Qualquer espectador de cinema gostará de saber como desenvolver a sua capacidade de julgar uma obra cinematográfica
Publicado 15/02/2021 11:23
A utilidade de uma série como Palavra Crítica – que foi feita em Pernambuco e está em exibição na TV Universitária Recife – é enorme e evidente. Apesar da quase debacle dos jornais impressos nestes anos de internet, a crítica de cinema na verdade aumentou e não desapareceu. Não está mais nos jornais pontuando como era antes. Mas quase todo mundo que vê cinema habitualmente também se mete a comentar. E isso não é ruim. É muito bom para que o cinema deixe de ser uma mera diversão das tardes para aqueles que não são ocupados com tarefas outras profissionais.
Algo que destaco da série Palavra Crítica é a edição. Vi os 12 episódios e senti como a visão colocada para a montagem teve a possibilidade de juntar o que havia de mais expressivo sido dito pelos entrevistados. Esse trabalho, pelo que entendi, foi principalmente feito ou pelo menos orientado pelo produtor principal da série, o cineasta Tiago Leitão.
Pernambuco já apresentou antes outra série criada pelo cineasta Camilo Cavalcante, Olhar. E também apresentou uma excelente edição. Olhar apresentou entrevistas com cineastas.
É claro que uma série que fala em como se deve ver o cinema interessa a muita gente. Qualquer espectador de cinema gostará de saber como desenvolver a sua capacidade de julgar uma obra cinematográfica. Entretanto, uma série assim deverá ter uma importância principal para aqueles que estudam cinema. As escolas de cinema deveriam adquirir essa série e colocá-la em exibição e debate para os seus alunos.
Quanto à seleção dos 12 críticos que dela participaram – e essa seleção me parece que foi feita pelo crítico André Dib –, eu faria algumas ressalvas. A série se propõe a uma apresentação nacional e assim tem gente do Nordeste e também de São Paulo. Em princípio, penso que seria no caso mais produtivo que ela fosse só do Norte e Nordeste. E assim poderíamos ter críticos da Paraíba, do Rio Grande do Norte, do Pará, do Amazonas. E se era para ser nacional, não poderia deixar de ter pessoas de Minas Gerais, de Salvador, gente como Inácio Araújo, e outros críticos da Folha de S.Paulo. Como é que não tem mulheres como Ivana Bentes?
Dos 12 participantes, somente quatro são exclusivamente jornalistas – Zanin, Couto, Ernesto e eu. Os oito restantes são acadêmicos. Figueirôa e Luiz Joaquim tiveram boas experiências como jornalistas, mas são acadêmicos. O que ocorre em certas pessoas acadêmicas é que parecem necessitar de mostrar os seus conhecimentos culturais e assim trazem junto o lado pedante da dissertação. Uma coisa: nessa série, por que não colocar Kleber Mendonça Filho, e não a pessoa que o substituía nas suas vagas?
Seguem os participantes da série e os dias de exibição na TV Universitária Recife – nas terças-feiras, às 20h30, com reprise nos sábados às 12h30:
A série será exibida depois no canal Curta!.
(Olinda, 13.02.21)
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O HOMEM-PÁSSARO NA CHINA
Esse foi o primeiro filme que vi do cineasta Takashi Miike, um japonês que nasceu em 1960 e que faz muitos filmes, vários num ano só. A principal produção dele é ligada a uma temática de violência e perversão. E me parece que tem sucesso, inclusive com a crítica ocidental.
The Bird People in China é uma exceção dentro dos seus filmes. Realmente, conta uma estória que inclusive começa com certa violência, mas se transforma em algo poético, buscando encontrar uma realidade que estaria ligada aos chamados ‘povos primitivos’. Esse filme foi lançado em 1998 e está no site Making Off.
