A China aumenta sua influência global, cada vez com mais aliados
Os esforços para se aproximar de países e fazer aliados avançam cada vez mais, com sucesso. Enquanto a administração de Trump rompe acordos e questiona alianças, o gigante asiático impulsiona os laços políticos, culturas e sociais, com destaque para a América Latina; as viagens constantes de Xi Jinping seguem a proposta de construir "uma comunidade de futuro compartilhado"
Publicado 14/12/2017 12:37
Uma semana depois da eleição de Donald Trump, o presidente Xi Jinping viajou à América Latina pela terceira vez em três anos para enviar uma mensagem clara: a China quer ser o principal aliado da região. “Se compartilharmos a mesma voz e os mesmos valores, podemos conversar e nos admirar sem que a distância importe”, prometeu o líder asiático à presidenta chilena, Michelle Bachelet, em Santiago. Com quase um ano de Trump na Casa Branca, o Governo dos EUA está em retirada do plano internacional, questionando alianças e rompendo acordos. Na América Latina, a China, que há mais de dez anos é um importante parceiro comercial, aumenta agora sua influência política, cultural e social para ocupar o vazio criado pela ausente estratégia norte-americana.
Uma diplomacia de grande país ao estilo chinês formou-se nos últimos cinco anos através das viagens ao estrangeiro feitas pelo presidente chinês. Foram 29 visitas a 58 países e importantes organizações internacionais e regionais, nos cinco continentes. Xi logo ganhou o título de "diplomata chefe" em seu país.
Segundo a agência chinesa Xinhua, as viagens fortaleceram o papel de liderança da China nos quesitos paz, segurança, governança e desenvolvimento globais, além de promover um entendimento e visão melhor do mundo sobre o caminho tomado pela China, que inclui a cooperação de benefício mútuo e esforços para construir "uma comunidade de futuro compartilhado para a humanidade".
Trump chegou à Casa Branca utilizando uma retórica nacionalista e protecionista no âmbito comercial. A América Latina observou o caráter imprevisível de um novo presidente anti-establishment com incerteza. Mas em menos de um ano, o presidente norte-americano confirmou sua lealdade à sua agenda antiglobalização de “América Primeiro”. Trump retirou os EUA do Acordo de Paris – no qual estão todas as nações do mundo – e do Tratado Comercial com o Pacífico (TPP) com países asiáticos e latino-americanos. O presidente também ameaçou acabar com o Tratado de Livre Comércio (Nafta) com o México e o Canadá. Com essas e outras decisões, Trump distanciou os EUA de sua posição hegemônica mundial e forçou seus aliados tradicionais a buscarem e reforçarem outras alianças. “Sempre colocarei a América primeiro, não podemos continuar participando de acordos nos quais os EUA não obtêm nada de bom”, afirmou o republicano na Assembleia Geral da ONU.
Além das repetidas sanções contra o Governo da Venezuela e o retrocesso nos pactos comerciais, a nova Administração não estabeleceu uma estratégia de aproximação aos seus vizinhos do Sul e ainda não nomeou os diplomatas dos postos de maior importância no Departamento de Estado. Os EUA, em suas poucas referências à América Latina, centraram seu discurso na mão firme contra a imigração e o narcotráfico. Em agosto, o vice-presidente Mike Pence tentou suavizar os sinais que Washington envia com uma breve viagem por quatro países. Apesar de ter falado por telefone com a maioria dos presidentes, Trump optou pela Europa, Oriente Médio e Ásia em suas primeiras saídas internacionais.
Líderes durante reunião do BRICS, na China
A viagem de Xi Jinping, recheada de simbolismo, sugeriu uma aceleração para aprofundar as relações entre a América Latina e seu país, que há 15 anos aumentou exponencialmente seus investimentos na região. Nesse tempo, o gigante asiático multiplicou por 22 vezes o volume de seu comércio com os países da região. Em 2016, investiu aproximadamente 90 bilhões de dólares (296 bilhões de reais) nos países da área. A China hoje já é o principal parceiro comercial do Brasil, Chile e Peru. Mas sua marca na América Latina já ultrapassa os âmbitos econômicos.
