Um Estado de ódio

Quatro brutais ataques contra mulheres trans em Pernambuco , desde junho até esse mês que mal começou, fizeram acender um alerta sobre uma epidemia de transfobia no Estado. No último dia 7, o governador Paulo Câmara fez um pronunciamento que disse: “Não vamos tolerar isso. Nosso compromisso é com uma sociedade pacífica, plural e democrática”.

A Terra do Frevo, do Carnaval, do Mangue e de uma cultura que é referência, também é terra de preconceitos. De machões forjados em suas inseguranças e na ideia atrasada de um nordestino mitificado no esteriótipo de homens brutos, da lida do campo, de seguidores de um catolicismo arcaico e de um protestantismo neopentecostal punitivista e preconceituoso.

E foi no mês das festas juninas que o primeiro caso aconteceu. Enquanto fogos estouravam nas ruas do Recife, Kalyndra Selva Guedes Nogueira da Hora, de 26 anos foi assassinada. Ela foi encontrada morta dentro de casa, no Ipsep, na Zona Sul do Recife.

E como o absurdo segue o roteiro do caos e do horror, no mesmo mês, Roberta da Silva, de 33 anos, teve o corpo queimado como fogueira de um São João por um adolescente. Internada no Hospital da Restauração (HR), desde o dia 24 – Dia justamente de São João -, ela teve um braço amputado e perdeu parte do outro e faleceu hoje, infelizmente.

E o roteiro de terror e transfobia seguiu sem pedir licença. Na segunda (5), a cabeleireira Crismilly Pérola, de 33 anos foi morta com um tiro, no boêmio e cultural bairro da Várzea, na Zona Oeste do Recife, onde se encontra a Universidade Federal de Pernambuco, o Instituto Ricardo Brennand que é um dos melhores museus da América Latina e a Oficina do mítico ceramista Francisco Brennand.

E para completar, infelizmente, na última quarta (7), Fabiana da Silva Lucas, de 30 anos foi morta com golpes de faca às margens da PE-160, em Santa Cruz do Capibaribe, no Agreste, que é um polo da moda e de confecções.

Nada de tão novo, infelizmente, por aqui. A terra de cabras machos já teve casos escancarados de puritanismo hipócrita. Em 1999 o então prefeito do Recife Roberto Magalhães do extinto PFL invadiu a redação do Jornal do Commercio, armado, e ameaçou o colunista Orismar Rodrigues. O motivo? A nota ironizava o fato da Prefeitura tentar censurar a obra de Francisco Brennand, ele mesmo lá da Várzea de um dos casos de transfobia, de erguer a Torre de Cristal, uma escultura em comemoração aos 500 anos do Brasil por seu formato fálico. A estátua está lá até hoje, é um dos cartões postais da cidade e tem o apelido carinhoso de Bilola (pênis) de Brenannd dado pela população.

No dia 27 de junho, Dia do Progresso e um dia antes do Dia Internacional do Orgulho Gay, a Escola Eccoprime International Christian School, situada no bairro de Aldeia, em Camaragibe, Região Metropolitana do Recife, publicou uma série de postagens nas suas redes sociais contra uma campanha da Burger King que fala sobre o olhar das crianças sobre a comunidade homoafetiva e suas derivações. A diretora, Andressa Peixoto, disse que era preciso proteger as crianças de um ataque, que seria uma conspiração para influenciar as crianças a serem gays. Algo tão raso e fora do crivo mínimo científico, que não encontra eco no pensamento racional e em qualquer pedagogia que se pretenda humanista.

O Ministério Público de Pernambuco teve de entrar em cena, além da OAB. A escola de nome moderno, pensamento do século 18 e que ensina ódio em português e inglês continuou defendendo sua visão de vida em que os gays não são normais. Usam trechos da Bíblia para isso. Mas vivemos – ainda – num país laico, em que a constituição deve ser respeitada. E, homofobia e suas derivações como transfobia é crime!

Não dá para não ligar o aumento de casos de crimes de ódio, com a ascenção de Bolsonaro ao mais alto poder da República. É como se a caixa de Pandora do ódio tivesse sido aberta e tudo o que há de mais desprezível tenha vindo à tona. E, mesmo com a queda de popularidade do presidente responsável por mais de 520 mil mortes, CPI e compras superfaturadas da vacina indiana Covaxin, há ainda os que mantém seu apoio e servilismo ao ultraconservadorismo bolsonarista, que é neopentecostal, enfim.

“Então ele ergueu seus olhos para o céu e disse: Pai, perdoa-lhes, pois eles não sabem o que fazem” (Lucas 23.34). 

Que Deus perdoe, mas que a justiça se faça aqui! Homofobia, transfobia nunca mais! Pernambuco é lugar de pluralidade!