(Olinda, 7. 02. 21)
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O HOMEM-PÁSSARO NA CHINA (2)
Eu falei acerca do cineasta Takashi Miike, mas não sobre o filme Chûgoku no chôjin, que é o nome em japonês do The Bird People in China. Certamente, Miike quis fazer essa obra para se aproximar de dois cineastas que ele declara serem figuras da sua preferência, que são o grande japonês Akira Kurosawa e o grande inglês cineasta David Lean. Nos anos 50 no Recife, Lean era muito admirado pelo filme Desencanto. Claro que o filme de Takashi Miike tem muito do expressionismo de Kurosawa e também muito da melancolia de Desencanto. Para quem é especialista em perversão e violência, isso é estranho.
Assim, temos não um filme sobre a China, mas sobre uma região bem inóspita desse país. E o Mr. Wada, que é o personagem principal, sai do Japão para buscar riqueza nessa região da qual está informado ser rica em jade. Ele quer retirar jade de lá como Bolsonaro quer retirar as riquezas da Amazônia para seus sócios. No final, Mr. Wada descobre que a riqueza não é simplesmente o jade, mas a riqueza da alma das pessoas que lá vivem. E ele se inspira numa poesia romântica inglesa para esconder a sua vergonha de ser tão perverso em busca da riqueza financeira. Com esse filme, Takashi Miike ainda não chegou à altura dos grandes mestres do cinema, mas se continuar seguindo essa linha poderá chegar lá. Valeu a pena ver seu filme.
(Olinda, 7. 02. 21)
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LENIN EM OUTUBRO / LENIN V OKTYABRE
Para se conhecer os bastidores da Revolução de Outubro na Rússia, certamente o filme mais objetivo será este, feito em 1937, pelo cineasta soviético Mikhail Romm, com a participação do cineasta Dmitri Vasilyev: Lenin em Outubro. Romm foi um importante cineasta soviético, mas nunca teve a dimensão dos maiores como Eisenstein, Poudovkine e outros. Mas, ao analisar a narrativa de Lenin em Outubro, percebemos que se trata de um trabalho muito criativo.
Boa parte do filme se passa enquanto está acontecendo a luta entre os bolcheviques, mencheviques, o governo provisório republicano e as guerras intervencionistas de outros países que já haviam começado. As intrigas pessoais perturbaram terrivelmente a Lenin e aos outros participantes. Romm consegue criar uma obra cinematográfica ágil e muito dinâmica para documentar, de forma fictícia, é claro, os debates pessoais. A maior dimensão narrativa temos na segunda parte do filme, quando começa a guerra interna comandada por Lenin, que é vivido por um ator um pouco mais cheio do ponto de vista pessoal do que era na realidade.
E ainda não havia o hábito da boina que caracterizou Lenin. Mikhail Romm criou uma narrativa densa em que mostra lutas de batalhões e lutas de pequenos grupos, criando assim o clima dramático perfeito. Uma sequência bela nesse filme é a em que temos a execução da Internacional, o hino do proletariado. E também a entrada de Lenin no Palácio de Inverno quando ele coloca um salão repleto – e primeiro vem Lenin caminhando frente a uma multidão com a câmera fazendo ele se aproximar.
Através de um efeito quase imperceptível, temos Lenin e o grupo seguindo com a câmera por trás do grupo. Mikhail Romm realmente faz um trabalho excepcional e certamente dependeu dele e não do montador simplesmente esse jogou de câmera. Também se deve destacar a interpretação dos atores com Boris Schtschukin fazendo o personagem principal. Tem no site Making Off.
(Olinda, 7.02. 21)
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O TEATRO DAS ILUSÕES
Revi O Teatro das Ilusões hoje e realmente não consigo encontrar como desenvolver mais esse comentário. Seria necessário que meu conhecimento acerca do teatro japonês fosse maior para então saber destacar interpretações individuais. O teatro kabuki me parece muito dependente do ator ou da atriz, pois em seu desenvolvimento existem muitas situações onde uma espécie de monólogo está presente.
Na sequência dos 20 minutos finais, temos na verdade momentos excepcionais da atriz e não só dela, mas da própria montagem. O kabuki também utiliza muitos momentos de truques, de técnica de montagem. Às vezes até parece que usam a forma narrativas de belas sequências de circo. Vou tentar ver os dois outros filmes que fazem parte dessa série Taisho.
(Olinda, 10. 02. 21)