“Agora a China tenta conseguir influência política. Cada vez consegue penetrar mais nas esferas acadêmicas, culturais, sociais assim como na imprensa. Têm milhares de iniciativas para conectarem-se com as elites e pessoas de influência, por exemplo líderes de opinião, diplomatas, jornalistas, para levar a eles uma visão positiva da China”, afirmou nessa semana o pesquisador e jornalista Juan Pablo Cardenal em uma conferência organizada em Washington pelo think-tank Americas Society, Council of the Americas.
"Para avançar com o tempo, não podemos viver fisicamente no século 21, mas com uma mentalidade que pertence ao passado, estancados-nos velhos dias do colonialismo e limitados pela mentalidade da Guerra Fria e soma zero", declarou Xi Jinping no Instituto Estatal de Relações Internacionais de Moscou, pedindo pela construção de um novo tipo de relações internacionais cujo núcleo é a cooperação em que ambos os lados podem ganhar, durante sua primeira viagem ao exterior, em março de 2013.
Encontro de Xi com o presidente Russo, Vladmir Putin
As seis visitas de Xi à Rússia e mais de 20 reuniões com o presidente russo, Vladimir Putin, em diversas ocasiões, elevaram as relações sino-russas a seu melhor nível da história. Os dois países servem juntos como uma âncora para a paz e segurança globais. "Estou convencido de que o modelo de relações bilaterais que criamos deve tornar-se em um dos exemplos de interação civilizada entre países no século 21", declarou o presidente da Duma Estatal russa, Vyacheslav Volodin. O presidente chinês reforça em seus discursos princípios de não conflito, não confrontação, respeito mútuo e cooperação de benefício mútuo em meio a mudanças de liderança na Casa Branca e às incertezas consequentes dela.
As relações entre a China e a Europa se expandiram com cada uma das viagens de Xi ao continente. A China procura uma parceria com a União Europeia com base na paz, crescimento, reforma e cooperação bilateral de benefício mútuo, como informa o Xinhua. Também houveram viagens para promover as relações com os vizinhos, incluindo o mecanismo de Cooperação Lancang-Mekong, a versão atualizada da Área de Livre Comércio com a Associação das Nações do Sudeste Asiático (ASEAN) e o Corredor Econômico Bangladesh-China-Índia-Mianmar, entre outros.
Jinping também possuiu uma forte opinião formada acerca da globalização: "diante das oportunidades e desafios da globalização econômica, o certo é apanhar todas as oportunidades, enfrentar em conjunto os desafios e elaborar o plano correto para a globalização econômica". A globalização, segundo ele, é hipocritamente acusada pelo baixo crescimento da economia global, alta taxa de desemprego, aumento do protecionismo comercial, populismo e isolacionismo, terrorismo, crise de refugiados na Europa e Oriente Médio e pela maior disparidade entre ricos e pobres, que, para o líder chinês, devem ser combatidas com um crescimento impulsionado pela inovação, cooperação aberta e de benefício mútuo além de uma governança mais justa para atingir o desenvolvimento equilibrado.
De agora em diante
Há um ano Jinping anunciou que nos próximos anos seu Governo dará as boas-vindas a mais de 10.000 jovens líderes, 500 jornalistas e até 1.500 representantes políticos para participarem de eventos. A China criou Institutos Confúcio em universidades de nove países, para promover a aprendizagem de chinês e da cultura do país, e programas de intercâmbio para estudantes. O país e a América Latina forjaram uma estreita cooperação que todo ano realiza um congresso com os principais atores dos veículos de comunicação da região.
O Panamá, um aliado tradicional dos EUA, reativou em junho suas relações diplomáticas com Pequim e em novembro, durante uma visita de três dias do presidente, abriu sua embaixada na capital chinesa. Os dois países assinaram até doze acordos, alguns dos quais são dedicados à promoção cultural e turismo.
Longe de diminuir, o crescimento da China na América Latina é visto como um fracasso da política norte-americana, como disseram os especialistas. A entrada com toda a força do gigante asiático na urbanização geográfica dos EUA é um motivo de preocupação e um sinal da perda da hegemonia norte-americana. Com a possível finalização do Tratado Norte-Americano de Livre Comércio (NAFTA), para muitos um acordo vital à economia dos EUA, a China já se colocou como uma alternativa ao México. Se isso acontecer, a China se fortaleceria na fronteira sul, aquela que Trump quer proteger com um muro.