Política monetária em 2023

A partir do primeiro dia de janeiro de 2023, o novo governante vai encontrar uma diretoria do BC composta e nomeada pela dupla Bolsonaro & Guedes

Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

Ao longo de sua desastrosa e criminosa passagem pela Presidência da República, Jair Messias Bolsonaro vem colecionando uma série impressionante de atos e decisões que podem comprometer de forma assustadora o futuro de nosso País. Para além de suas intervenções deliberadas para promover a destruição do Estado e o desmonte das políticas públicas, ele se orgulha de ter levado em frente propostas como a continuidade da reforma trabalhista redutora de direitos dos assalariados e o aprofundamento extremado das propostas de austericídio, que foram introduzidas pela Emenda Constitucional do teto de gastos – a EC nº 95.

Mas o cara parece cada vez mais tomado pelo receio de perder as eleições para Lula em outubro e com isso ter de começar o ano que vem já sem o porto seguro do foro privilegiado. Isso significa que ele terá de passar boa parte do resto de sua vida tentando se defender na Justiça dos inúmeros processos que serão liberados para julgamento sem as prerrogativas da imunidade prevista na nossa legislação. São acusações de todo tipo que correm nos tribunais aqui dentro do País, além dos processos já correndo nas cortes internacionais por crimes contra a Humanidade.

Esse medo de enfrentar os ambientes judiciais como réu, com elevada probabilidade de condenação, provavelmente está na base dos inúmeros decretos que ele mesmo assinou impondo sigilo de 100 anos sobre atos envolvendo sua atuação à frente da Presidência da República. Assim foi feito com a proibição da divulgação de suas reuniões com os pastores suspeitos de atos de corrupção no caso do MEC. Assim foi feito com o processo de ex Ministro da Saúde, General Pazuello, que participou de manifestação partidária a favor de Bolsonaro, infringindo as normas legais das Forças Armadas. Ou ainda ao se negar a oferecer informações sobre a participação de seus filhos em eventos comprometedores realizados no interior do Palácio do Planalto. O mesmo aconteceu quando veio à tona a polêmica respeito de seu cartão de vacinação, no auge da polêmica sobre a postura negacionista do chefe de governo. E também o bloqueio secular de informações a respeito da matrícula de sua filha na Escola Militar de Brasília sem que a garota tivesse de enfrentar a concorrida seleção para ingressar naquela instituição de ensino.

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Bolsonaro acuado promove destruição.

Mas a herança maldita de seu governo vai se manifestar também no âmbito da política monetária e dos instrumentos de regulação e fiscalização do sistema financeiro. Em fevereiro do ano passado, o governo estimulou e apoiou a aprovação pelo Congresso Nacional da Lei Complementar nº 179, que trata da independência do Banco Central (BC). Tratava-se de um pleito antigo das elites do financismo tupiniquim, que pretendiam colocar na letra da lei toda a estratégia de apropriação desse importante órgão regulador público para a defesa de seus interesses privados. Para esse pessoal, não bastava a leitura histórica de que os banqueiros sempre estiveram muito representados na direção do BC. Eles querem o pacote completo, com controle assegurado para sempre.

O texto retira do Presidente da República o poder de nomear os responsáveis do Banco, um direito legítimo e apoiado pelo mandato a ele conferido pela maioria da população no pleito. Assim, a partir da vigência da nova lei, os nove diretores recebem um mandato fixo, com a duração de quatro anos. A medida se apoia em um discurso falacioso de que a instituição não deveria estar submetida a pressões de natureza política, com a intenção de preservar a sua suposta neutralidade técnica. Ora, a economia política não é uma ciência exata. Muito pelo contrário, trata-se de um campo do conhecimento que se aproxima bastante das ciências humanas.

Não existe apenas uma única solução ou apenas um diagnóstico para analisar o fenômeno econômico. Os modelos econométricos obtusos, aos quais os conservadores recorrem para justificar suas opções no campo da ortodoxia, não são os únicos a oferecerem as alternativas de política econômica a cada conjuntura. Os diretores do BC, portanto, estão permanentemente sujeitos a pressões em suas tomadas de decisão. A questão é saber se tais pressões são as do poderoso lobby das finanças ou a legítima vontade política do Chefe do Executivo e da maioria da sociedade.

