"PEC 55 é inconstitucional", afirma consultoria jurídica do Senado
Um estudo produzido pelo Núcleo de Estudos e Pesquisas da Consultoria Legislativa do Senado Federal concluiu que a PEC 55, que tramitou na Câmara dos Deputados como PEC 241, é "inconstitucional". Enviada pelo governo de Michel Temer, a PEC quer congelar os investimentos públicos por 20 anos, afetando principalmente a saúde e educação. A proposta já foi aprovada pela Câmara e agora tramita no Senado, sob a relatoria do senador Eunício Oliveira (PMDB-CE), na Comissão de Constituição e Justiça.
Publicado 07/11/2016 10:41
"O que se faz quando se congela as despesas primárias para os próximos vinte anos no âmbito do Poder Executivo, com base nas despesas efetivamente realizadas em 2016, num cenário recessivo, de retração de investimentos, em que foram constatados os maiores contingenciamentos na execução orçamentária dos últimos vinte anos, é estender, por um período de tempo absolutamente desarrazoado, as restrições e insuficiências hoje verificadas na implementação das políticas públicas”, aponta parecer.
E completa: “Consideramos que a PEC nº 55, de 2016, tende a abolir as cláusulas pétreas previstas nos incisos II, III e IV do § 4º do art. 60 da Constituição Federal, que se referem, respectivamente, ao voto direto, secreto, universal e periódico; à separação de Poderes e aos direitos e garantias individuais, razão pela qual deve ter sua tramitação interrompida no âmbito das Casas do Congresso Nacional.”
Ainda de acordo com o parecer assinado por Ronaldo Jorge Araujo Vieira Junior – consultor legislativo do Senado na área do direito constitucional, administrativo, eleitoral e partidário -, a PEC "ao propor, como piso de aplicação de recursos na educação, para os próximos vinte anos, as aplicações mínimas corrigidas apenas pela inflação, desrespeita expressamente determinação constitucional contida na parte permanente da Constituição. Trata-se de situação contraditória plantada em nosso ordenamento pela PEC nº 55, de 2016, e que gerará conflitos, judicialização e insegurança jurídica".
O estudo conclui que ainda que, mesmo contrariando o texto constitucional o Senado aprove a PEC, os parlamentares poderão recorrer ao Judiciário, pois estão presentes todos os "requisitos constitucionais para que os legitimados pelo art. 103 da Constituição proponham a competente ação direta de inconstitucionalidade perante o Supremo Tribunal Federal".
Direitos e garantias individuais
O parecer destaca os direitos e garantias individuais violadas pela PEC 55, ao afirmar que “a PEC nº 55, de 2016, também trata das aplicações mínimas em ações e serviços públicos de saúde e em manutenção e desenvolvimento do ensino, direitos sociais fundamentais previstos na parte permanente da CF, respectivamente, no inciso I do § 2º do art. 198 e no caput do art. 212”.
Ao congelar os gastos públicos em saúde e educação, a PEC 55 desobedece a Constituição de 1988, que estabelece que as aplicações mínimas em saúde no âmbito da União correspondem a um percentual da receita corrente líquida do respectivo exercício financeiro. “Logo, pelo texto permanente da Constituição, a União é obrigada a aplicar anualmente, no mínimo, 15% da receita corrente líquida do respectivo exercício financeiro”, diz o texto.
Para a educação, a regra geral prevista na parte permanente da Constituição Federal é a de que a União aplicará, anualmente, nunca menos de 18% da receita resultante de impostos.
Violação ao voto popular
Outra violação da PEC 55, segundo o consultor do Senado, diz respeito ao voto direto, secreto, universal e periódico.
Ele explica que “no sistema presidencialista, a elaboração da peça orçamentária anual assim como do plano de longo prazo (plano plurianual) e seu encaminhamento ao Poder Legislativo para discussão e aprovação são atribuições das mais nobres do Chefe do Poder Executivo”.
“O art. 84, inciso II, da CF dispõe ser competência privativa do presidente da República exercer a direção superior da administração federal com o auxílio dos Ministros de Estado”, afirma Ronaldo Vieira, para em seguida, anunciar que “eliminar, como pretende a PEC nº 55, de 2016, a possibilidade de o Chefe do Poder Executivo – legitimamente eleito pelo povo, por intermédio do voto direto, secreto, universal e periódico – definir o limite de despesas de seu governo significa retirar-lhe uma de suas principais prerrogativas de orientação, direção e gestão”.
Separação dos poderes
A PEC também viola o princípio da separação dos Poderes. Segundo o consultor do Senado, “o estabelecimento de limites individuais de despesas primárias para os próximos 20 exercícios financeiros para Poderes e órgãos da União com base na despesa paga, no ano de 2016, corrigida anualmente pela inflação apurada até junho do exercício anterior –, é medida draconiana que possui graves consequências”.
“De um lado, estrangula e mitiga a independência e a autonomia financeira do Poder Legislativo e do Poder Judiciário, e a autonomia financeira do Ministério Público da União e da Defensoria Pública da União, na medida em que impõe, na realidade, o congelamento de despesas primárias por 20 exercícios financeiros”, anuncia Ronaldo Vieira, acrescentando que dessa forma, qualquer perspectiva de ampliação da atuação desses Poderes e órgãos fica inviabilizada pelos próximos 20 anos.