Debaixo da tempestade da Covid-19, debaixo do fascismo do governo Bolsonaro, debaixo dos atentados contra a humanidade e queima de florestas, a hora é de presença
Publicado 06/12/2020 11:11 | Editado 06/12/2020 11:15
Do artigo de Marilene Felinto, na Folha de S.Paulo, sobre o filme A Paixão Segundo G.H., de Luiz Fernando Carvalho, retiro esta declaração do cineasta:
“Carvalho resolveu adiar o lançamento do filme para depois da pandemia ‘por questões de saúde’. ‘Não diretamente minhas, mas do país, do cinema, da cultura’, diz ele. ‘É um posicionamento político meu em relação a todo o desmantelo. Uma reflexão ética dentro do que entendo que seja a função do artista em uma sociedade tão desigual como a nossa, regida, por um lado, pelo vírus e, por outro, pela ganância de um modelo único de mercado em detrimento da ciência e das artes’.”
As razões para o adiamento do filme, Luiz Fernando Carvalho esclarece ou justifica adiante, segundo o artigo de Marilene Felinto:
“Não tenho a menor segurança de lançar G.H. antes da vacina, enquanto não houver uma perspectiva de estreia segura no Brasil. Numa situação como esta, os verdadeiros independentes são os que mais sofrem. Festivais diminuem suas sessões mais ‘artísticas’, privilegiando as grandes distribuidoras de sempre, produtoras e celebridades internacionais de sempre, em especial as americanas.”
“Me parece um triste faz-de-conta acreditarmos que a reabertura das salas neste momento não acarretará crescimento do número de mortes. Tudo aponta para um desrespeito à população em prol do lixo cultural americano encalhado, que precisa desaguar em alguma vala comum da ‘América Latrina’. A barreira, além de sanitária, precisa ser de consciência.”
Então fiquei pensando aqui do meu canto neste domingo. Ainda que as razões mais humanitárias sejam invocadas por Luiz Fernando Carvalho, elas me parecem em essência razões aristocráticas, dos privilegiados que para sobreviver não precisam meter a mão no lixo ou na latrina. Em bom português, me parecem falsas razões, ou dizendo melhor, desculpas para a ausência. Seria como numa guerra contra o nazismo invocar motivos pacifistas para não ir ao front. Isso era indigno antes e agora.
Penso que, pelo contrário, este é o momento mais urgente para a presença de todos os artistas, escritores, cineastas. Debaixo da tempestade da Covid-19, debaixo do fascismo do governo Bolsonaro, debaixo dos atentados contra a humanidade e queima de florestas, a hora é de presença. Em que momento serão mais necessários os artistas do que hoje, do que agora?
Então penso em Kleber Mendonça Filho, cujo filme Bacurau vem rompendo todas as fronteiras por sua insubstituível presença. A Kleber não perguntem se ele vai ficar fora desta selva, se vai passar ao largo destas ruas de fezes e excrementos do bolsonarismo. Ele sabe que aqui e agora são o momento e lugar. Ou não haverá outros.
Isso é o que me ocorre por enquanto, neste domingo.