“Pragmatismo”, veneno insidioso na luta de classes – parte III
Na primeira parte do nosso estudo sobre o Pragmatismo, examinamos o seu “empirismo” simplório, que sustenta que o único que podemos conhecer são nossas próprias sensações, fornecidas pela experiência. Para os “pragmáticos”, o conhecimento não corresponde a uma pretensa “realidade objetiva”, sobre a qual nada podemos dizer. As abstrações, os conceitos, as teorias, são meras “criações” da mente humana, “crenças” úteis para a ação.
Publicado 15/02/2016 10:33
São “verdadeiras” na medida em que são eficazes e proporcionam vantagem ao indivíduo. Na segunda parte do nosso ensaio, estudamos o seu relativismo moral – o correto, o bom, o moral, é aquilo que traz proveito para o indivíduo. Em seguida, estudamos o pragmatismo jurídico, que nega a existência de princípios e normas jurídicas – historicamente construídas – e delega a juízes e tribunais de classe a decisão sobre o “justo”, segundo sua “utilidade para a sociedade” (isto é, a sua utilidade para a classe dominante). Por fim, analisamos o pragmatismo social e político, mera apologia da democracia liberal norte-americana e do capitalismo imperialista. Nessa terceira e última parte do nosso estudo do Pragmatismo, abordaremos as suas manifestações mais diretas na luta de classes.
A subestimação da teoria e o "praticismo rasteiro"
Na medida em que o Pragmatismo nega qualquer correspondência das idéias e das teorias com a realidade objetiva e faz da experiência a única forma de conhecimento, ignorando a capacidade do intelecto humano – a partir da generalização, da abstração e do raciocínio – de chegar à essência das coisas e às leis que regem os processos –, é óbvio que ele desvaloriza completamente a “teoria” e faz da “prática” um fetiche.
Mesmo compreendendo que a “prática” é o ponto de partida de todo o conhecimento e o único “critério de verdade” (comprovação) desse conhecimento –, o marxismo não cai no “empirismo”. Em seu ensaio filosófico Sobre a Prática, Mao Tse Tung expõe isso de forma pedagógica:
“No processo da prática, o homem não vê ao início mais que as aparências, os aspectos isolados e as conexões externas das coisas. (…) Esta etapa do conhecimento denomina-se etapa sensorial e é a etapa das sensações e impressões. Nessa etapa o homem não chega ainda a formar conceitos (…) nem a tirar conclusões lógicas. À medida que continua a prática social, as coisas que no curso da prática suscitam no homem sensações e impressões, se apresentam uma e outras vezes. Então, se produz no seu cérebro uma mudança repentina (um salto) no processo do conhecimento e surgem os conceitos. Os conceitos já não constituem reflexos das aparências das coisas, de seus aspectos isolados e de suas conexões externas, senão que captam as coisas na sua essência, em seu conjunto e em suas conexões internas. (…) Esta etapa, dos conceitos, juízos e raciocínios, é (…) a etapa do conhecimento racional. A sensação só resolve o problema das aparências; unicamente a teoria pode resolver o problema da essência. (…) Pensar que o conhecimento pode ficar na etapa inferior, sensorial (…) significa cair no empirismo (…) Os práticos vulgares (…) respeitam a experiência, mas desprezam a teoria e (…) carecem (…) de uma perspectiva de longo alcance, contentando-se com seus êxitos parciais e com fragmentos da verdade.” (MAO TSE TUNG. Cinco tesis filosóficas. Beijing: Ediciones en lenguas extranjeras, 1985, pp. 4-14)
Infelizmente, ao introjetar essas concepções pragmáticas, muitos lutadores sociais desprezam a “teoria” – vista como algo “abstrato” e supérfluo, para o que não dispõem de tempo – e caem no mais rasteiro “praticismo”, carentes de uma visão estratégica da luta. Incapazes de enxergar além dos aspectos fenomênicos, aparentes, secundários e fugazes da realidade, não alcançam penetrar na essência dos processos históricos nem captar as leis que os regem. Sua ação limita-se às demandas imediatas e pontuais. Seu ativismo “praticista” leva-os a uma ação fragmentada, estritamente sindical, juvenil, feminista, racial, comunitária, ecológica ou parlamentar, desligada de um projeto estratégico.
