Vidas Barradas é o mais completo registro sobre a vida das famílias das vítimas e dos poucos sobreviventes do maior desastre de trabalho da história do Brasil
Publicado 24/01/2020 21:04 | Editado 24/01/2020 21:05
Uma Comissão Internacional de Juristas Independentes se instalou em Brumadinho (MG), no segundo semestre de 2019, para investigar e avaliar as violações decorrentes do desastre provocado pelo rompimento da barragem da Vale, no inesquecível dia 25 de janeiro. A Comissão concluiu seu trabalho em novembro – e grande parte dele está retratada no documentário Vidas Barradas.
Realizado pela produtora Clara Digital, sem fins lucrativos, o filme teve uma pré-estreia especial para população de Brumadinho, incluindo familiares e amigos das vítimas. Com 80 minutos de duração, é o mais completo registro sobre o que aconteceu naquele dia – e sobre o que acontece quase um ano depois na vida dessas famílias e dos poucos sobreviventes do maior desastre de trabalho da história do Brasil. Em comum, a maioria desses familiares dependia, diretamente ou indiretamente, da Vale.
É a eles que Vidas Barradas dá voz, em contraponto às versões da multinacional brasileira – uma das maiores empresas de mineração do mundo e a maior produtora de minério de ferro. Apesar de todo o investimento tecnológico e dos milhões ou bilhões de faturamento, a Vale não consegue explicar por que um instrumento simples de segurança – a sirene de alarme – não funcionou. Às 12h28 de 25 de janeiro de 2019, a barragem na Mina do Córrego do Feijão ruiu. O alerta – que poderia ter salvado vidas – ficou calado naquele dia.
Naquele momento, funcionários da mineradora almoçavam no refeitório, que foi o primeiro a ser atingido. Com a violência de um tsunami, a onda de barro engoliu prédios, vagões de trem, veículos e vidas. Em minutos, arrasou comunidades rurais inteiras. Vidas Barradas apresenta relatos desesperadores de pais, filhos, irmãos, familiares e amigos das vítimas da Vale.
É um filme que exige fôlego diante de tantos depoimentos emocionantes e dolorosos, como o da dona Maria Regina, mãe da Priscila, funcionária há dez anos da Vale. Aos prantos, a mãe relata que acorda toda a noite sufocada pela lama que sai de seu nariz e boca. Ela sabe que é um pesadelo, mas acredita que esteja passando pela mesma sensação que a filha passou antes de morrer. Inconsolável também continua o senhor Geraldo Resende, que perdeu a filha Juliana e seu genro – eles morreram juntos no desastre. Geraldo agora cuida dos dois netos, órfãos de pai e mãe.
O barulho dos helicópteros e o pouso deles em frente à igreja da Matriz da cidade, chegando com sacos de corpos pendurados, poderiam fazer parte de um filme de guerra apocalíptico. Dez meses após a ruptura da represa de rejeitos de minério, a saúde mental dos moradores vive trauma equivalente ao de quem passa ou passou por uma guerra, com o aumento de suicídios e o consumo de remédios controlados, como antidepressivos e ansiolíticos.
O documentário mostra o relato de um grupo de vítimas quase esquecido pela mídia que sofre com a tragédia de Brumadinho – os índios pataxós da Aldeia Naô Xôhã. Eles viram a lama destruir seu “deus rio”, a entidade da natureza que dá vida e alimento para a aldeia. Hoje, o grupo depende de caminhões pipa para beber, cozinhar e lavar tigelas. O ritual da Festa da Água, cultura ancestral dos Pataxós, corre o risco de se perder com o tempo, já que os índios não podem mais chegar perto do rio contaminado e morto.
Vidas Barradas traz o depoimento de especialistas em saúde mental que relatam as consequências de um trauma, tanto para os parentes das vítimas como para aqueles que sobreviveram ao mar de lama. O documentário também apresenta o testemunho de bombeiros, que trabalharam dia e noite, mergulharam na lama contaminada em busca de sobreviventes e corpos, sendo considerados heróis que choraram com a cidade.
A Comissão Internacional de Juristas Independentes ficou estarrecida com o que viu em Brumadinho. É o caso do depoimento do promotor André Sperling, do Ministério Público de Minas Gerais, bem como das declarações dos deputados André Quintão e Rogério Correia, relatores das Comissões Parlamentares de Inquéritos (CPIs) de Brumadinho, respectivamente, na Assembleia Legislativa mineira e na Câmara Federal.
Recuperar a alegria, voltar ao cotidiano, realizar pequenas ações, como uma comemoração em uma escola, são situações em que a população de Brumadinho ainda vai levar muito tempo para realizar. Vidas Barradas mostra que a lama da mineradora ainda corre pelas ruas, casas, estradas e almas dos moradores da cidade que ruiu por conta da negligência e da ganância.
Obrigado ao portal Vermelho por ajudar a divulgar o nosso trabalho e este crime da Vale.
Para nós do portal Vermelho foi o enorme satisfação ajudar a divulgar esse excelente trabalho. A luta em defesa dos direitos dos atingidos pela tragédia de Brumadinho merece todo nosso empenho.
Também agradeço a ação de vocês. Particularmente estou bem cansada por me voluntariar durante todo esse tempo. Continuamos precisando de quem nos abrace.