Pode acreditar! – Participação Regina
Regina: Conversava com meu amigo Oxi, do DNA MCs, sobre agendas de campanhas (…) Quando veio à tona um assunto inesgotável. Afinal, o que nós, "adultos" queremos dizer quando nos referimos ao trabalho da juventude? Ou melhor, quem é a…
Publicado 27/09/2009 11:46
Mano Oxi: Pode Acreditar Regina. Eu chego aos 29 anos de idade contrariando as estatísticas, e com uma opinião cada vez mais crítica e aguçada dos atuais acontecimentos. Eu não vejo a fita dominada como gostaria, tá ligada?
Regina: … muito se fala em que a juventude deve cavar seu próprio espaço, contando, naturalmente, com as benesses de quem lhe abrir caminhos. E novamente recriamos o mito de que devemos nós, os já estabelecidos, ensinar-lhes o be-a-bá que sofridamente aprendemos. Certo, experiências se transmitem mas de lado a lado: Troca-se experiências. O aprendizado é bi-lateral.
Mano Oxi: É isso mesmo! Eu por exemplo, vejo os horrores da guerra do oriente pela televisão e acompanho atentamente com toda a legitimidade. Afinal, também passei por uma guerra, que aqui no Brasil a mídia teima em reproduzir que é a guerra do tráfico(…). Não vê, quem não quer parceira. Mas não podemos esquecer que quem mostrou para todo o Brasil o que nós já sabiamos há tempos foi um rapper da cultura hip-hop e não um PHD do mundo acadêmico.
Regina: As vezes não consideramos que de maio de 68 a meados de 2006 tudo mudou. A juventude contestadora de hoje não é mais majoritariamente universitária, branca, de esquerda, politizada e rebelde. Nem estamos na França. No Brasil saímos da ditadura para uma democracia regida pelo capital. Podemos até não comer, mas podemos falar. Muito da nossa juventude morreu, foi presa, ficou seqüela lutando pelo fim da ditadura militar. Cumpriu seu papel de contestação, dizem alguns. Lutou por um mundo melhor, penso eu. Muito de nós continuamos na luta. Nosso movimento sindical hoje é majoritariamente formado por pessoas da minha geração. E vemos uma imensa parcela da juventude auto-excluída da luta, com uma desilusão social digna da ideologia neoliberal.
Mano Oxi: Nós jovens, sobreviventes das periferias, somos campeões em protagonismos, dos piores índices que os principais órgãos do País e do mundo pesquisa. Seja a ONU ou seja o IBGE. Vivemos e crescemos num outro planeta, o da fome e da covardia, o planeta onde a justiça literalmente é cega, muda e surda para a maior parte das pessoas que o habitam.
Regina: Neste sentido o aparecimento de um movimento de hip-hop no Brasil traz impacto porque contesta tudo o que a esquerda convencional conhecia. A linguagem é diferente, o método é diferente, a cor é diferente. Afinal, neste país, miséria tem cor, tem idade. A cada 10 pessoas abaixo da linha da pobreza, 8 são negros, 6 são mulheres. Naturalmente, os métodos têm de ser outros o enfoque é outro, o protagonismo mudou.
Mano Oxi: Um dia, nasce uma consciência, e alguma coisa muda. A gente começa a ver outra saída, fora de tudo o que querem que sejamos. Na real, faz bem pra uns alimentar a cultura do medo, da paranóia, da discriminação. Isto dá lucro. Éh! Começamos a entender o tal "protagonismo".
Regina: Para quem conhece o sofrido mundo dos autores de ato infracional, a linguagem hip-hop não é estranha. Acorda-se e dorme-se dentro da FASEs e FEBEMs do Brasil ouvindo Racionais. E quem lhes escuta as longas letras, e já passou por qualquer uma das milhares de vilas ou favelas encontra aí incríveis semelhanças. Tudo tem a ver: "Vinte e sete anos, contrariando a estatística" diz Mano Brown. Morre-se imensamente mais cedo hoje. Minha geração tornou-se adulta embalada por caetano, Vandré, Chico. Para amenizar um pouco de realidade, Pink Floyd, maconha, Cio da terra e Palhoça. Hoje até a droga é outra.
Mano Oxi: Deixamos de lado o canela seca, a pistola 09mm, a doze cano serrado. E passamos a pegar numa arma que é muito mais poderosa, "o livro". A partir daí passamos a respeitar a ciência e usá-la a favor do povo que sofre com todas as mazelas sociais possíveis. A dúvida que aparece é: Será que dá pra mudar essa realidade? Eu acredito que sim! Mas o discurso do mundo intelectual tem que acontecer na pratica.
Regina: Em tempos de pós-modernismos, nada de sonhos e desvaneios. As drogas do novo século não se prestam ao devaneio, prestam-se à violência e ao falso poder. Não dão fome, tiram a fome. Não são socializadas, são individuais. A saída, hoje, nos diz a mídia, é individual.
Mano Oxi: A única coisa que nós que temos origem no gueto, que somos cria dos morros e das periferias queremos é que de fato a palavra “Protagonismo juvenil” aconteça e que a tão sonhada oportunidade exista mesmo.
Regina: Contava eu, finalizando, ter escrito um belo e longo texto sobre a juventude, iniciado com: "Mas é você que ama o passado e que não vê, que o novo sempre vence." Belchior. Cacete! Quem desta geração, que vive na favela, que não consegue chegar perto do mercado formal de trabalho, que foi expulso das salas de aula pelo frio, pela fome e por uma política educacional arcaica. Quem destes conhece Belckior? Deletei na hora. A juventude sabe melhor do que eu buscar susas canções.
Mano Oxi: Historicamente estamos em desvantagem, mas nossas letras de rap estão registrando tudo pra que nada passe despercebido no futuro. Literatura marginal e contemporânea, é desse jeito que queremos protagonizar. A geração do hip-hop não quer seguir o exemplo dos malandros mais velhos que invadiam bancos. Queremos é invadir as faculdades, morô? Queremos o que é nosso por direito, queremos cidadania. Somos brasileiros, queremos nosso Brasil de todos, pra todos, queremos paz.
Regina: Qual é meu papel afinal?
Que me ensine quem sabe. A única certeza que tenho hoje é que a juventude não precisa de ajuda. Só precisa que ninguém atrapalhe.
Mano Oxi: Salve a todos os sofredores deste imenso planeta da fome e me despeço da forma que melhor sei me comunicar com o rap, ritmo e poesia!
Regina Abrahão é secretaria de políticas sociais da CUT – RS