Todo mundo vai ao Circo
Celebrando a diversidade e magia do circo, um festival que une arte e reflexão em meio à cultura vibrante de Recife.
Publicado 21/11/2023 16:18
“Todo mundo vai ao circo
Menos eu, menos eu
Como pagar ingresso
Se eu não tenho nada?
Fico de fora escutando a gargalhada
A minha vida é um circo
Sou acrobata na raça
Só não posso é ser palhaço
Porque eu vivo sem graça”
Compositor: Batatinha
Recife, cidade cultural. Tudo ocorre ao mesmo tempo. Grandes shows, Janela Internacional de Cinema, Festival de Cinema Francês, Festival de Circo do Brasil. Novembro é mês cheio, tudo na mesma semana, preciso fazer opções.
Por falar em espetáculos, Poço das Artes é um dos meus refúgios. Gosto do espaço pequeno. Um vinho não muito bom, uma pizza bem fininha, melhores atrações musicais da cidade. Lá me encontro quase todo mês. É lá que retomo a boemia que faz muito abandonei. Este mês não vou lá, há muito que freqüentar.
O circo faz parte de meu imaginário. Freqüento desde criança. Em São Paulo ia com meu pai, com minha mãe e irmãos atração para toda a família.
Os trapezistas, os mágicos, os palhaços. Havia, também, os animais que me fascinavam, hoje é politicamente incorreto falar que se gosta. Lembro muito bem de ir ao de Moscou, ao de Roma e ao inesquecível Orlando Orfei.
Um destaque especial, os palhaços brasileiros como Piolin, Carequinha, Arrelia e Pimentinha que do circo pularam para a televisão. Mais recentemente o Du Soleil e mesmo, não tão recente, os patinadores do Periquitos em Revista traziam novas perspectivas para um mundo de magia.
Evidentemente que das alternativas que tinha, opto pelo circo. Uma semana em que vejo quatro espetáculos.
Estranho o nome do festival, do Brasil. Se fosse pela geografia devia ser do Recife onde sempre ocorre, se fosse pelas atrações deveria ser Internacional, sempre tem artistas da península ibérica e da latino-América. Mero detalhe.
A abertura, uma festa. A banda do maestro Spok com a orquestra de Malabares da Espanha. A animação de nosso músico, a empolgação de mais de trinta instrumentos em orquestra, a beleza dos movimentos dos artistas espanhóis. Com pinos, bolas, fitas e mesmo com os movimentos de mão, empolgam a platéia. Um teatro lotado de mais de mil pessoas, acredito. No fim a banda vai para a rua e o povo atrás. Do flamenco para o frevo, todos animados, todos maravilhados.
Há oficinas e espetáculos ao ar livre. Muitos palhaços locais e internacionais. Fico empolgado com uma dupla de Pernambuco, Lucas e João Vitor. Com fitas e contorcionismo se apresentam em uma história leve e bem contada. Uma aula espetáculo. Bom vê-los em movimentos sincronizados em que o singelo se torna pura beleza. Singelo para eles, se eu tentasse ficaria “tronxinho”, são acrobacias que desafiam a ergonomia, o desenhar do corpo humano.
Um espetáculo de paulistas. Num teatro lotado, pleonasmo para os do festival. Todos são. Conta a história de um casal, suas memórias, seus avanços. Com humor vai relatando essa história que poderia ser de cada um de nós, até chegar à velhice, aos anos avançados em que a mobilidade diminui, sempre com sutileza e humor. As acrobacias, o usar de garrafas para equilibrismo sobre me animam.
Há espetáculos com temas atuais. A ecologia é um deles. Explorado de maneira inteligente. O engajamento não é necessariamente desinteressante desde que seja feito com alegria e convicção. O urbano e as podas de árvores exigem um melhor destino à madeira nobre que é sucateada e pode ser tema de peça. Aprendi nesse. Assim como outros espetáculos engajados que trataram das questões de gênero.
Uma palhaça, uma grande atriz. Peça de encerramento da semana. Fico um pouco desiludido. A peça é bem montada, o cenário é adequado, mas a abordagem me incomoda.
É verdade que o movimento holístico dos dias atuais tem exageros, que a “onda de valoração do oriental”, o indiano inclusive, apresenta alguma “charlatanice”. Mas, para quem faz yoga há mais de trinta anos, é triste ver rituais de cânticos tradicionais, símbolos de uma cultura milenar, base de uma busca de energização medicinal, ser tratados com deboche e desprezo. E o pior, um público que às gargalhadas nem escuta o que é dito e pouco entende. Só quer saber das mogangas que são feitas. Nem tudo é perfeito.
Sem dúvida, o Festival faz parte do nosso calendário cultural, com diversidade de atrações mostra que o circo se reinventa e traz sempre novas formas para chamar a atenção do público. Gosto do estilo tradicional, mas, também, fico maravilhado com a diversidade de expressões utilizadas e os caminhos dessa nova trajetória.
No mundo atual de tantas agruras, poder ser um espaço para suavizá-lo, é importante. E mesmo para refletir e tratar assuntos complexos com leveza, mesmo para discordar do que é dito.