Quem não consegue se esquematizar para fazer arte que agrade a todos está fora, à margem, e fica sendo maldito até o fim da vida
Publicado 24/04/2021 09:00 | Editado 24/04/2021 09:36
O editor do Prosa, Poesia e Arte, André Cintra, nos pediu matéria sobre algum artista maldito, mas no meu pensamento todos nós somos malditos. Quem trabalha com a mente e tenta criar algo é, de forma geral, considerado fora da normalidade. O “normal”, desde que a sociedade estabeleceu critérios para julgar o ser humano, é quem trabalha para ganhar a sobrevivência sua e de sua família. Quase sempre quem pensa em trabalhar para criar é considerado, principalmente pelos que mandam no mundo, como malucos malditos.
Claro que no cinema brasileiro temos que falar no seu começo, como os movimentos mais amplos: quem fazia chanchada eram os mais malditos até hoje. Quem participou da Vera Cruz, já foi mais normal. Depois, com o Cinema Novo, quase todos eram malditos. E quando ganhou o poder político, a ditadura militar então acabou com um tipo de cinema chamado de “novo”. E quem não se conformou, então, passou a fazer cinema anormal – o grupo chamado de Udigrúdi.
A chamada sociedade estabelecida gosta dos artistas que conseguem fazer sucesso popular e financeiro. Quem não consegue se esquematizar para fazer arte que agrade a todos está fora, à margem, e fica sendo maldito até o fim da vida.
Um maldito que eu conheci pessoalmente, e que foi meu amigo, foi o cineasta Luiz Rosemberg Filho, que foi ligado ao Cinema Novo e amigo de Glauber, mas seus filmes são um tanto parecidos com o grupo do Udigrúdi. Quando eu editava o Suplemento Cultural da CEPE aqui no Recife, quase todo mês tínhamos um ensaio do Rosemberg. Rô, como os amigos o chamavam, tinha o texto excelente e uma visão crítica especial. Porém, do ponto de vista do sucesso financeiro, foi sempre e morreu como maldito.
Aqui no Nordeste, a situação certamente é mais precária do que na parte do país mais desenvolvida. E todo artista ou tem apoio da família, como um Francisco Brennand e Lula Cardoso Ayres, ou tem que batalhar muito para conseguir realizar o seu trabalho artístico, como Corbiniano Lins e Abelardo da Hora. No cinema em Pernambuco, acredito que nem um Kleber Mendonça Filho vive de fazer filmes. Tem que sobreviver ou com a tradicional ajuda da família ou com outros empregos, ou de outras formas de ganhar dinheiro. Assim, todos são marginais ou malditos, como um Amin Stepple Hiluey, que antes de fazer filmes passou anos editando o jornal local das 19 horas da TV Globo.
Talvez o mais ‘marginal’ possa ser considerado o cineasta Marco Hanois, que fez cerca de dez filmes na sua trajetória, mas vivia realmente de outras formas financeiras. Seu primeiro filme foi Que Merda É Essa?, e o último foi Incenso, que é sobre o poeta pernambucano Ascenso Ferreira. Marco Hanois era uma pessoa de difícil convivência, brigava com quase todo o mundo. Meu filho Pedro Celso o conheceu bem, montou as trilhas de música para seus filmes e fez a produção executiva de Incenso. Hanois morreu jovem, vítima de uma doença degenerativa.
Um outro artista de Pernambuco que conheci, e me parece merecer o título de maldito, é o músico Israel Semente, que foi baterista do grupo Ave Sangria e depois passou a tocar com o grupo de Alceu Valença. Terminou a vida moço por vontade própria.
Em Salvador, eu conheci o cineasta Edgard Navarro, cujo primeiro filme em Super-8 se chama O Rei do Cagaço (isso mesmo, sem “n”) e até hoje continua a fazer cinema, mas também me parece merecer o apelido de maldito. E poderíamos falar no grupo que era jovem nos anos 70 do século passado e vivia em Natal do Rio Grande do Norte, e fizeram uma arte não adotada para divertir, como Daylor Varela, Moacir Cirne, Falves Silva.