Superficial análise do 1º trimestre no Brasil
As notícias no campo da economia não páram de alertar: turbulências na economia norte-americana, superávit comercial chinês para com o Brasil, crescimento do PIB real no início do ano de menos de 3,5%, reforma da previdência a
Publicado 07/06/2006 21:49
Crescimento comparado e investimentos
O crescimento de 3,4% do PIB no primeiro semestre deste ano com relação ao mesmo período no ano anterior, demonstra que algo que vai além das pesquisas de opinião favoráveis ao nosso campo político. Demonstra os limites de um modelo que só no Brasil enquanto economia continental, encontra resguardo. Basta compararmos com a China (10,1%), Índia (9,3%), Coréia (6,2%), México (5,5%), Polônia (5,2%), Singapura e Rússia (4,6%). Isso sem falar de países como Argentina, Venezuela e Cuba que cresceram a patamares acima de 7,5%.
Na comparação de potenciais de todo tipo é que fica evidente esta tendência interna: segundo economistas ligados à ABIMAQ (Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos) com a capacidade produtiva instalada atualmente, o Brasil com o dólar oscilando entre R$ 2,80 e 2,90 poderia alcançar patamares de crescimento de até 6% neste ano, tendo em vista que a atual política monetária é fator de aumento de capacidade produtiva instalada e não utilizada. A título de exemplo, ao mesmo tempo em que a Companhia Vale do Rio Doce (CVRD) veicula propagandas patrióticas na TV a mesma compra máquinas no exterior que muito bem poderiam ser fabricadas aqui no Brasil.
Outro fator sintético do limite de um modelo voltado para o alimento do setor financeiro em nosso país é o da porcentagem do PIB direcionado aos investimentos. Nosso país no primeiro trimestre também não conseguiu passar dos 19% sendo que a Coréia alcançou o índice de 50% e a China 45,6%.
Falta de efeitos multiplicadores
A atual política monetária levada a cabo pelo governo tem uma característica central: por mais que haja formação bruta de capital intensivo (FBCI), pouco se observa a nível de efeitos multiplicadores na economia, ou seja a capacidade de a partir de uma cadeia produtiva X, multiplicar seus efeitos em cadeias produtivas Y ou Z. A título de exemplo fica a expansão do metrô de São Paulo, as ferrovias Transnordestina e Norte-Sul (ambas obras não avançam mais do que 10 km. ao ano) que apesar de gerar empregos no âmbito de suas construções, não são capazes de gerar efeitos multiplicadores na cadeia produtiva nacional como um todo, pois todos os seus componentes (trilhos, vagões, locomotivas, etc.) são importados.
A revista Transporte Atual (www.cnt.org.br) traz matéria de capa onde faz alusão à verdadeira revolução (aumento de investimentos privados no setor e conseqüente expansão de malha) no transporte ferroviário brasileiro nos últimos 15 anos, sem atentar minimamente ao fato do verdadeiro dumping sobre o nosso mercado interno de produtos fabricados no exterior. Uma memória histórica mais aguçada nos levaria ao fato de o Brasil ter construído o metrô mais moderno do mundo (São Paulo) com todos equipamentos fabricados no Brasil. Enfim, num linguajar político “mais nosso” poderíamos muito dizer que o que houve foi uma verdadeira contra-revolução expressada na substituição de oligopólios nacionais por estrangeiros a partir da década de 90.
Isso é apenas expressão de que apesar o consumo das famílias no Brasil ter aumentado 6% no primeiro trimestre do presente ano, os investimentos em insumos para construção civil ter tido aumento de 6,6%, o volume de crédito ter projeções de aumento de 12% para este ano, o governo ter tido uma política ativa de aumento de salário mínimo, o BNDES injetar bilhões de reais na economia entre outros fatores indutores internos, fica evidente que no conjunto global dos investimentos sobre o PIB, o efeito destas medidas são mínimos, pois falta uma política clara de substituição de importações e o atual patamar do câmbio é fator de transformação de crédito à classe média em oportunidade de gastos no exterior, conforme sempre alertou Celso Furtado e a realidade vai confirmando.
