(de uma lenda oriental passada oralmente de pai para filho até os nossos dias, já que não sabem escrever, mesmo – só fazer riscos)
Publicado 11/11/2006 18:01 | Editado 13/12/2019 03:30
Parte II
Ela é cruza de crisálida com hipopótamo
“Ela orvalha pelos poros e acumula pólen nas orelhas. É uma cruza de crisálida com hipopótamo. Rinocera dentro dágua, fora vira vaca. Tem cheiro de chuva no chão de barro das telhas e o sem-som da formiga se acordando, de manhã cedo, lavando os olhinhos em poça dágua. Entre peixe e gato pingado, já teve ginga e medo dágua. Meio passarinho que parda, amadurecia no outono. Quando vira-lata no beco (ou bueiro em noite alta), ratazanas moraram em sua goela. Cospia então baratas, engolia latas de cerveja, na digestão enferrujada dos restos da cidade”.
(Heidegger, filósofo, em 19 de agosto de 1932)
“Na verdade, há anos atrás, era atravessada de vielas, e tinha no rosto, às avessas, uma ponte. A Lua a encobria como nuvem no telhado das casas, de onde brincava de escorrer pelas paredes ásperas. Era mistura de muro com esquina; outras vezes, ria. Você podia ver em seus olhos (se quisesse, ou se já tivesse nascido, já que a vaca é alguém ou algo que atravessa os tempos desde que tempo há , em campos ressecados de esperança ou em verdes planícies onduladas de sereno e lonjura) a chuva fina que a alimentava, e em seu peito, mesmo assim, podia ouvir vozes de conchas. Porque era oca por fora, porque por dentro tinha uma avenida. Respondia a todas as perguntas com uma mesma resposta (acertava sempre). Quando chegou aqui, não existia, mas foi se construindo com as pedras que atiravam nela. Então, agora, é feita de concreto armado, derretida por dentro, como açucre”
(O filósofo Kierkegaard, bradando, em ontens, no alto de um fiord dinamarquês)
“A vaca? Ah! A vaca! Se bem me lembro, a vaca entupia túneis com escuridão, tapava o sol com peneira e estivera a propósito de esquinas no tempo em que cidades eram escassas. Desse modo, desse medo, pouco se lembrava, afora os lampiões. Lhe serviriam de conforto as pedras, não fosse ter que carregá-las… Era engolida de tristeza e álcool, era perseguida por moscas e a rua a dormia coberta de frio. Enquanto a madrugada deitava com ela, a enfeitava de estrelas (mencionou aurora em seu diário, com medo de perdê-la)”
(Anastácio Kinski, poeta romeno, por ocasião da “desiluminação”, quando viu a face esquerda de Deus através de uma janela enregelada em Paris. Dias depois fundava o anastacismo kinski, estúpida doutrina religiosa em que pregava a cabal inexistência de Deus, da desiluminação que teve, e dele mesmo).