Pernambuco com zero lixões. E agora?
Os lixões não são um fenômeno que nasce e se encerra em si mesmo, são subproduto da nossa geração de resíduos, que cresce vertiginosamente.
Publicado 27/03/2023 14:15 | Editado 28/03/2023 10:06
Pernambuco zerou seus lixões. O fato foi atestado pela CPRH e anunciado à sociedade em coletiva à imprensa no último dia 20/03, resultado de trabalho realizado com afinco pela SEMAS PE, CPRH, MPPE e TCE-PE. Os lixões, contudo, não são um fenômeno que nasce e se encerra em si mesmo, são subproduto da nossa geração de resíduos, que cresce vertiginosamente. Segundo a ABRELPE, o Brasil saltará dos atuais 82 milhões de toneladas/ano de geração de resíduos (2021) para 100 milhões até 2030. Dados da ISWA (International Solid Waste Association) mostram que em 2016 a sociedade mundial produzia 2 bilhões de toneladas/ano de resíduos, e que em 2050 chegará a 3,4 bilhões. Pernambuco está, ainda, nesta dinâmica.
Nosso Estado gera hoje 4,4 milhões de toneladas/ano de resíduos sólidos urbanos (SINIR). São 12 mil toneladas/dia, e aumentando. A pior destinação final para este resíduo é o lixão, mas os aterros sanitários padrão, legal e ambientalmente aceitáveis hoje, são um paliativo que não se sustenta. A área para aterrar todo este resíduo é enorme e o serviço é caríssimo; os aterros ainda emitem muito gás de efeito estufa; os resíduos aterrados poderiam se converter em “matéria prima” para variados usos. Os aterros sanitários são uma espécie de “mineração invertida”, onde enterramos riquezas, pagando caro, enquanto na outra ponta estamos minerando a natureza, recursos não renováveis, emitindo mais gases de efeito estufa, para abastecer a geração de mais e mais resíduos.
Que fazer, então? No horizonte estratégico, erguer uma Economia Circular, regulamentando paralelamente o nosso mercado de Créditos de Carbono, deixando “tudo e todos” bem inventariados e buscando a neutralidade de carbono. No Brasil, os temas já estão em discussão no Congresso Nacional através do PL 1.874/22, que prevê a instituição de uma Política Nacional de Economia Circular, e do PL 528/21, que institui o Mercado Brasileiro de Redução de Emissões, e que deverão se somar a um excelente arcabouço normativo já existente, a Lei 12.305/2010, que instituiu a Política Nacional de Resíduos Sólidos, o Novo Marco Legal do Saneamento, Lei 14.026/2020, e outras Leis, Decretos e Acordos que definem com suficiente precisão a responsabilidade compartilhada de todos os atores envolvidos na questão. No âmbito estadual, deve-se atualizar o Plano Estadual de Resíduos Sólidos, cuja revisão está vencida. Avançar e qualificar estes marcos normativos é imprescindível e urgente, mas não resolve no curtíssimo prazo a destinação correta das “montanhas” de resíduos gerados diariamente no Estado. É preciso agir já, em várias frentes, para evitar o que ocorreu em Alagoas, que encerrou seus lixões em 2018, mas viu a situação retroceder pouco tempo depois. Sugiro aqui algumas medidas concretas.
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Recompor o ICMS Ecológico/verde em favor dos municípios, que foi reduzido no quesito gestão de resíduos de 2% para 1% a partir de 2019 (Lei 16.616/19), colocando como metas a partir de agora percentuais mínimos de coleta seletiva e triagem, e não mais a destinação a aterros, etapa vencida. O Novo Marco Legal do Saneamento (Lei 14.026/20) traz uma regulamentação específica para o financiamento do manejo de resíduos, e é outra medida que se implementada mudará o panorama do financiamento por parte dos municípios. Ainda sobre as prefeituras, recai sobre estas a responsabilidade primeira de absorver de forma devidamente remunerada, nos serviços de coleta seletiva e triagem, a força de trabalho das cooperativas de catadores, a face social mais cruel da problemática do encerramento dos lixões. Tudo isso esbarra ainda nas limitações de gestão das prefeituras, sendo necessário uma forte capacitação destas para acessar outras fontes de recursos públicos e privados e melhor gerenciar os recursos próprios.
