterior ocupação do Estado burguês, implantou no País um regime crescentemente autoritário.

Os militares contaram com o apoio da grande imprensa, através de jornais como Jornal do Brasil, O Globo, Folha de São Paulo, Estado de São Paulo e cadeia de rádio, revistas, jornais e estações de rádio e TV dos Diários Associados. A única oposição coube, na imprensa, ao jornal Última Hora. A Ordem dos Advogados do Brasil aplaudiu a deposição de Goulart; a hierarquia da Igreja também engrossou o cordão de apoio aos novos governantes. Em 26 de maio, os bispos mais influentes elogiaram o golpe por meio de um manifesto que reconhecia a previdência dos militares que "intervieram a tempo de impedir a implantação de um regime bolchevista em nosso país", ao mesmo tempo defendiam os líderes do laicato da acusação de comunismo. (SKIDMORE, 1989, p. 63-64).

A oposição às arbitrariedades do regime que se inaugurava derivou de um grupo de políticos do PTB e facção esquerdista do PSD que, apesar de perceberem as intenções dos militares da linha dura, concentraram-se em discutir a legalidade sobre a deposição de Goulart e denunciaram as cassações de figuras ilustres como Celso Furtado, Anízio Teixeira e Josué de Castro.

A crítica mais contundente veio de intelectuais que se reuniam em torno da nova publicação da Revista Civilização Brasileira que tachou tais cassações de "Terrorismo Cultural"; o número da revista de março de 1965, veio em forma de libelo historiando as posições e intimidações às personalidades das artes, ciência e educação. (SKIDMORE, 1989, p.64-65).

Entre o final da década 1960 e os primeiros anos de 1970, os militares afinavam a política com o desenvolvimento econômico. O PIB (Produto Interno Bruto) do Brasil chegou a atingir um taxa de 10% ao ano, um dos índices mais altos do mundo. Os fatores que se destacavam eram os influxos crescentes de capital estrangeiro, a rápida expansão das empresas estatais, concentração das exportações e desempenho vigoroso no setor de bens de consumo. Era a época do "milagre brasileiro". Entretanto, havia uma distribuição negativa de renda (MAINWARING et al., 1986).

O processo de desenvolvimento externo imposto pelos países centrais aos do Terceiro Mundo, como forma daqueles explorarem capital, assomou a dívida externa, que em 1968, chegava ao patamar de US$ 4 bilhões de dólares, por conta dos projetos "faraônicos" posto em prática pelos dirigentes da época e o choque do petróleo, à quantia de US$ 70 bilhões no final da década de 1970 e início da de 1980. (apud, CALADO, 1993).

No plano político, exacerba-se a repressão, a partir da imposição do Ato Institucional n° 5, de 13 de dezembro de 1968. A ditadura militar se encontrava na fase de recrudescimento. Os meios de comunicação estavam sob rígida censura, o Congresso foi fechado e as organizações populares tiveram seus líderes perseguidos, presos, banidos, torturados ou assassinados.

Então, a Igreja Católica efetua uma guinada em sua linha política. De legitimadora do golpe passa à condição de oposição. Isto porque a repressão perpetrada pela nova ordem atingia agora os membros do próprio clero ou do laicato em conflito com as forças de segurança. Os grupos católicos que entravam em choque com o aparelho repressivo eram representados pela Ação Popular (AP), Juventude Universitária Católica (JÜC) e Juventude Operária Católica (JOC) .

A ação do clero de denunciar as decisões governamentais era mais nítida em três regiões do país: No Norte, a Amazônia tinha grandes conflitos provocados pela construção da Rodovia Transamazônica, que envolvia o clero por este tomar o partido dos posseiros e dos pequenos agricultores contra as grandes empresas capitalistas; no Nordeste, onde os bispos criticavam as estruturas econômicas herdadas há séculos e que resultavam em graves desigualdades sociais; no Sudeste, o arcebispo D. Paulo Evaristo Arns, empossado em 1970, em São Paulo, denunciava as atrocidades cometidas pela ditadura e organizou a Comissão de Justiça e Paz para orientar e defender ativistas católicos, estudantes e sindicalistas perseguidos pela violência política institucionalizada.

Ainda, para o historiador brasilianista Thomas Skidmore, a Igreja estava dividida me três alas que refletiam tanto a opinião do laicato como da hierarquia. A primeira era denominada “progressista” e encabeçada por Dom Hélder Câmera. Pregava um discurso contra a violência e as injustiças sociais. A segunda era a ela “conservadora”, liderada por Dom Geraldo de Proença Sigaud, arcebispo de Diamantina, que “denunciava a ameaça “subversiva” e impertubavelmente apoiava o regime militar”. A terceira era a “moderada”, caracterizada por não tomar qualquer posição pública sobre injustiça social e problemas sócio-econômicos. Esta última tinha a tendência de se unir aos “Progressistas” quando a questão era a defesa do clero vitimado por tortura e vexames.

Embora a Igreja tenha, diante dos problemas sócio-políticos da sociedade brasileira, se estruturando em três segmentos internos, em que cada um assume uma posição correspondente da teologia, em sua maior parte, há uma preponderância dos setores considerados conservadores. É o que observa Gustavo Gutiérrez (1983:117):

O grosso da Igreja continua ligado, de formas muito diversas, à ordem estabelecida. O mais grave é que entre os cristãos da América Latina não só há diferentes opções políticas, nos limites de um livre jogo de idéias, mas a polarização dessas opções e a dureza da situação colocam uns cristãos entre os oprimidos e perseguidos e outros entre os opressores e perseguidores; uns entre os torturadores e outros entre os que torturam ou deixam que se torture. Do que resulta séria e radical defrontação dos cristãos que sofrem injustiça e exploração com os que usufruem da ordem estabelecida.

A Igreja em uma ordem capitalista, dividida, portanto, em classes sociais distintas, não pode assumir uma posição isenta e justa. Os dois segmentos que polarizam a sociedade pedem aos prelados uma opção em seu favor. A Igreja por motivos e interesses, entre eles a manutenção do seu statu quo, fica na obrigação de assumir o flanco dos conservadores que se coadunam com os seus.

Jomar Ricardo da Silva  é professor da Universidade Estadual da Paraíba.

Referências

ALVES, M.M. A Igreja e política no Brasil. São Paulo: Brasiliense, 1979.

AZEVEDO, M. Comunidades Eclesiais de Base e inculturação da fé. São Paulo: Loyola. 1986.

CALADO, A. J. F. Educação e Novos Movimentos Sociais: potencial, limites e perspectivas políticas-educativas da Igreja na base. Temas em Educação, João Pessoa, n. 3, Universidade Federal da Paraíba, 1993.

GUTIÉRREZ, G. Teologia da Libertação: perspectiva. 4. ed. Petrópolis: Vozes, 1983.

MAINWARING, S. et all. Igreja Católica e Política no Brasil (1916-1985). São Paulo: Brasiliense, 1989.

SKIDMORE, T. Brasil: de Castelo a Tancredo. 3. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1989.