Paraguai: Greve de fome dos presos de Curuguaty completa 48 dias
Em meio às velas postadas no chão em frente à cabine ao lado do portão do Hospital Militar de Assunção, na capital paraguaia, o agricultor Mariano Castro aguarda notícias dos filhos Nestor, de 31 anos, e Alberto, de 25, em greve de fome desde o dia 14 de fevereiro de 2012.
Por Leonardo Wexell Severo*, na ComunicaSul
Publicado 02/04/2014 18:12

Da mesma forma que Ruben Villalva, Arnaldo Quintana e Felipe Balmori, os jovens sem-terra são presos políticos do governo do presidente Horacio Cartes, acusados pelo massacre no assentamento de Marina Kue, no município de Curuguaty. Com a greve, que completa 48 dias nesta quarta-feira (2), os cinco – com a solidariedade do movimento social paraguaio – reivindicam ser colocados em liberdade provisória, até que a Justiça defina sobre a verdadeira titularidade dos terrenos, já que estão sendo julgados como invasores.
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No “enfrentamento”, que serviu como justificativa para o golpe fascista contra o presidente Fernando Lugo, morreram seis policiais e 11 camponeses em 15 de junho de 2012. Um dos sem-terra que perderam a vida, Adolfo, de 28 anos, também era filho de Mariano. Nestor, como muitos que sobreviveram, foram submetidos às mais repulsivas covardias: tendo o maxilar esquerdo destruído à bala. Embora o ferimento fosse extremamente grave, ele só teve “direito” à cirurgia em novembro, cinco meses depois.
Mariano: dois filhos presos e um assassinado
Tranquilo, arrumando faixas e cartazes, Mariano cumprimenta amigos e parentes dos demais presos. Veste uma camiseta de luto e de luta, com a bandeira preta tremulando ao lado da tricolor vermelho, branca e azul, do Paraguai, e os dizeres Marina Kue, pueblo m’bae (Esta terra é nossa!). “Até agora a investigação tem sido completamente parcial, pois o atual governo tem muito a esconder”, protesta Mariano, lembrando que na operação de guerra foram utilizados mais de 300 policiais fortemente armados, acompanhados de helicóptero.
Com cerca de dois mil hectares, a terra que pertence ao Estado paraguaio, foi ocupada pelos camponeses. Eles haviam solicitado ao governo Lugo sua desapropriação para fins de reforma agrária, mas atendendo aos interesses da família Riquelme – ligada à ditadura de Alfredo Stroessner (1954-1989) -, um juiz e uma promotora ordenaram a retirada das famílias. À frente da ação encontrava-se o chefe do Grupo Especial de Operações (GEO), irmão do tenente-coronel Alcides Lovera, chefe da segurança do presidente, um dos primeiros a cair morto, precipitando o tiroteio.
Franco-atiradores
“O fato é que os camponeses não tinham armas de grosso calibre e os policiais foram mortos com armas de guerra. Os tiros iniciais vieram do monte e também do helicóptero, com o uso de franco-atiradores”, relatou Mariano, esclarecendo que os fascistas utilizaram o confronto como combustível para o golpe. A ação guarda muita similaridade ao procedimento utilizado pela CIA em Puente Laguno, na Venezuela, durante o golpe contra o presidente Hugo Chávez, questionamento que cresce à medida que se comprova o treinamento de vários membros da elite da GEO por militares estadunidenses na Colômbia, durante o governo fascista de Álvaro Uribe.
Manifestações e vigílias exigem a libertação dos presos
“Curuguaty é do Estado paraguaio. Estou seguro porque manuseei os documentos: os latifundiários entraram em propriedade alheia”, esclareceu o advogado Martin Almada, um dos mais renomados intelectuais da América Latina e Prêmio Nobel da Paz Alternativo, reiterando a inocência dos sem-terra, que serviram como bode expiatório para o golpe contra Lugo.
Martina Paredes perdeu dois irmãos no “confronto”. Vestindo a camisa com os dizeres da campanha “O que ocorreu em Curuguaty?”, declarou, segurando o cartaz que lembra o número de dias da greve, “apenas buscar justiça”. “Luiz tinha 25 anos e Firmin 28. Não eram folgados, só queriam terra para trabalhar. Nunca tiveram a intenção de matar ninguém. Somos uma família de 11 irmãos e meu pai tinha somente cinco hectares. Não havia como produzir e como aquela terra é pública, foram para lá jovens de uma mesma colônia. Uma lástima. As famílias ficaram completamente desestruturadas. Agora aqui neste hospital há cinco vidas que a qualquer momento podemos perder. Eles estão em greve de fome porque foram acusados injustamente de invasão de terras alheias, enquanto todos sabemos que é um patrimônio do Estado, que uma empresa tomou e passou a alugar para brasileiros plantarem soja”.
Cecília VyuK: foi armação dos golpistas
Uma das principais organizadoras da rede de solidariedade aos presos políticos de Curuguaty, Cecília Vuyk frisou que “até agora não há uma única investigação da Promotoria sobre a atuação da Polícia, absolutamente nenhuma. Tudo é voltado e montado para incriminar os camponeses”. “São presos políticos, pois o Estado não permite que se mostre o que houve em Curuguaty”, assinala. Conforme Cecília, o golpe contra lugo teve três passos e o primeiro foi justamente o massacre de Curuguaty. “Depois, às pressas, se fez um julgamento político em que se destituiu o governo e veio a eleição de abril, totalmente manipulada, em que fecharam o cerco, numa aparência de que está tudo em ordem”, destacou.
Até o momento os promotores José Sarza e Jalid Rachid – filho de Blader Rachid, ex-presidente do Partido Colorado, controlado por Stroessner – mantêm a versão de que os camponeses são os culpados e que não há previsão de julgamento antes do final de junho. Sarza, que ordenou a brutal ação policial em Curuguaty, acaba de ser processado por corrupção ativa, ao exigir mais de 15 mil dólares de um proprietário rural para ordenar a expulsão de assentados.
*é jornalista.