Imortal, posto que é chama

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Vinicius de Moraes

“Foi sacanagem a forma que me expulsaram do Itamaraty!”, desabafou o poeta Vinicius de Moraes, lá pelos anos 70, a respeito de sua saída compulsória, definitiva e sumária dos quadros do Ministério das Relações Exteriores na época da ditadura.

Após 26 anos de serviços prestados ao Itamaraty, o poeta foi “aposentado” pelo regime militar em 1968, já como resultado da promulgação do AI-5. O general-presidente de plantão, Costa e Silva, exigia o desligamento do serviço público de “bêbados, boêmios e homossexuais”. Brincalhão, Vinicius disse “eu sou o bêbado.” O ministro da pasta, Magalhães Pinto, foi curto e grosso: “demita esse vagabundo!”

Com a exoneração, o poeta ficou muito magoado e deprimido. Extravasou seus sentimentos na poesia e na música.

Em meados de outubro de 1970, já perto do seu aniversário de 57 anos, Vinicius, Toquinho e Marília Medalha estavam em Buenos Aires fazendo um show na recém-inaugurada boate La Fusa. Hospedados no apartamento de um amigo, numa noite entre vinhos, cigarros e violões, a baiana Gesse Gessy, então esposa do poetinha, comentou que ouvira uma expressão no Mercado Modelo, em Salvador, que lhe chamou atenção: “na songa da mironga do kabuletê”, que se descobriu ser uma espécie de injúria no idioma nagô. Ali mesmo nasceu a famosa canção gravada no disco “Como dizia o poeta… música nova”, 1971, pela RGE, faixa que fecha o lado A iniciado com “Tarde em Itapoã”. Por uma questão tonal, Toquinho trocou “songa” por “tonga”.

Na língua original, a expressão, segundo o Novo Dicionário Banto do Brasil, de Nei Lopes, 2003, significa ‘força’ (songa), ‘feitiço’ (mironga), ‘sujeito desprezível’ (cabuleté). Em São Tomé e Príncipe é literalmente usada de forma depreciativa, para onde se manda tudo que é ruim. Vinicius, como uma forma de protesto político e afronta aos militares que lhe deram um chute, usou a sequência dos vocábulos na letra da canção homônima como um xingamento, pela sonoridade, mais pelo valor sugestivo que semântico. Algo como “vão todos à merda!”, disse. Curto e ‘diplomático’.

Em 2010, no Escritório de Representação do MRE no Rio de Janeiro, Vinicius foi promovido pelo chanceler Celso Amorim, durante o governo Lula, à condição de Embaixador do Brasil, com a presença de parentes, amigos e passistas da Mangueira. Em algum cantinho, em bom lugar, o nosso eterno poetinha comemorou, com o tilintar de pedras de gelo no seu uisquinho, essa tardia reparação.

E neste dia 19 de outubro, quando se comemora 107 anos de seu nascimento, até o papa Francisco lembrou dele. No começo do mês, no momento em que lia o texto sobre a sua nova encíclica, “Fratelli tutti” (Todos irmãos), na qual pede o fim do dogma neoliberal e defende a fraternidade com atos e não apenas com palavras, fez referência à composição em parceria com Baden Powell, de 1967, “Samba da bênção”, dizendo que “a vida é a arte do encontro, embora haja tanto desencontro na vida”.

A benção do argentino Francisco ao xingamento nascido numa noite portenha. Saravá!

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