A anatomia do macaco, a política econômica e o “pavor de fora”
O governo Lula avançou e muito no que diz respeito à planificação do comércio exterior, que nas palavras do maior de nossos economistas, Ignácio Rangel, significa equacionar a chamada “face externa da Questão Nacional”. Mas, numa análise de conjunto, em outro nível de abstração, faltou algo, ou o essencial: a planificação do comércio exterior como parte de um projeto nacional de desenvolvimento, casado com políticas intencionais de desenvolvimento. Voltarei a questão da política externa.
Não se pode negar que houve grandes redirecionamentos No âmbito de órgãos como o BNDES, os bancos estatais e empresas estatais como a Petrobrás, aliada com uma agressiva de nosso Ministério das Relações Exteriores.
Mas como colocou muito bem Marx, “a anatomia do macaco se entende a partir da anatomia do homem”, ou seja, “o que está acima ilumina o que abaixo”, vagando das ciências biológicas para as ciências sociais aplicadas, mais precisamente a economia, isto quer dizer que os fundamentos da política monetária ilumina, e no caso em tela, praticamente esteriliza redirecionamentos em outras áreas. Isto quer dizer que por mais que tenha havido incentivos no sentido de se elaborar políticas industriais, tais políticas acabam que por cair por terra, na medida em que o chamado “guarda-chuva institucional” não funciona.
Trata-se de mero exercício ideológico separar a questão cambial de políticas industriais, pois câmbio favorável e política industrial são nas palavras de Schumpeter (ao se referir aos ciclos longos ou de Kondratieff) como amígdalas inseparáveis. Ainda mais ideológica é a afirmação da relação entre transformações institucionais e pouso de capitais produtivos estrangeiros, quando na verdade (e os casos chinês e indiano comprovam), capitais produtivos estrangeiros procuram locais que ofereçam condições de ampliação da eficácia marginal do capital sob a forma D-M-D` e não em portfólios de tipo carteira de ações (em rasas palavras: procuram países que crescem e não o contrário), conforme tenho atestado em conversas particulares com a economista e pesquisadora do IPEA Luciana Acioly, que doutorou-se pela UNICAMP tendo pesquisado as diferentes formas de inserção internacional do Brasil, da China e da Índia.
Outra prova disso é o temor dos mercados ante uma alta da taxa de juros nos EUA, sendo que num contexto deste tipo onde a alta dos juros nos EUA é resposta para um aumento de inflação interno, os produtos fabricados fora dos EUA, porém importados aos EUA, ganham relevância pelo baixo custo e conseqüente papel no controle inflacionário no âmbito doméstico do imperialismo.
Planificação do comércio exterior em xeque e a China
Muito oportuno retornar a questão da planificação do comércio exterior relembrando que apesar do Itamaraty “fazer nuvem, é incapaz de fazer chover”. Trata-se de mais uma alusão à chamada “anatomia do macaco” de Marx.
O primeiro trimestre foi marcado por crises no âmbito do Mercosul e de inversão de sinais em nosso comércio exterior com a China. Justamente as duas grandes expressões de nossa política externa.
Como materialistas históricos devemos buscar na história, inclusive recente de experiências de integração regional que foram além das palavras, retóricas e propagandas para ações concretas de integração como o do caso verificado tanto no NAFTA que se espraiou pela América Central (Plano Puebla), quanto da recente integração do Sudeste Asiático tendo a China como centro. Em ambos os casos o país indutor mantém déficits comerciais com seus vizinhos e aceleram investimentos de bilhões de dólares na integração territorial. No caso chinês em que convive-se com Estados desenvolvimentistas, houve – apesar do desvio verificado em terceiros mercados de produtos coreanos e taiwaneses por produtos chineses – crescentes induções de industrialização por parte da China a seus vizinhos expressadas em déficits comerciais planejados, inclusive com outra potência regional, a Índia. É fácil se perceber nos casos asiáticos casamentos de projetos nacionais de desenvolvimento em que o país mais interessado cede em simplesmente todos os pontos.
