Após golpe, STF decide investigar trama de Jucá e cúpula do PMDB
Nove meses depois da divulgação do áudio que escancarou a trama do golpe que resultou no impeachment da presidenta Dilma Rousseff, o ministro Luiz Edson Fachin, novo relator da Lava Jato no Supremo Tribunal Federal (STF após a morte do Teori Zavascki, determinou nesta quinta-feira (9) a abertura de inquérito para investigar o ex-senador José Sarney, os senadores Renan Calheiros e Romero Jucá, e o ex-presidente da Transpetro Sérgio Machado.
Por Dayane Santos
Publicado 10/02/2017 13:49
O ministro atendeu a um pedido do procurador-geral da República Rodrigo Janot, no último dia 6, que acusa os quatro de tentar obstruir a Lava Jato.
"Se é político, como é a política? Tem que resolver essa porra. Tem que mudar o governo para estancar essa sangria", disse Jucá na gravação, enfatizando que era necessário construir um pacto nacional "com o Supremo, com tudo", já que nas investigações começaram a aparecer nomes da cúpula do PMDB e PSDB. Machado concorda: "Aí parava tudo".
A decisão evidencia, no mínimo, a contradição das decisões do Judiciário em meio à crise e a polarização política. No processo de impeachment, a defesa da presidenta Dilma Rousseff apresentou, em junho de 2016, recurso ao STF contra decisão da Comissão Especial do Impeachment do Senado que indeferiu o pedido de juntada ao processo dos autos e das gravações reveladas pela delação premiada do ex-presidente da Transpetro Sérgio Machado.
Na época, Lewandowski citou a posição do ministro Teori Zavascki, relator dos processos relacionados à Lava Jato, que afirmava que os elementos colhidos no âmbito de colaboração premiada estão protegidos pelo sigilo até a instauração formal do inquérito.
Após o julgamento do impeachment, a defesa da presidenta Dilma ingressou com mandado de segurança pedindo a anulação do processo. Em 20 de outubro de 2016, Teori negou o pedido de Dilma. A presidenta pedia a suspensão dos efeitos da votação no Senado, realizada no dia 31 de agosto.
Segundo Teori, não cabia à Corte, naquele momento, interferir numa decisão política do Legislativo, a menos que o resultado representasse uma indiscutível ameaça às instituições brasileiras, o que, na avaliação do ministro, não ocorreu.
"Somente uma cabal demonstração da indispensabilidade de prevenir gravíssimos danos às instituições, ou à democracia ou, enfim, ao estado de direito é que poderia justificar um imediato juízo [uma decisão liminar] sobre as questões postas na demanda", disse Teori em sua decisão, reforçando que antecipar uma eventual anulação do afastamento de Dilma causaria impacto ao país que já vive um momento "dramático".
"É preciso considerar que […] dúvidas não há sobre as avassaladoras consequências que uma intervenção judicial volúvel poderia gerar no ambiente institucional do país, que atravessa momentos já tão dramáticos do seu destino coletivo. Seriam também enormes as implicações para a credibilidade das instituições brasileiras no cenário mundial promover, mais uma vez – e agora por via judicial – alteração substantiva e brusca no comando da Nação", escreveu.
No entanto, o pedido de mandado de segurança contestou, justamente, o mérito da acusação. O advogado da presidenta, o ex-ministro da Justiça José Eduardo Cardozo afirma, que não houve crime de responsabilidade e que o objetivo era dar um golpe contra o mandato legítimo da presidenta.
"As acusações apresentadas na denúncia por crime de responsabilidade julgada procedente pelo Senado Federal não passam de meros pretextos retóricos invocados para se dar 'aparência de legitimidade' à decisão arbitrária de se cassar o mandado de uma Presidenta da República legitimamente eleita", escreveu Cardozo, que também denunciou que Michel Temer (PMDB), à época vice-presidente, articulou a condenação de Dilma pelo Congresso.
"A negociação foi comandada diretamente pelo sr. vice-presidente da República, Michel Temer, desde o processamento do impeachment na Câmara dos Deputados. Não foram articulações mascaradas ou cautelosas. Foram abertas e despudoradas", citando as gravações com Jucá.
Janot demorou nove meses para ficar "chocado"
Agora, pouco mais de três meses depois da decisão de Teori, morto em um acidente de avião, o Supremo decide que, de fato, as informações reveladas pelas gravações demonstram que há fundamentos para investigar o que o Procurador-Geral da República, Rodrigo Janot, classificou como “chocante”.
“É chocante, nesse sentido, ouvir o senador Romero Jucá admitir, a certa altura, que é crucial ‘cortar as asas’ da Justiça e do Ministério Público, aduzindo que a solução para isso seria a Assembleia Constituinte que ele e seu grupo político estão planejando para 2018”, disse Janot.
Essa afirmação desnuda a seletividade da indignação de Janot, que acha chante o senador Jucá afirma que é preciso “cortar as asas” do Ministério Pública, mas não se indignou ao assistir o mesmo grupo derrubar uma presidenta legitimamente eleita, sem crime de responsabilidade, rasgando a Constituição e ferindo de morte o Estado Democrático de Direito.
Talvez Janot tenha ficado chocado com a afirmação feita pelo então presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), que em um treco da gravação revela a Machado que tentou brecar a recondução de Janot à chefia do Ministério Público Federal. Ele chama o procurador-geral de “mau caráter”.
Apesar da seletividade de Janot, ele mesmo admite que “há elementos concretos de atuação concertada entre parlamentares, com uso institucional desviado, em descompasso com o interesse público e social, nitidamente para favorecimento dos mais diversos integrantes da organização criminosa''.
Quando Janot afirma que “há elementos concretos”, ou seja, sempre houve, já que desde então, até onde sabemos, não há nenhum outro elemento que justificasse tão abertura de inquérito. Além do mais, a justificativa do pedido, eo o aceite, se baseia no conteúdo das gravações.
Dilma avisou
Não precisou de muito tempo para a história confirmar o que a presidenta Dilma denunciava: “É golpe”. E, depoimento enviado à comissão do impeachment lido por Cardozo, em 8 de julho de 2016, Dilma afirmava: "Desde a sua abertura pelo Presidente da Câmara, Eduardo Cunha, as razões reais e a finalidade objetiva que movem este processo de impeachment são absolutamente claras. Várias forças políticas, viam e continuam a ver, a minha postura de não intervir ou de não obstar as investigações realizadas pela operação “Lava Jato”, como algo que colocava em risco setores da “classe política” brasileira".
Por diversas vezes, Cardozo e diversos parlamentares apontaram que as gravações feitas por Machado com a cúpula do PMDB mostravam nitidamente a intenção que o impeachment viesse a ocorrer porque Dilma não obstruiu as investigações da Lava Jato e pediram que o conteúdo fosse anexado ao processo para produção de provas.
O Supremo foi incapaz de frear o golpe – ainda que detivesse as provas para fazê-lo – e, por isso, não há sinais de que vá fazê-lo agora. No entanto, o rei está nu, e como o direito não é ciência exata, as contradições podem contribuir para pressionar o Judiciário a ocupar o seu devido lugar na história do país: proteger e zelar pelos princípios constitucionais e democráticos.