Não por acaso, Richard Rorty – “guru” do Pragmatismo atual – investe com tanto ódio contra a “Teoria”:
“Essa preferência por específicos compromissos concretos em prejuízo de amplas sínteses teóricas concordaria com a perspectiva pragmática de Dewey de que a teoria tem de ser encorajada somente quando é passível de facilitar a prática. (…) Teremos de conseguir passar por cima da esperança por algo que venha a ser o sucessor da teoria marxista, uma teoria geral da opressão que fornecerá um divisor de águas que nos levará a derrubar simultaneamente a injustiça econômica, racial e de gênero. Teremos de abandonar a idéia de ‘ideologia’(…) o fim do leninismo nos livrará, com sorte, da expectativa de qualquer coisa como socialismo científico, qualquer fonte similar de prognóstico teoricamente fundamentado. (…) teremos de arrancar de nosso vocabulário termos como ‘capitalismo’, ‘cultura burguesa’ (e até ‘socialismo’) (…) Não podemos mais usar o termo ‘capitalismo’ para indicar (…) a ‘fonte de toda injustiça contemporânea’ (…) como a Grande Coisa Má que explica a maior parte da miséria humana contemporânea. (…) o Welfare State capitalista é o melhor que podemos esperar.” (RORTY, Richard. Pragmatismo e política. São Paulo: Martins, 2005, pp. 99; 70; 66-67; 61-62; 48)
Evidentemente, a justa crítica à “subestimação da teoria” e ao “praticismo” não deve nos levar ao erro oposto do “teoricismo” e do “doutrinarismo”, desligados da vida e da luta, ou ao desprezo da “prática”, fonte de todo conhecimento (direto ou indireto) e critério de verdade. Pois, parafraseando Marx, não basta interpretar o mundo, é preciso transformá-lo.
“Imediatismo e possibilismo"- Renúncia ao futuro
O “imediatismo” manifesta-se na ação que busca obter vantagens imediatas, sem levar em conta as conseqüências futuras. O “pragmático” procura tirar proveito de cada oportunidade momentânea, sem preocupar-se com um projeto de longo prazo. Preocupa-se em apresentar resultados a curto-prazo – que atendam as demandas do “hoje”, da próxima eleição, da próxima campanha salarial ou luta reivindicativa – mesmo que à custa do futuro. Com horizontes limitados – por não priorizar um projeto estratégico – tende ao “seguidismo” e à linha do “menor esforço”.
Os “imediatistas” subordinam sua ação à chamada “opinião pública” e ao “senso comum” – que nada mais são do que a ideologia da classe dominante – e navegam ao “sabor dos ventos”. Fogem – como o “diabo da cruz” – das “bolas divididas”, das polêmicas difíceis, das batalhas “encardidas”. Evitam “nadar contra a corrente”. Seu critério de “verdade”, da “justeza do atuar”, são o êxito e o proveito imediatos.
