Zezé Vida Torta, Carrunda e a sucessão presidencial

Havia na Lagoa Seca, em Natal, no final dos anos cinqüenta, terrenos baldios à vontade, o que fazia a alegria da meninada ávida em improvisar peladas no fim da tarde. Todo espaço plano virava campo de futebol. Até trechos de

Havia na Lagoa Seca, em Natal, no final dos anos cinqüenta, terrenos baldios à vontade, o que fazia a alegria da meninada ávida em improvisar peladas no fim da tarde. Todo espaço plano virava campo de futebol. Até trechos de rua, como um pedacinho da São João, próximo do cruzamento com a Alberto Silva, onde chegamos inclusive a botar, algumas vezes, barras com travessão e tudo. Partidas empolgantes, comentadas à exaustão, na boca da noite, na calçada na Mercearia Natalense, de seu Renato Siqueira.

 

Mas tinha um problema. A rivalidade entre Zezé Vida Torta, assim chamado (que maldade!) por ser zarolho, e Carrunda, um negro imenso cuja habilidade com a bola era inversamente proporcional à exuberância do corpo. Toda partida dava em confusão. O jeito era, na hora de formar os times, botar os dois para jogarem do mesmo lado, juntos.

 

No Brasil, sucessão presidencial é que nem a rivalidade de Zezé Vida Torta e Carrunda: a disputa vira briga de foice e, historicamente, implica em crise política e instabilidade institucional.

 

José Carlos Ruy, historiador e jornalista, escreveu sobre isso numa série de artigos publicados pela revista Princípios. Mostrou que essa é a pisada desde o Império, se repetiu na República Velha e, sobretudo, depois da Revolução de 1930 em diante. Mesmo durante o regime militar, quando a sucessão se dava num círculo reduzido de oficiais de alta patente, o Estado Maior das Forças Armadas. Juscelino, hoje quase uma unanimidade, teve que abafar uma rebelião de oficiais da Aeronáutica para garantir a sua posse.

 

É que a elite brasileira é das mais conservadoras e obscurantistas do mundo. Carrega na alma o padrão genético da opressão sobre os que vivem do trabalho e da subserviência ao estrangeiro.

 

Imagine se essa elite suportaria de bom grado na presidência da República um filho da plebe, o ex-retirante nordestino e operário metalúrgico Lula. Nada disso. Quanto mais que o presidente, aos trancos e barrancos, tem conseguido redirecionar em boa parte o papel do Estado brasileiro, recuperando o seu papel de indutor do desenvolvimento e colocando-o, através de políticas públicas renovadas, como aliado do povo pobre.

 

Como bem assinalou Renato Rabelo, presidente nacional do PCdoB, num encontro recente de prefeitos e vice-prefeitos em Aracaju, essa elite sempre tentou restringir a democracia e liquidar toda e qualquer ameaça de presença popular no governo da Nação. Agora, com o fito de interromper a experiência com Lula na presidência, realiza verdadeira “cruzada moral” ao estilo da velha UDN (hoje encarnada pelo PSDB).  Lança mão de expedientes de natureza golpista, como a constituição de um poder paralelo alojado no Senado Federal, na tentativa de impedir que o governo funcione e de desmoralizar o presidente. Não é sem motivos que estamos em abril e o Orçamento Geral da União não foi aprovado.

 

Com Zezé Vida Torta e Carrunda, a gente resolvia botando os dois no mesmo time. Com a elite reacionária e golpista, não há como conciliar. O jeito e enfrentá-la com serenidade, altivez e sustentação popular.                      

As opiniões expostas neste artigo não refletem necessariamente a opinião do Portal Vermelho
Autor