Logo – e poucos tem observado esta tendência – a crise que a integração sul-americana enfrenta é justamente a crise de financiamento de projetos que vive nosso país. Nossas opções em política monetária não são condizentes com uma política que contemple exportação de capitais brasileiros para nossos vizinhos, com uma política adequada de ligação infra-estrutural séria. E não é admissível manter superávits comerciais com vizinhos paupérrimos. Os Tratados de Livre-Comércio (TLC`s) são a resposta do imperialismo à ação de nossa política externa, que nossa opção em política monetária impede “bancar” o que propagandeamos.
A troca de sinais com a China é a marca do limite existente entre nossa política econômica e nossa política externa. Nos três primeiros meses do ano, acumulamos pela primeira vez na história déficits em nossa balança comercial com a China. O déficit foi exatamente de US$ 90 milhões.
O mais significativos é que 56% deste déficit comercial foi pela compra de eletrodomésticos, justamente o setor em que competíamos com a Argentina no âmbito da América do Sul. E cerca de 61% de nossas exportações à China foram de soja e minério de ferro. A tendência é que as culpas deste déficit seja jogado nas costas dos próprios chineses e logicamente de nossa chancelaria, o que é um verdadeiro absurdo.
Há cerca de 3.700 anos atrás com o lançamento das bases de uma divisão social do trabalho e consequentemente do mercado em seu território, os chineses fazem comércio, primeiro em âmbito nacional e depois na escala internacional. Portanto não estamos lidando com “apredizes de feiticeiro” na arte de fazer negócios. Outra ilusão seria acreditarmos que o anúncio de uma “parceria estratégica” seria suficiente para as portas do mercado chinês se abrirem para nós. Do outro lado, a assertiva é verdadeira: os chineses com seu projeto nacional voltado para entre outras coisas varrer a concorrência internacional, é uma ameaça à economias desmontadas como o do Brasil. Portanto, relações comerciais e de parceria política com os chineses só seria minimamente possível como um “casamento de projeto” (p. ex. China e Índia) que de nosso lado norteado por um projeto nacional, teríamos condições de planejar o que importamos daquele país, como por exemplo máquinas para ulterior substituição de importações.
É idealismo puro achar que um país com CC-5, câmbio flutuante, um Banco Central ultra-liberal, que vive em função de pagamento de juros, etc, poderíamos ter uma parceria comercial e política duradoura com os chineses. É puro exercício de voluntarismo e de retórica, fruto do fato de se “acreditar que as vontades de cada um estão acima das leis da natureza”.
A solução pela política
Seria exercício de diletantismo e de liberalismo fazer uma nálise – por mais superficial que seja ou pareça ser – deixando de lado a análise da conjuntura politica que vivemos hoje. Desta forma,com o quadro eleitoral colocado, não cabem grandes dúvidas sobre em qual campo pode se assentar a alternativa de mudança. Trata-se do campo do presidente Lula, não outro. Por que?
Porque com todos os limites verificados, no seio deste governo foi aberta uma nova fase na discussão – anteriormente sepultada – em torno de um novo projeto nacional. A cientificidade da idéia de “acúmulo de forças” foi expressa na nomeação de Guido Mantega para o cargo de Ministro da Fazenda, quando os mercados presionavam por Murilo Portugal, além da seguida nomeação de Júlio Sérgio de Almeida para a Secretaria de Política Econômica, fatos inconcebíveis em outro governo.
Agora, infelizmente o Banco Central continua dando as cartas e o crescimento econômico do primeiro trimestre é a prova numeral disto. É preciso e urgente que as forças que nucleiam o presidente Lula, não proponham e sim exijam uma nova forma de fazer política econômica, demonstrando que o alcance da política cambial na tão sonhada inclusão social de nosso presidente é muitas vezes maior que alguns bilhões de reais investidos na bem-vinda Bolsa Família. Isso sem falar da necessidade de se tomar de forma séria grandes obras de infra-estrutura e não a desmoralização de se ver grandes ferrovias (já citadas) andando, apesar de inaugurações cheias de pompa, a 10 km. de trilhos por ano.
È momento de se dar a mesma importância que se dá para as alianças, de ve ser dada a um programa de mudança, afinal a política é a economia feita por outros meios, da mesma forma como a guerra é a política feita por meios especiais.
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