Ao contrário “os comunistas combatem pelos interesses imediatos da classe operária, mas ao mesmo tempo defendem e representam, no movimento atual, o futuro do movimento.” (MARX, K e ENGELS, F. Obras Escolhidas, Vol. 1. São Paulo: Editora Alfa-Ômega, s/data, p. 46). Pois, o “nosso esforço atual visa ao grande objetivo do futuro e se perdermos de vista este grande objetivo não mais seremos comunistas.” (MAO TSE TUNG. Obras Escolhidas, Vol. 1. Rio de Janeiro: Editorial Vitória, 1961, p. 268)
Berstein – pai do “socialismo reformista” – fundamenta sem meias palavras o abandono do objetivo final socialista, em troca de “conquistas palpáveis e imediatas”:
“(…) escrevi a sentença que diz que o movimento significa tudo para mim e que aquilo que usualmente se chama ‘objetivo final do socialismo’ nada representa; e é nesse mesmo sentido que hoje a escrevo de novo. (…) Nunca tive um excessivo interesse no futuro, para além de princípios gerais (…). Os meus pensamentos e esforços estão preocupados com os deveres do presente e do futuro próximo e só me ocupo com as perspectivas mais longínquas na medida em que me possam fornecer uma linha de conduta para a ação adequada agora. (…) Para mim o que geralmente se chama fins últimos do socialismo é nada, mas o movimento é tudo (…) um fim último é aqui considerado como sendo dispensável para os objetivos práticos (…) demonstrei muito pouco interesse pelos fins últimos”. (BERSTEIN, Eduard. Socialismo Evolucionário. Rio de Janeiro: ZAHAR Editores, 1964, pp. 13; 158)
O “possibilismo” – conceito surgido no seio do movimento socialista francês do século XIX, defendido por Benoît Malon, Paul Brousse e outros – é uma variante ainda mais pérfida do “imediatismo”, que propõe que a luta deve dar-se apenas no terreno do “possível”, entendido como aquilo que está ao nosso alcance, em cada momento. No mesmo diapasão, refuga qualquer combate em que não haja certeza de vitória. Isso significa nunca desafiar o status quo vigente e abdicar de qualquer transformação revolucionária.
O “possibilismo” é o oposto da “audácia revolucionária” – que não se confunde com o “aventureirismo”, nem com o desprezo pelo exame da correlação de forças –, sem a qual nenhuma transformação revolucionária é possível. Como afirmou Marx, “a história universal seria na verdade muito fácil de fazer-se se a luta fosse empreendida apenas em condições nas quais as possibilidades fossem infalivelmente favoráveis”. (MARX, Karl. O 18 Brumário e Cartas a Kugelman. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1977, p. 293).
Sem dúvida, nenhuma revolução socialista – na Rússia, China, Vietnam, Coreia ou Cuba, entre outras – teria ocorrido sem uma enorme “audácia revolucionária”, devido às dificílimas circunstâncias em que se deram. Da mesma forma, as epopéias da Coluna Prestes e da Guerrilha do Araguaia nunca teriam sido empreendidas.
O “possibilismo”, além de ser o mais estreito reformismo, significa a renúncia à revolução.
“Taticismo- o descolamento da estratégia
Todos nós sabemos da importância da “tática” e da grande amplitude que nela se necessita para fazer avançar a luta revolucionária nas condições mais adversas.
Porém, para os marxistas, a tática é parte da estratégia, à qual se subordina e à qual deve servir. A tática não trata da luta na sua totalidade, de seus objetivos últimos em cada etapa do processo revolucionário, o que é a tarefa da “estratégia”. Sua atenção está voltada para os diferentes episódios e embates parciais que têm lugar no processo global de luta. Usando uma terminologia militar, se a estratégia tem por objetivo vencer a guerra, à tática cabe determinar os caminhos, os meios, as formas e os métodos da luta em cada combate concreto. Por isso, as ações e os resultados táticos precisam ser avaliados não em si mesmos, não do ponto de vista dos seus efeitos imediatos, e sim em relação aos objetivos e às possibilidades estratégicas.
Como nos ensina Renato Rabelo:
“Do ponto de vista comunista (…), a política é justa quando a tática não se desliga da estratégia, quando a tática está em harmonia com o objetivo maior, estratégico. O sentido estratégico, a razão de ser do Partido Comunista, é superar os marcos da sociedade capitalista. (…) nossa tática é o meio de alcançar esse objetivo. (…) a tática se subordina à estratégia.” (RABELO, Renato. Idéias e Rumos. São Paulo: Editora Anita, 2009, p. 263)
Em muitas situações, as vitórias táticas contribuem para a realização das tarefas e dos objetivos estratégicos. Em outras circunstâncias os êxitos táticos – por mais brilhantes que sejam –, na medida em que não correspondem às possibilidades estratégicas, comprometem o conjunto da luta. Por fim, em certas situações é necessário abrir mão do êxito tático e aceitar conscientemente os reveses e as derrotas táticas, com o objetivo de obter vitórias estratégicas (e inclusive táticas) no futuro. Um exemplo clássico é a firme postura bolchevique contra a participação na 1ª Guerra Mundial – em um momento em que o sentimento “patriótico” russo estava exacerbado –, o que causou um momentâneo isolamento dos comunistas (insucesso tático), logo revertido pela adesão das amplas massas à luta bolchevique para terminar com a guerra e realizar a Revolução de Outubro (êxito estratégico). Da mesma forma, a assinatura da Paz de Brest Litovsk pela Rússia Soviética – cedendo territórios à Alemanha e pagando-lhe pesadas indenizações (derrota tática) – foi essencial para afiançar o poder proletário, consolidar a revolução e recuperar posteriormente esses territórios (vitória estratégica).
