A injustiça do mundo capitalista nunca deixará de existir pela “bondade” dos capitalistas. Esses nunca poderão ser bons, pois o próprio regime capitalista é que traz a injustiça
Publicado 20/05/2020 00:08 | Editado 20/05/2020 00:11
O primeiro é de um pernambucano, excelente. O outro é de um cineasta que há muitos anos fez filmes em Pernambuco, sem autenticidade.
Estou me Guardando para Quando o Carnaval Chegar
Há alguns meses, assisti no YouTube a vários documentários sobre a criação de roupas em Toritama (cidade do Agreste de Pernambuco), e as roupas eram anunciadas com o nome do filme de Marcelo Gomes. Na verdade, passavam alguns trechos do filme, mas não era o filme. Então ontem vi, realmente, o documentário Estou me Guardando para Quando o Carnaval Chegar, que é de 2019 e tem um pouco mais de hora e meia de duração.
Talvez eu tenha escrito pouco sobre o cinema de Marcelo Gomes. Quando ele começou a lançar filmes, eu já não era mais crítico de cinema profissional. Porém, estava olhando agora a relação dos seus filmes e só não vi – pelo que me lembro – O Homem das Multidões, de 2013. Mas me lembro bem do média-metragem Maracatu, Maracatus, de 1995.
Maracatu, Maracatus é um belíssimo documentário, e nele o cineasta já expôs toda a sua forma de fazer cinema. Um cinema onde ele penetra no assunto que está documentando não como um simples espectador – mas como alguém que pelo menos nos momentos em que está filmando vive integralmente com seus documentados. Isso não é uma forma fórmula original e exclusiva de Marcelo Gomes. Tem muita gente boa no mundo que faz cinema assim. Mas é um caminho que ele percorre com muita propriedade.
Agora, nesse Estou me Guardando, que documenta a história dos mais recentes anos de Toritama, e está sendo exibido pela Netflix, Marcelo Gomes se integra de uma forma muito expressiva. Ele vive a cidade em toda sua vida atual. E partiu do fato de que já visitava Toritama quando criança com o pai, fiscal do governo – o que já mostra que a cidade tem tradição de comércio.
Os personagens vão sendo documentados de modo expressivo e com naturalidade. Ao que parece, o cineasta vai aproveitando cada momento, inclusive descobrindo quem pode ser “melhor ator”. Por meio disso, cria pequenas estórias para contextualizar melhor o filme como um todo. Além disso, é excelente o trabalho de montagem e onde ele cria realmente a narrativa completa da obra. Claro que o sotaque de Marcelo Gomes se incorpora ao próprio sotaque dos toritamenses. É um som que não é “belo”, se o compararmos a uma locução radiofônica, mas é perfeita para o papel que ele buscou.
A gente hoje já pode dizer que Marcelo Gomes é um dos grandes cineastas do cinema brasileiro, quando nos referirmos aos anos dos fins de 1900 para cá. (Olinda, 3.05. 2020)
O Vendedor de Sonhos
Esse é um filme dirigido por Jayme Monjardim, que está em cartaz na Netflix. Vi até o fim só para poder comentar sobre Jayme, que eu conheci aqui no Recife acho que ainda nos anos 70 e tantos, jovem e bastante atrevido. O que me lembro é que era uma figura simpática, mas pedante, e que realizou alguns filmes aqui no Nordeste sobre assuntos nordestinos. E ainda me lembro que eram todos de uma total falsidade, não tinham nada a ver com a realidade social que pretendiam documentar.
Fui ver agora as informações sobre a sua vida – e no Google tem bastante. Inclusive que ele estudou um ano de cinema na Itália e aí fez parte da equipe de Michelangelo Antonioni. Jayme Monjardim Matarazzo é filho da famosa cantora Maysa, que casou com um Matarazzo, e tem assim origens nobres, sendo bisneto de um Conde Matarazzo. Certamente isso lhe deu esse comportamento que tem de pedante.
Até hoje realizou ou participou da realização de muitas produções em TV e no cinema. Ele tem competência, porém o que lhe falta é encontro com a verdade. Mas é preciso explicitar que essa verdade que lhe falta é justamente a verdade artística, a verdade da arte. Esse filme, O Vendedor de Sonhos, foi inspirado numa série criada por um escritor de best-sellers Augusto Cury. Então se pode afirmar que a culpa da falsidade não é toda de Monjardim, mas já vem de antes do filme.
O Vendedor de Sonhos tem uma produção rica, inclusive de produtores norte-americanos como a Fox. E assim sabemos que certamente não lhe faltaram meios técnicos e financeiros para ser realizado. Enfim, sabemos que a técnica é fundamental, mas quando o artista criador não tem a sua verdade, ele se torna sempre realizador de uma obra falsa. Por exemplo, algum espectador pode dizer que tudo, toda a estória pode ser ou não verdade.
A questão é que mesmo assim não é verdadeira. Se não é mentira, pelo menos é falsa ideologia. A injustiça do mundo capitalista nunca deixará de existir pela “bondade” dos capitalistas. Esses nunca poderão ser bons, pois o próprio regime capitalista é que traz a injustiça.
Enfim, quem tem a biografia de um Jayme Monjardim Matarazzo não conseguirá talvez criar uma autêntica obra de arte. Fará, como ele já fez, muita artesania, mas não arte. Melhor ele continuar na criação de cavalos. Desculpem. (Olinda, 6. 05. 2020)