Zuzu Angel: Um canto, um lamento na luta por Direitos Humanos
Durante sua luta para descobrir o paradeiro e depois para denunciar incisivamente a morte de Stuart, Zuzu vê sua vida mudar completamente. De uma crítica constante à opção do filho, ela passa a ser uma defensora ardorosa da luta e das ideias de dele
Publicado 06/12/2021 18:38
Na próxima sexta-feira, dia 10 de dezembro de 2021, a Declaração Internacional dos Direitos Humanos completa 73 anos. Proclamada pela Assembleia Geral das Nações Unidas (ONU), em Paris, no dia 10 de dezembro de 1948, é considerada um importante marco para a luta internacional contra os Estados totalitários e contra as crueldades do nazifascismo, que encontrava-se em vigência no Brasil em pleno anos arbitrários ocorridos por ocasião do regime militar. Mesmo sendo um acordo mundial dos mais relevantes em defesa da democracia e contra a violação dos direitos, essa declaração tem sido violada constantemente.
Ao encerrar o ciclo dos 21 Dias de Ativismo pelo fim da violência contra as mulheres, no dia 10, trazemos como indicação o filme Zuzu Angel, baseado em fatos concretos do período de ditadura militar no Brasil (1964-1985). Período de completa restrição das liberdades e de violenta repressão, o filme retrata a luta da corajosa estilista, que lutou e se opôs incansavelmente contra a violência da ditadura militar.
O filme dirigido por Sérgio Resende, disponível no Youtube, tem como protagonista Zuzu Angel, brilhantemente vivida por Patricia Pillar, e seu filho Stuart, interpretado por Daniel Oliveira. O filme mostra desde as cenas iniciais a saga dessa destemida mulher para encontrar o paradeiro de seu filho, as tensões políticas e as apreensões vividas no país naquele grave momento da vida brasileira.
Seu filho Edgar Stuart Angel, militante do Movimento Revolucionário 8 de Outubro (MR-8), foi preso no dia 14 de maio de 1971 no Rio de Janeiro e, brutalmente torturado, não resistiu, vindo a falecer na noite daquele mesmo dia. Foi então a partir do conhecimento de sua prisão que Zuzu Angel passou a buscar informações sobre o filho e o direito de sepultá-lo, denunciando as arbitrariedades praticadas pela ditadura à imprensa e a órgãos internacionais.
Em 1971, Zuzu Angel realizou um desfile em forma de protesto no consulado brasileiro em Nova York. Suas criações incorporaram elementos que denunciavam a situação, com estampas representando tanques de guerra, canhões, pássaros engaiolados, meninos aprisionados, anjos amordaçados.
A tortura, a morte e o desaparecimento de perseguidos políticos foi uma política de Estado enquanto durou a ditadura. Havia orientação das autoridades para a realização de crimes cometidos pelos torturadores, que utilizando o método nazista de “noite e neblina” foi executado de forma planejada, estruturada e sistematizada, nos porões da ditadura. Os prisioneiros deveriam sumir na noite e na neblina, sem deixar rastros, ou seja, sem qualquer registro de seu paradeiro. Assim foi com Stuart e muitos jovens assassinados de forma bárbara. (1)
Conforme destaca o jornal Hora do Povo (27/09/2006), mais do que apenas retratar o sofrimento de uma mãe, o filme mostra com rara beleza e sensibilidade a imensa transformação ocorrida na vida e na própria consciência política da estilista. Durante sua luta para descobrir o paradeiro de Stuart e depois para denunciar incisivamente sua morte, Zuzu vê sua vida mudar completamente. De uma crítica constante à opção do filho, ela passa a ser uma defensora ardorosa da luta e das ideias de dele. Em sua batalha diuturna e heroica contra o regime encabeçado, então, por Garrastazu Médici, Zuzu torna-se um símbolo na luta pela democracia.
