Planejando uma nova Indústria

Reindustrialização é chave para competitividade e desenvolvimento: políticas orientadas por missões visam modernizar setores estratégicos no Brasil.

Foto: Canva/Indústria

É quase um consenso a preocupação com a queda significativa da indústria nacional e de sua participação na formação do PIB. Em pouco mais de 20 anos reduziu-se à metade. Não é novidade que nossa base industrial, muito assentada em pequenas e médias empresas familiares, não se modernizou no ritmo mundial, o que fez com que a produtividade relativa a outros países decaísse e nossa competitividade diminuísse, em muito, no setor de transformação industrial.

Essas constatações levaram a uma preocupação crescente, o que fez com que o grupo responsável pela transição governamental para o atual governo desse um enfoque especial à questão.

Falava-se de desindustrialização e como isso afetava o processo de desenvolvimento. Como isso afetava o emprego de qualidade e a busca de salários melhores. Como isso tinha forte impacto nos demais setores da economia, diminuindo em muito sua possibilidade de inserção em mercados nacionais e internacionais.

Era preciso reindustrializar o País ou, como se diz mais recentemente, fazer uma neo-industrialização.

O problema era definir em que bases, em que planejamento isso se faria. Como seria concebido e como poderia ser implantada. Mais recentemente, por declarações do Ministro Vice Presidente, e de seus Secretários, isso fica mais claro. Uma base sólida, acredito, que tem um referencial teórico fundamentado.

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Mariana Mazzucato, em seu livro, “Mission Economy: a moon shot guide to change capitalism” de 2021, entre outros textos que produziu defende uma tese. Partindo da crise do capitalismo, da crise financeira de 2008, adensadas com as catástrofes ambientais e com a pandemia da COVID, tenta mostrar uma nova visão de planejamento. Defende que as políticas públicas tem que ter foco, tem que ser orientadas por prioridades que venham ao encontro dos objetivos do Estado. A isso chama de Missões. Aponta para uma economia orientada para missões, na qual os governos traçam objetivos e caminhos. Em suas palavras:

“Políticas orientadas por missões utilizam instrumentos financeiros e não financeiros para promover o cumprimento de uma missão através de esforços de diferentes setores, estabelecendo direções concretas para a economia, implantando a rede necessária entre os agentes públicos e privados relevantes”.

As declarações das autoridades observadas vão nessa direção. Uma nova indústria e sua modernização têm sido desenhadas. Sete áreas ou cadeias produtivas estratégicas foram escolhidas para ser a ênfase das políticas públicas setoriais. Cabe verificar que têm enorme impacto em toda a economia nacional.

Uma constatação relevante define a lógica de uma dessas áreas estratégicas. Nossa base industrial ainda tem forte presença de empresas familiares e de pequenas e médias. Estas não se modernizaram a contento. Grande parte continua na era do pré-fordismo, na época da hegemonia da metal mecânica, sem ter condições de avançar nas enormes transformações da era digital. Nesse sentido, se propõe que sejam elaboradas ações significativas para a transformação digital de nossas empresas, o que diminuiria em muito seu atraso e sua falta de competitividade.

Voltando às outras missões, o governo atual definiu como prioritário o enfrentar a grave crise social que vivemos. E nesse sentido áreas importantes devem fazer parte. Entre as prioridades, três estão fortemente atreladas.

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Uma delas, Moradia e Mobilidade sustentável para o bem-estar das grandes cidades é básica. Nosso déficit habitacional é enorme, nossos problemas de fluxo de mobilidade nas cidades de porte são patentes. É uma grande cadeia produtiva que vai desde os materiais de construção, novos equipamentos e instrumentos, novos materiais, passando pela empregabilidade de grande contingente de nossa população economicamente ativa ainda desempregada, e mesmo pelo repensar do planejamento urbano e de obras mitigadoras. 

Outra é mais que visível sua necessidade. O Complexo da Saúde inclui um muito variado perfil de empresas fabris em que a própria crise sanitária recente mostrou nossas deficiências.

As empresas fornecedoras de insumos, sejam plásticos, sejam metal mecânicos, ou outros, não têm escala condizente a custos adequados para suprir nossas necessidades. Nossa base de empresas de equipamentos é frágil e precisa em muito ser expandida. A modernização de nossos postos de atendimento passa por uma profunda digitalização com forte demanda para setor de informática e produtor de novos equipamentos automatizados. Para onde olhemos veremos uma demanda não atendida que pode ser suprida com incentivos públicos à ampliação de nosso parque fabril.

Um terceiro setor está ligado às cadeias agroindustriais sustentáveis e digitais para erradicar a fome. Fome que voltou com força nos últimos anos. O agronegócio é fortemente dependente do setor industrial. A metal mecânica, a indústria de implementos agrícolas e mesmo a indústria química têm dado a sustentação, mas precisam ser expandidas.  Existem, também, segmentos que podem em muito ser ampliados, como os dependentes da enorme cadeia do petróleo que não podem ser ignorados. O setor de fertilizantes, em que somos muito dependentes, apresenta forte possibilidade para crescimento do parque fabril no país.

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Se falarmos da agricultura familiar, fundamental para a produção de alimentos, é outro campo a ser bem apoiado. A busca de aumento de produtividade passa por sua modernização. Equipamentos, como os de irrigação, são básicos nessa direção. É fundamental que as empresas busquem a inovação como meio de se expandirem e permitirem melhor desempenho nacional. Conseqüentemente, com oferta maior de alimentos para a sociedade.

Dentre as missões escolhidas, uma chama a atenção, pode ser uma marca para o novo governo. A questão ambiental é fortemente enfocada. Não só nela, as outras também contemplam, mas importante ter uma específica.

 A viabilização da transição energética e da bioeconomia como meio de descarbonização da indústria, faz parte das prioridades. É um campo imenso que vem se estruturando e pode ser expandido. Novas energias, novos materiais, novos produtos para uma sociedade mais saudável e menos poluente. Um campo que pode apoiar a sociedade que queremos no médio prazo. E nele a indústria tem muito a contribuir, sem ela não se faz a transformação.

Nas missões escolhidas, uma parte de uma constatação. O custo Brasil, ou seja, a dificuldade que se tem de ter preços competitivos com uma infraestrutura sucateada de transporte e de obras de base. A integração produtiva e dos mercados passa por sua recuperação, o que exige indústrias de equipamentos pesados, de insumos oriundos do petróleo, entre outros, de uma química moderna e estruturada, enfim, a construção pesada não se faz sem ter uma indústria de base que lhe dê respaldo.

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Por fim, uma missão afeta à soberania nacional e defesa nacional. Todos sabem da forte demanda que o setor representa, da importância de se modernizar nossas bases de defesa para a autonomia do nosso país avançar. Um setor que no mundo todo tem sido relevante para apoiar o desenvolvimento dos países. Não se trata de uma visão menor, mas uma tendência mundial fundamental para o crescimento do país.

Pode-se discordar das estratégias priorizadas, pode-se não apoiar um ou outro setor escolhido, mas, sem dúvida, tem coerência com a proposta vitoriosa nas urnas, com o modelo de sociedade que se quer estruturar. E, nesse, a indústria competitiva e modernizada tem papel importantíssimo a desempenhar.

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