Lenin, em seu brilhante estudo da Comuna de Paris, afirma:
“Marx sabia apreciar, também, que na história há momentos em que a luta desesperada das massas, inclusive em defesa de uma causa condenada ao fracasso, é indispensável com o objetivo de que essas massas sigam aprendendo e preparando-se para a luta seguinte.(…) ‘Os canalhas burgueses de Versalhes – escreve Marx – puseram os parisienses diante de uma alternativa: aceitar o desafio ou entregar-se sem luta. A desmoralização da classe operária, nesse último caso, teria sido uma desgraça muito maior que o perecimento de qualquer número de líderes’.” (LENIN. La Comuna de Paris. Moscou: Editorial Progreso, 1982, pp. 20-21)
Assim, a tática não deve subordinar-se aos interesses parciais ou momentâneos, nem pode basear-se unicamente em uma análise dos efeitos políticos imediatos. Precisa ser elaborada tendo em vista as tarefas e as possibilidades da estratégia, visando o futuro do movimento.
O “taticismo” é exatamente a autonomização da tática e o seu “descolamento” da estratégia, à qual deveria servir. Em conseqüência, rebaixa a luta ao nível dos interesses parciais, momentâneos ou corporativos, que passam a falar mais alto que o objetivo estratégico da transformação socialista.
Os “pragmáticos” – para quem o único critério de “verdade” é o êxito em cada ação concreta –, são incapazes de “renúncias táticas” para assegurar vitórias estratégicas no futuro. Da mesma forma, nunca nadam “contra a corrente”, pois isso pode significar derrotas táticas provisórias, Já “os marxistas sabem sofrer os ‘fracassos’, aparentes e passageiros, e proclamar – para o maior bem da prática – a verdade científica. (…) O pragmatismo, ao contrário, está sempre do lado para onde os ventos sopram; não busca, assim, senão o êxito imediato.” (POLITZER, Georges. Princípios Fundamentais de Filosofia. São Paulo: HEMUS, s/data, p. 161).
E Mao Tse Tung nos afirma:
“Nas lutas sociais, as forças que representam a classe avançada às vezes sofrem revezes; mas isso não se deve a que suas idéias sejam incorretas, senão a que, na correlação de forças em luta as forças avançadas não são momentaneamente tão poderosas como as reacionárias. Portanto, fracassam temporariamente, mas hão de triunfar, mais cedo ou mais tarde.” (MAO TSE TUNG. Textos escogidos. Ciudad de México: Partido del Trabajo, 2015, p. 529)
O pragmatismo político eleitoral
John Dewey – em um texto de 1939 – deixa claro qual é para o “pragmatismo” a grande questão em jogo: “a idéia de que a moralidade deve ser (…) o supremo regulador dos deveres sociais, já não é tão amplamente alimentada como dantes. (…) no momento o candidato favorito, ideológico e psicológico, ao controle da atividade humana é o amor ao poder.” (DEWEY, John. Aplicações da Liberdade Humana. In: EDMAN, Irwin. John Dewey. Rio de Janeiro: Fundo de Cultura, 1960, pp. 262-264).
Ou seja, a questão principal é a busca do Poder político em cada Estado e a conquista do Poder Mundial. Dentro da visão pragmática, a política, a luta pelo poder, são “justas”, “corretas”, “verdadeiras”, se forem capazes de levar à vitória, de alcançar o êxito. Esse objetivo deverá ser atingido a qualquer custo!
