Zema: apitando aos cachorros e apostando no caos

Bradar pela fragmentação do país é inaceitável, é atentar contra a unicidade desta nação que tem em suas dimensões continentais e em sua diversidade a moldura e o pano de fundo que marcam a magnitude de suas riquezas

Romeu Zema apoiou Bolsonaro e agora ataca o Nordeste. Foto: Antonio Cruz/Agência Brasil

O governador de Minas Gerais, Romeu Zema (Partido Novo), deu entrevista recente a um jornalão do país, em que fez declarações que estão causando forte repercussão. Comparou os Estados da região Nordeste a “vaquinhas magras” que não dão leite, mas que são privilegiadas na repartição das riquezas do país. Sugere uma Frente dos estados do Sul e Sudeste contra o Nordeste, para que os primeiros tenham o protagonismo político que nunca tiveram, e propõe uma unidade da Direita para enfrentar a Esquerda que está no poder. As reações no mundo minimamente civilizado são de desaprovação, indignação e até de ridicularização. É justo.

Bradar pela fragmentação do país é inaceitável, é atentar contra a unicidade desta nação que tem em suas dimensões continentais e em sua diversidade a moldura e o pano de fundo que marcam a magnitude de suas riquezas, incluídos nisto o ineditismo feliz que é o fato do soerguimento do Povo Brasileiro, um Povo Novo, gente vocacionada ao mesmo tempo para o acolhimento, o trabalho e a alegria. Flertar com a xenofobia, apostar na cizânia entre os brasileiros, estigmatizando uma região e suas populações como inferiores, é ação que deveria inclusive ser melhor apreciada pelos letrados em nossas leis penais.

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Ao reclamar literalmente por protagonismo para o Sul e Sudeste, Zema sai da esfera da mera feiura política que dá forma aos seus pensamentos e ambições, e adentra no universo satírico, tão bem retratado por Dias Gomes em “O bem amado”. Ele abstrai da história brasileira a política do “café com leite”, quando mineiros e paulistas revezavam-se no poder central, abstrai que o Rio de Janeiro sediou por dois séculos o governo do Brasil, abstrai o protagonismo de Getúlio Vargas, gaúcho, na governança do país na primeira metade do século passado, e de Juscelino Kubitschek, mineiro, na sequência. Abstrai ainda que a composição da Câmara Federal tem representação proporcional à população dos Estados, com os quatro estados do Sudeste (15% das unidades da federação) tendo sozinhos 179 dos 513 deputados federais, 33% do total. A inteligência nacionalista e republicana do país nos fez constituir um sistema parlamentar bicameral, com um Senado compondo o Congresso Nacional a partir de representantes dos Estados, garantindo revisão de excessos e um necessário equilíbrio federativo, caso contrário haveria não um protagonismo do sudeste, mas uma espécie de supremacia.  

A “cereja do bolo”, contudo, vem com a abstração do fato que o estado de Minas Gerais é de certa forma parte do nordeste também. Pelo menos 249 municípios mineiros estão abrangidos pelas políticas da Sudene, Banco do Nordeste, por estarem dentro dos critérios que definem o semiárido brasileiro. Isto é cerca de 30% do território de Minas Gerais, com uma população em torno de 3 milhões de pessoas. Estes mineiros estariam de que lado da fronteira política que Zema quer redefinir no país?

Apesar da facilidade com que o mundo da razão e do bom senso desmontam esta narrativa, é preciso colocar no radar que é bem verossímil que o governador mineiro quisesse exatamente isto: causar desaprovação, indignação e ridicularização diante do status quo, do “sistema”, da “velha política”. É o que temos chamado de “apito de cachorro”, quando uma frequência de som é escutada e entendida por cães, mas não por humanos. Zema e seus marqueteiros sabem que existe audiência para este seu discurso, uma audiência nada irrelevante, que aprova, se fortalece, e se apropria deste discurso. E se adestra.

O governador mineiro, em segundo mandato seguido, sem disfarçar bem, se lança como opção à corrida presidencial. Já disse que os votos do bolsonarismo são imprescindíveis para a Direita derrotar a Esquerda. Ao que parece, está disputando inicialmente o espólio eleitoral do ex presidente, hoje inelegível, tendo que se adiantar frente as outras opções deste campo extremado, onde se encontram Michele Bolsonaro e Tarcísio de Freitas, governador de São Paulo.

Se o roteiro for este – e não há qualquer razão para se duvidar -, Zema precisa reeditar um forte antipetismo na sociedade, apostar na antipolítica e no desgaste das instituições da democracia, adubar a desesperança da população, alimentar ódios, preconceitos e negacionismo. E tudo isto depende do fracasso do governo de Frente Ampla de Lula e Alckmin, razão pela qual os que se insurgem contra os impropérios de Zema, ao mesmo tempo precisam compreender que ele não é uma piada, governa um dos maiores estados do Brasil e que a derrota de suas pretensões absurdas passam inevitavelmente pelo êxito de Lula e Alckmin à frente do governo do país.

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