Planejar e executar os PRADs (Planos de Recuperação de Áreas Degradadas) dos lixões encerrados. Registros da CPRH mostram que de todos municípios pernambucanos que possuíam lixão, apenas 14 (março/22) protocolaram seus Planos de Recuperação. Áreas não recuperadas continuam emitindo gases e chorume, atraindo pragas e vetores de doenças, e ficam disponíveis na memória e na visão da sociedade como opção para a ação de catadores ou mesmo de destinação de resíduos de particulares. Deixar esta tarefa pra cada município seria apostar no fracasso. Deve-se construir em âmbito estadual um Plano Estadual de Recuperação das Áreas de Lixões, com um modelo básico padrão, planejado e executado de forma a se ter ganho de escala.
Acelerar ao máximo o ritmo das obras de ampliação dos aterros sanitários de Salgueiro (Sertão Central), cuja licitação já foi publicada, e Escada (Mata Sul), cuja primeira parcela de convênio para a obra já foi liberada. Acelerar o licenciamento dos aterros nos municípios de Ouricuri (Sertão do Araripe), cuja área já foi definida, Itacuruba (Sertão de Itaparica) e Timbaúba ou Nazaré da Mata (Mata Norte), todos em regiões onde o problema das distâncias entre origem e destino final dos resíduos encarecem e inviabilizam a operação das prefeituras locais.
Antecipar a entrada em vigor do Decreto Estadual nº 54.222/22, que definiu as diretrizes para a implementação da Logística Reversa de Embalagens em Geral no Estado, com percentual mínimo de 22% de reciclagem obrigatória a ser comprovada pelas empresas que produzem ou comercializam itens que geram embalagens pós consumo em nosso Estado. O referido Decreto foi publicado com um prazo muito elástico para entrar em vigor: dois anos. O prazo pode e deve ser abreviado, para viabilizar o quanto antes a participação mais efetiva do segmento empresarial no financiamento da cadeia de reciclagem de resíduos no Estado, via mercado de crédito de reciclagem já bem regulamentado no Brasil.
Desenvolver uma política de gestão integrada dos recursos públicos e privados já instalados no Estado. Em apenas quatro aterros sanitários privados (Jaboatão, Igarassu, Caruaru e Petrolina) são gerados aproximadamente 30 MW/h de energia elétrica a partir do biogás aspirado das células dos aterros. Dois desses aterros possuem modernas e gigantescas Unidades de Triagem Mecanizada (UTMs), com capacidade para triar mais de 2,5 mil toneladas/dia de resíduos. Localiza-se em Pernambuco a única unidade industrial de reciclagem de vidro do Norte/Nordeste. Tem-se no interior das fronteiras do Estado e no seu entorno imediato, grandes compradores de matéria prima triada a partir dos resíduos (metais, plásticos e papel) e também de CDR (Combustível Derivado de Resíduo). Pernambuco se destaca ainda na reciclagem de resíduos especiais, como eletroeletrônicos e pneus, o primeiro batendo metas de reciclagem ano após ano, e o segundo com uma planta de reprocessamento no Cabo de Santo Agostinho que dá destinação final adequada a 22 toneladas/dia de pneus descartados. Possuímos no Estado pelo menos dois laboratórios de pesquisa que avançam na obtenção de tecnologias de ponta para recuperação de resíduos: a BERSO (Biorrefinaria de Resíduos Sólidos Orgânicos) e o LITPEG (Laboratório Integrado de Tecnologias em Petróleo, Gás e Biocombustíveis), ambos na UFPE. A gestão destes fatores no interesse público pode e deve ser perseguida por todos, mas quem orquestra é o Estado.
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Há outros fatores e desafios postos, como a problemática do “lixo” no mar, uma espécie de “lixão nômade”, que por suas singularidades tem projetos e soluções específicas sendo trabalhadas no Brasil e no mundo, e que precisam ser efetivadas de forma simultânea. De forma muito resumida, são estas as medidas que precisam ser tomadas e/ou não interrompidas hoje. Com genuíno espírito público, vontade política e disposição para o serviço, a gente chega lá.