Na medida em que, nas ditas “democracias ocidentais”, a disputa pelo Poder se dá – em condições normais – através de processos eleitorais, a conquista do voto do eleitor será meta. Para alcançá-la, os diferentes partidos – com honrosas exceções – se curvarão ao “senso comum”, à chamada “opinião pública”, que nada mais é do que a ideologia dominante: “Os pensamentos da classe dominante são também, em todas as épocas, os pensamentos dominantes, ou seja, a classe que tem o poder material dominante numa dada sociedade é também a potência dominante espiritual.”
(MARX e ENGELS. A Ideologia Alemã – Vol. 1. Lisboa – Ed. Presença; Brasil – Martins Fontes: pp. 55-56). E João Amazonas complementa: “A burguesia não apenas detém o predomínio de sua ideologia, como domina os instrumentos de divulgação e defesa dessa ideologia.” (AMAZONAS, João. Os Desafios do Socialismo no Século XXI. São Paulo: Editora Anita, 1999, p. 68).
Assim, a chamada “opinião pública é, na verdade, construída e reforçada cotidianamente pelos meios de comunicação, dominados, quase que integralmente, pelo capital monopolista.
E o “pragmatismo eleitoral” se expressará, então, através de uma política orientada fundamentalmente pelas pesquisas de opinião – quantitativas e qualitativas – e pelos marketeiros, que se especializam em “adestrar” os candidatos para que digam aquilo que o eleitor “quer ouvir” ou se predispõe a acreditar.
Para os “pragmáticos”, as eleições nunca serão um espaço privilegiado para um grande confronto de idéias, onde as distintas classes ou camadas sociais apresentam suas propostas e disputam a preferência do eleitorado. Aqui, a performance (desempenho, principalmente visual) do candidato é mais importante que o conteúdo de suas idéias e propostas.
Referindo-se a isso, o sociólogo argentino Atílio Boron, em instigante texto, afirma:
“Uma descoberta decisiva (…) se produziu a partir do primeiro debate televisado, em 1960, entre John F. Kennedy e Richard Nixon. Este era o candidato oficialista, que até esse momento liderava as preferências. Porém, na eleição foi derrotado por uma estreita margem (aproximadamente 1%).
O que foi que descobriram os investigadores? Que quem escutou o debate pela radio afirmava que o vencedor havia sido Nixon, mas quem assistiu o debate pela TV, inclinou-se majoritariamente por JFK. A radio transmitia uma mensagem, a voz; a TV, a voz e a imagem, e esta resultou ser decisiva, porque Nixon saiu-se mal na televisão, aparecendo descuidado, com uma barba incipiente e suando, o que contrastava desfavoravelmente com o bom aspecto e juventude do seu adversário.
Refletindo sobre a ‘sociedade tele-dirigida, o politólogo italiano Giovanni Sartori escreveu (…): ‘Na televisão o fato de ver prevalece sobre o fato de falar. Em conseqüência, o telespectador é mais um animal vidente que um animal simbólico. Para ele as coisas representadas em imagens contam e pesam mais que as coisas ditas em palavras. E isso é uma mudança radical de direção, porque enquanto a capacidade simbólica distancia o homo sapiens do animal, o fato de ver o aproxima de suas capacidades ancestrais, ao gênero a que pertence à espécie do homo sapiens.’ Em outras palavras, a televisão nos faz retroceder na escala animal (…) produzindo um progressivo menosprezo de nossas faculdades de simbolização em favor das mais elementares de visualização.” (BORON, Atilio. Los medios y la batalla por la democracia en América Latina.
CIESPAL, Quito, 2015)
Assim, são desenvolvidas campanhas eleitorais cada vez mais parecidas e “pasteurizadas”, onde os temas tratados são aqueles impostos pelas pesquisas de opinião e de antemão conhecidos – como saúde, educação, segurança, corrupção –, onde os candidatos só diferem pela maior ou menor engenhosidade com que prometem resolver os problemas.