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Pois a realidade concreta é que a partir do primeiro dia de janeiro de 2023, o novo governante vai encontrar uma diretoria do BC composta e nomeada pela dupla Bolsonaro & Guedes. Caso Lula venha ser confirmado pela vontade da maioria do eleitorado, tal como apontam as pesquisas de opinião, ele não poderá fazer nada a esse respeito. Terá de esperar até março para indicar ao Senado Federal dois nomes, mas convivendo ainda com os demais sete já fazendo parte do colegiado. Em 2024 poderá indicar outros dois nomes. E só terá maioria dos indicados a partir de janeiro de 2024.

Copom capturado: Selic nas alturas.

É importante lembrar que os diretores do Banco cumprem uma missão fundamental como responsáveis pelas funções de regulação e fiscalização do sistema financeiro. No entanto, há décadas que nunca se preocuparam, de fato, em defender os interesses daqueles setores que são os mais prejudicados na relação com os bancos e instituições similares. Ao invés de impedirem práticas abusivas de juros altos, de tarifas exorbitantes e de spreads elevados, os dirigentes do BC fazem cara de paisagem e seguem a vida, contribuindo para “naturalizar” essas distorções escandalosas no relacionamento entre os bancos e seus clientes.

Porém, além disso, a institucionalidade da área financeira prevê a atribuição da responsabilidade pela política monetária ao Comitê de Política Monetária (COPOM). Cabe a esse colegiado a definição do patamar da taxa referencial de juros do governo, a SELIC. Ocorre que o Comitê é composto exatamente pelos mesmos integrantes da diretoria do BC. Assim, o próximo Presidente da República vai ser obrigado a começar o seu governo dependendo das vontades e dos desejos de Paulo Guedes no que se refere às diretrizes de política monetária. Uma loucura!

O calendário oficial prevê ainda mais quatro encontros do COPOM ao longo de 2022, sendo a última reunião em 6 e 7 de dezembro. Como a periodicidade estabelece um intervalo de 45 dias entre cada encontro, o primeiro do novo governo deverá ser realizado na última semana de janeiro. Imaginemos o quadro de uma nova equipe na área econômica e o chefe do governo anunciando um plano de retomada do crescimento das atividades de forma geral, com estímulos de vários tipos à geração de emprego e ao aumento da oferta de bens e serviços. Dentro desse contexto, parece óbvio que a taxa referencial de juros se reveste de importância fundamental para a viabilização de tal estratégia. Trata-se de uma sinalização essencial para os agentes econômicos de que o País estaria entrando em uma nova fase, onde a busca do desenvolvimento se sobrepõe ao cumprimento irresponsável dos ajustes austericidas do passado.

Mas como fazer esse movimento se à frente da política monetária ainda permanecerem as mesmas pessoas que são as responsáveis pelo atual estado de calamidade que atravessa o Brasil? Vale recordar que essa mesma composição do BC e do COPOM deliberou por aumentar a SELIC de 2% em março de 2021 para os atuais 13,25%. Ou seja, um aumento de quase 600% na principal referência do custo financeiro em um intervalo de apenas 15 meses.

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Esse deverá ser apenas um desafio a mais, dentre os inúmeros reptos colocados para um provável terceiro mandato de Lula. A questão é crucial, pois ou bem ele convence a maioria da atual direção do BC a pedir demissão ou então precisa convencê-los a se alinhar a uma abordagem mais heterodoxa no estabelecimento da política monetária a partir de 2023. A realidade é que os agentes do financismo não devem entregar os pontos assim tão facilmente. Deverão prosseguir com seu comportamento anti-povo e anti- nacional, sem nenhuma preocupação com o futuro de um país desenvolvido e com menos desigualdades sociais e econômicas.

Para tanto, é bem capaz que transformarão essa disputa pela orientação da política monetária em um cavalo de batalha, utilizando de sua nefasta influência junto aos atuais integrantes do COPOM para promover chantagens contra o futuro governo desde o seu início. Afinal, Lula terá dificuldades para promover a superação do atual quadro de austeridade recessiva e para implementar um programa desenvolvimentista caso a taxa Selic permaneça em patamares que dificultem tais caminhos.

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