Há uma década, em 18 de novembro de 2011, a ex presidenta Dilma Rousseff (PT) promulgava a Lei 12.528, que instituiu a Comissão Nacional da Verdade para investigar as violações de direitos humanos praticadas pelo Estado brasileiro no período de 1946 e 1988, focalizando especialmente os 21 anos de ditadura militar, instituída somente 30 anos depois de aprovada a Lei da Anistia, em 1979. Dilma e o país, golpeados através de um Impeachment sem crime de responsabilidade, marcaram um triste episódio de nossa história e trouxeram situações de profunda violação de direitos e de ataques a nossa democracia. O genocida ao evocar o torturador coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra ao votar a favor do impeatchment, disse que o fazia “contra o comunismo, pela nossa liberdade, contra o Foro de São Paulo, pela memória do pavor de Dilma Rousseff”, deveria naquele momento ter sido retirado de sua função de parlamentar, pois não só violou os direitos humanos, como a Constituição brasileira.
A morte de Zuzu Angel em abril de 1976 em um acidente automobilístico na saída do túnel chamado Dois Irmãos, em São Conrado (RJ), foi mais um crime da ditadura militar. Em 1998, a Comissão Especial Sobre Mortos e Desaparecidos Políticos julgou o caso e reconheceu o regime militar como responsável pela morte da estilista, como mais um dos assassinatos desse governo. Segundo depoimentos, ela teria sido jogada para fora da pista por um carro pilotado por agentes da repressão. Hoje, o túnel é chamado Zuzu Angel.
O Poder Judiciário brasileiro reconheceu que a morte da estilista Zuzu Angel não foi acidental e sim decorrente de um atentado contra a sua vida cometida por agentes do Estado brasileiro. A Comissão de Mortos e Desaparecidos, criada em 1995, já havia em 1998, reconhecido o assassinato de Zuzu e afastado a versão da ditadura de que a morte da estilista decorrera de acidente automobilístico. Zuzu, assim como a vereadora Marielle Franco, foi ‘acidentada’ por incomodar o estado fascista brasileiro, episódios revoltantemente comuns na nossa história.
Zuzu era mãe de mais duas filhas, Hildegard Angel e Ana Cristina Angel. Elas ingressaram em juízo e pleitearam indenização por danos morais pela morte de sua mãe Zuzu Angel e do irmão. As certidões de óbito de Zuleika Angel Jones e de Stuart Edgard Angel Jones, agora registram que a ditadura militar brasileira é a responsável pela morte da estilista e de seu primeiro filho. Deve-se reconhecer o importante trabalho da Comissão da Verdade, para responsabilizar as barbaridades feitas pelo regime militar em nosso país. Também vale destacar que, embora tardiamente, muitos familiares e entidades defensoras dos direitos humanos vem por décadas lutando para encontrar restos mortais de seus entes queridos e pelo reconhecimento da culpa do Estado por suas mortes e desaparecimento forçado.
Angélica, a bela melodia que Chico Buarque compôs em 1977 em homenagem à estilista, é tocada no final do filme nos comovendo profundamente.
Quem é essa mulher
Que canta sempre esse estribilho?
Só queria embalar meu filho;
Que mora na escuridão do mar.
Quem é essa mulher
Que canta sempre esse lamento?
Só queria lembrar o tormento
Que fez meu filho suspirar
Quem é essa mulher
Que canta sempre o mesmo arranjo?
Só queria agasalhar meu anjo
E deixar seu corpo descansar
Quem é essa mulher
Que canta como dobra um sino?
Queria cantar por meu menino
Que ele já não pode mais cantar.
Filme: Zuzu Angel
Produção: Joaquim Vaz de Carvalho
Rio de Janeiro
Warner Bros, 2006. (103 min.)
Referências:
https://memoriasdaditadura.org.br/8-violencia-de-estado-hoje/
https://fpabramo.org.br/2020/08/14/quem-matou-zuzu-angel-foi-o-estado-brasileiro/
https://horadopovo.com.br/zuzu-angel-jones-coragem-quem-tinha-era-o-meu-filho-stuart/
(1) https://memoriasdaditadura.org.br/8-violencia-de-estado-hoje/