As questões estruturais e de fundo deixam de comparecer, submergidas nas aparências e nas conveniências. Os temas polêmicos e capazes de confrontar a ideologia dominante são deixados de lado e exorcisados, pois podem prejudicar a eleição. É dada preferência a candidaturas “redondas”, “sem arestas”, que abordem temas consensuais, distinguindo-se unicamente por alguma “proposta de efeito”. A forma prevalece sobre o conteúdo. O único que interessa é a conquista do maior número de postos eletivos, não importando se para isso as campanhas reforçam a ideologia burguesa dominante.
As inevitáveis e necessárias alianças eleitorais tornam ainda mais difícil evitar o “taticismo eleitoral”, e a perda de referências estratégicas e revolucionárias nos processos eleitorais.
Mesmo setores de esquerda se “rendem” à lógica “pragmática”. Passam-se os anos e – apesar de importantes avanços eleitorais do campo popular e democrático – constata-se “com espanto” o fortalecimento da ideologia e da hegemonia burguesa na sociedade. Fica evidente que o “pragmatismo político” não proporciona uma efetiva acumulação revolucionária de forças, contribuindo, ao contrário, para reforçar a hegemonia burguesa e afiançar a atual sociedade de classes.
Significa essa crítica ao “pragmatismo eleitoral” que negamos a necessidade de pesquisas de opinião, que nos informem acerca do estado de ânimo e das opiniões predominantes nas massas? Ou de nos apoiarmos em especialistas em política eleitoral, que dominem as modernas técnicas de comunicação e a psicologia das massas? Evidentemente que não.
Mas significa que o comando deve ser da “política” e não da “técnica”. Que o “conteúdo” tem de prevalecer sobre a “forma”. Que as propostas imediatas precisam estar articuladas com nossas bandeiras estratégicas. Que não podemos criar ilusões nas massas de que os seus problemas de fundo podem ser resolvidos sem profundas mudanças sociais. Que o socialismo é o nosso grande objetivo e como tal tem de ser propagandeado. Pois, “nunca, em nenhum momento, esse Partido se descuida de despertar nos operários uma consciência clara e nítida do violento antagonismo que existe entre a burguesia e o proletariado (…) Os comunistas não rebaixam a dissimular suas opiniões e seus fins.” (MARX, K e ENGELS, F. Obras Escolhidas, Vol. 1. São Paulo: Editora Alfa-Ômega, s/data, p. 46-47)
Conclusão
Não devemos subestimar a perniciosidade da filosofia pragmática, apesar de seu pequeno valor no “mercado de idéias” da Academia. Ela é a filosofia do “senso comum”, do homem que quer “ter vantagem em tudo”. Infiltra-se, insidiosa, em todos os poros da sociedade burguesa. Sequer os comunistas estamos imunes a ela.
Com propriedade, os diversos Congressos partidários têm alertado para os desvios “pragmáticos”, que se acentuam em tempos de defensiva estratégica:
“Nas condições de relativa defensiva do movimento operário e de intensa institucionalização da atividade política, crescem as tendências ao pragmatismo, que pode levar ao oportunismo, tanto pela direita quanto pela esquerda. Distanciando-se do debate teórico sobre os objetivos estratégicos (…) o militante começa a construir um projeto próprio, fruto de anseios pessoais, abandonando o projeto coletivo, às vezes aderindo a outros que lhe dão mais vantagens. (…) A rendição ao pragmatismo é o caminho para a liquidação da unidade do Partido e o rebaixamento do seu objetivo estratégico” (PCdoB. Documentos e Resoluções – 11º Congresso. São Paulo: Editora Anita, 2006, pp. 101; 29)
Tema que também foi tratado por nosso 12º Congresso, que chamou a atenção para os riscos do “pragmatismo, produto da luta política no nível atual, que leva a perder de vista objetivos fundamentais em prol do imediato, à pressão pela autonomização de grupos de interesse no interior do Partido, à perda de referenciais estratégicos na atuação no seio das instituições vigentes, à burocratização.” (PCdoB. Documentos e Resoluções – 12º Congresso. São Paulo: Editora Anita, 2010, p. 131)
Evidentemente, não temos a pretensão de haver esgotado o tema do “pragmatismo” nesses três breves artigos. Esperamos, porém, ter despertado uma maior preocupação em relação a ele e em relação à necessidade da valorização do estudo teórico em todos os campos do conhecimento.