Trégua para reflexão
Reforma Tributária bem encaminhada, novo marco fiscal, bases arrecadatórias alicerçadas, por exemplo, na mudança do CARF, perspectivas de uma neoindustrialização, entre outros. Os fundamentos do avançar na economia real parecem ter sido fincados.
Publicado 17/07/2023 11:04
Seis meses são passados. Coisas boas aconteceram. Não se negam algumas desagradáveis. Houve muita negociação, as necessárias concessões. Refletir sobre o porvir se faz necessário. É preciso pensar sobre como serão os tempos vindouros, até que ponto objetivos podem ser desvirtuados e alterados, ou mesmo se o introduzir de idéias pouco afinadas com a visão que se tem de mundo, com o plano de governabilidade que se idealizou, devem ser sempre toleradas. Nada melhor que um período de recesso, nome elegante dado às férias não contabilizadas.
A esse respeito, tudo é relativo, inclusive férias. Trabalhador tem um mês, que nunca aproveita, vende dez dias para garantir um dinheirinho. Professor de universidades federais, oficialmente, 45 dias, fora as paralisações devido às férias escolares. No judiciário, dois meses, fora os recessos que sempre aparecem.
Bom mesmo é o parlamento. Julho se pára os trabalhos. 15 de dezembro, último dia do ano. Só começa depois do carnaval. Quando é em março, verdadeira festa. Sem contar todos os feriados, semanas em que é obrigatório visitar as “bases”, ou seja, ficar longe das atividades convencionais de legislar.
À primeira vista isso pode parecer ruim, mas, num país como o nosso, em que a dinâmica da atividade legislativa leva a uma tensão constante e a fatos que muito estressam, diariamente, são períodos que permitem rearrumar a cabeça e tentar compreender melhor o que ocorreu ou vai ocorrer. Estamos em julho, mês de recesso parlamentar.
O primeiro semestre foi atribulado. Começou com o vandalismo imperando. Com a destruição do patrimônio público, com a demonstração clara de que o país estava fragmentado e dificilmente se uniria.
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As previsões eram catastróficas. Com a crise internacional advinda da guerra entre a Ucrânia e a Rússia pioraram. Previa-se inflação em crescimento, recessão acentuada, desemprego crescente, crescimento pífio. Com esse quadro, se agravaria a crise política e o caos fora anunciado pela grande maioria dos estudiosos.
Seis meses passados, não foi o que ocorreu. A inflação está comportada, o desemprego diminui, lentamente é verdade, o crescimento parece ser significativo. Os analistas ignoram o que falaram faz apenas um semestre, começam a acreditar numa retomada consistente do desenvolvimento.
Reforma Tributária bem encaminhada, novo marco fiscal, bases arrecadatórias alicerçadas, por exemplo, na mudança do CARF, perspectivas de uma neoindustrialização, entre outros. Os fundamentos do avançar na economia real parecem ter sido fincados.
As últimas pesquisas de opinião trazem dados interessantes. Não me refiro a um pequeno crescimento da aceitação do novo governo, mas como ele está alicerçado. Dez por cento dos que votaram em Bolsonaro, afirmam que o governo Lula está no caminho certo, podendo ser considerado bom ou ótimo.
Não é pouca coisa, algo que mostra uma tendência ao crescimento se os indicadores econômicos continuarem melhorando. Evidentemente, não se é ingênuo em acreditar que desaparece a polarização. Impossível reverter grande parte daqueles que têm sua oposição baseada em viés ideológico. Mas, com esse quadro, já se permite vislumbrar um embate um pouco menos aguerrido no médio prazo.
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Em que se baseia essa ainda diminuta reversão da polarização no quadro nacional? Como ela está sendo construída e até que ponto se deve continuar nessa rota? Para mim, são as perguntas do momento.
Perguntas que têm como suporte entender até que ponto concessões devem ser feitas sem desvirtuar um projeto que foi validado nas urnas.
Não me refiro apenas aos cargos que são disputados a foice, ou á liberação de recursos de emendas astronômicas que podem ser legítimas, não questiono, embora pouco transparentes para os leigos, mas a princípios que estariam sendo violados em prol da governabilidade.
Uma festa em Lisboa. Aniversário do Presidente da Câmara dos Deputados. Não de Portugal, do Brasil. Presente ministro do Supremo Tribunal Federal de nossa nação.
Muita comemoração, muita articulação. A Reforma Tributária teria que ser aprovada, teria que ser levada adiante, também estava na pauta. Uma tensão paira no ar. Um escândalo dos kits de robótica para educação em Alagoas tinha sido denunciado pela Polícia Federal e estava sendo investigado. Assunto de todos os jornais. Surgiu uma possível participação de um tal Artur. Seria uma referência a autoridade do parlamento federal? Incomodava o aniversariante, principal ator para agilizar a tramitação na Câmara dos Deputados.
Semana e meia depois. Um despacho do ministro do STF presente ao aniversário. Manda suspender as investigações. Por um erro processual. Não propõe que o erro seja corrigido, mas, que sejam parados os trabalhos. E anuladas todas as investigações. Um vício de origem anula todo o processo que estava em curso. Será que algum dia poderá ser retomado? Houve alguma articulação que a sociedade em geral desconheça?
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Poucos dias depois, a Reforma é amplamente aprovada pela Câmara dos Deputados em rito bastante célere. O leitor atento dos periódicos nacionais fica em dúvida se há alguma relação entre os fatos ocorridos em Lisboa e o posicionamento do Parlamento.
Reforma aprovada, novas pressões em curso. Recursos foram liberados em grande volume como já foi dito. Faltam os cargos. Para quem?
O Centrão ressurge com força. Quer quase o impossível. O Turismo ninguém questiona muito. Quer também a Saúde, o que foi negado. Então querem mais. As áreas de base do atual governo passam a ser cobiçadas.
Diz o Centrão: o Desenvolvimento Social e o Ministério da Indústria têm que ser nossos. Tirem o Wellington e o Vice Presidente. O FNDE, fonte de recursos enorme para a educação de base também, no sistema financeiro a Caixa, nas Comunicações os Correios, são os alicerces para negociação. Retomar a CODEVASF, ponto de honra na questão regional. Não conseguimos o Ministério, mas queremos a FUNASA aos moldes anteriores. Com cargos e recursos para distribuir aos municípios. Outros aparecerão.
As exigências não estão fundamentadas em crítica aos atuais gestores, não há desvios de recursos ou de finalidades nos órgãos, mas têm que sair. Gestores que apenas mudaram a gestão ficando afinada com os objetivos específicos institucionais. É bom perguntar o porquê desejam tanto gerir essas instituições? Será que há algo escuso por detrás?
Ingenuidade acreditar que não se devem fazer concessões. Governar passa necessariamente por isso. Ainda mais um governo que se elegeu como uma frente ampla. Importante ter uma base parlamentar de apoio. Mas, não a qualquer preço. Há limites para essas concessões. Principalmente os éticos.
Espero que se saiba pôr esses limites. Aproveitemos as férias ou recessos dos ilustres parlamentares para fazer essa reflexão. Aqueles que ajudaram a construir a atual alternativa ficariam decepcionados caso não sejam impostos esses freios. Não só os de esquerda, mas os que conseguimos arregimentar na campanha pela defesa de princípios.