Papagaios mediáticos

 

Uma das pequenas alegrias da árida Babilônia Paulistana são as barulhentas revoadas de periquitos em torno de certas árvores que os atraem. Que esses e outros psitacídeos de verdade, araras, papagaios e congêneres me perdoem por deles me servir em metáfora pejorativa. Os papagaios em particular estão acostumados à ingratidão do Homo dito sapiens. Além das cansativas "piadas de papagaio", eles comparecem nas expressões "papagaio de pirata" e "repetir como papagaio". Esta se aplica bem aos estafetas mediáticos neoliberais. Eles fingem que opinam, mas apenas repetem frases que ouviram do patrão e gravaram obedientes, chalreando literal e invariavelmente os mesmos desgastados chavões: para garantir um crescimento robusto e sustentável, o governo deve fazer a lição de casa, cortando os gastos públicos, reduzindo os impostos, respeitando a autonomia do Banco Central, criando um clima propício aos investidores. Os papagaios de verdade são mais divertidos. O dono diz "-Fala louro". Eles respondem: "-Currupaco, paco".
 

Na frente ideológica, o conteúdo da papagaíce, em vez de trivial como no economês liberalóide, compõe-se principalmente de mistificações (também made in USA): globalization, democracy, human rights, international community etc. Não há um desses termos que não tenha sido manipulado pelos profissionais da intoxicação mediática, em cujas mãos comeram os incontáveis tolos e ingênuos (muitos deles "de esquerda") que festejaram a derrocada soviética de 1989-91, querendo crer que com o fim do "equilíbrio do terror" nuclear entre o arsenal bélico soviético e o do cartel da Otan, inaugurava-se uma era de paz universal, num mundo livre de fronteiras e de muros. Sancta Simplicitas! A imagem foi logo desmentida pela construção do "muro americano" na fronteira com o México, seguida pela do Muro do Apartheid na Palestina ocupada pelo facho-sionismo. Sem mais ter medo da "ameaça soviética", os valentões do Pentágono, encolhidos desde a vergonhosa debandada diante dos patriotas vietnamitas, recuperaram a audácia. Em dezembro de 1989, antes mesmo de que assentasse a poeira do muro de Berlim, G. Bush 1 ordenou covarde invasão do Panamá para derrubar e prender o presidente Noriega. Operação com pelo menos dois objetivos sórdidos: "queimar arquivo" (Noriega conhecia a fundo as torpezas da CIA, com a qual havia colaborado em fase anterior de sua carreira) e quebrar a espinha dorsal do Exército panamenho, ainda impregnado do espírito anti-imperialista que lhe legara o coronel Torrijos. Os invasores mataram alguns milhares de panamenhos e ocuparam o país até colocar no governo um de seus fâmulos locais. O estupro colonial foi noticiado com a habitual "compreensão" pela imprensa a soldo do capital. Logo em seguida, o cartel da OTAN, abusando criminosamente de sua condição de mais poderosa e virulenta máquina de guerra do planeta, invadiu o Iraque em 1991 e empreendeu a destruição da Iugoslávia, completada em 1999, já sob o governo de R. Clinton, pelo esmagamento da Sérvia sob uma chuva de mísseis. Depois, usando o pretexto do nunca bem esclarecido atentado dito das "Torres Gêmeas", despejou uma avalanche de chumbo, aço, urânio e fogo no Afeganistão e no Iraque. Sempre em nome da "democracy" e dos "human rights".
 

Esse mesmo Clinton, marido da harpia que hoje comanda o Pentágono, levou o descaramento a ponto de mandar bombardear o Iraque para distrair a opinião pública interna do escândalo suscitado pelo burlesco episódio linguístico em que se envolveu com uma pesquisadora da Casa Banca. Não por acaso, na periferia do imperialismo, quando a população ouve um gringo do Pentágono cacarejar "democracy, democracy", vai logo correndo se entocar, porque os mísseis costumam vir logo atrás. Em torno de 500 mil crianças morreram de fome no Iraque, antes da invasão e ocupação por tropas do império norte-americano, por conta do embargo econômico contra aquele país. Madeleine Albright, a sinistra megera secretária de Estado de Clinton, esclareceu que as 500 mil crianças eram "um preço que pagamos pela democracia". Não sei se Hitler disse algo mais sórdido.
 

Nada disso impressiona os papagaios de pirata da Casa Branca e do Pentágono, sempre obcecados em exorcizar o espectro da "hidra comunista". O dialético de araque da editoria do Frias que pegou carona na demissão de Orlando Silva para chalrear a ladainha anticomunista de sempre não foge à regra: "o PCdoB segue em sua saga de equívocos históricos. O partido, como se sabe, foi incapaz de romper com o stalinismo mesmo quando se demonstraram os crimes do ditador, em 1956. Seis anos depois, abraçou um segundo tirano, Mao Tsé-tung, quando este passou a atacar a desestalinização em curso na União Soviética". A Embaixada estadunidense (para a qual conhecidos periodistas do Estadão, da Globo News e da Folha prestam serviços de informante, como confirmou recentemente o WilkiLeaks) adora esse tipo de argumento. A diabolização de Mao Tsé-tung é hoje mais importante para a propaganda imperialista do que a de Stalin. Dirigente principal da longa e heroica marcha de libertação da imensa sociedade chinesa, primeiro grande passo para a emancipação dos povos da Ásia submetidos ao jugo colonial do "Ocidente" (Japão incluído), ele continua sendo um nome reverenciado na República Popular da China, cujo pujante desenvolvimento já desbancou meio milênio de supremacia econômica europeia e logo deixará para trás o já não tão hegemônico imperialismo estadunidense.
 

O currupaco prossegue: "Foi sob essa dupla inspiração (Stalin e Mao Tsé-tung), acrescida de delírios revolucionários, que o partido se embrenhou na aventura guerrilheira do Araguaia". Teria o solerte sicofanta esquecido de que naquele mesmo momento a Folha, a cuja equipe ele pertence, ajudava a Oban emprestando veículos de distribuição do jornal para facilitar a captura de militantes da resistência clandestina e conduzi-los à tortura? Sem dúvida, pau de arara, cadeira do dragão e métodos congêneres são muito eficientes contra "delírios revolucionários"… Na peroração, o folhógrafo fulmina: "Quando a China, enfim, começou a livrar-se do fardo maoísta, a partir de 1976, os comunistas do Brasil, preservando o culto a ditadores, esqueceram Pequim para cair nos braços de Enver Hoxha, líder stalinista da Albânia". Hoxha tinha defeitos, mas em seu tempo a Albânia não exportava prostitutas para a Europa rica, nem servia de base para a máfia, nem lambia a bota da Otan. Repitamos tantas vezes quanto for preciso: os comunistas do Brasil lutaram heroicamente contra os ditadores do Brasil, ao contrário da imprensa burguesa que encorajou o golpe de 1964. Quem preserva o culto a ditadores é a Folha, que sempre escreve "presidente" Costa e Silva, "presidente" Medici et caterva. Ditadores são aqueles a quem assim chama o Departamento de Estado de Washington.
 

Na grasnada final, o plumitivo tripudia: "Com o fim de Hoxha e do comunismo no mundo real, o PCdoB passou a viver de uma aliança predatória com o PT e da ocupação de entidades […]. Ou seja, num passo dialético final, trocou Stálin e o que restava de ideologia por migalhas de poder e um punhado de cargos e benesses." O louro do Frias podia ganhar uma viagem a Pequim para informar o governo local sobre o fim do comunismo no mundo real. Faria sucesso. Quanto ao resto, entendemos que preferiria ver a direita ocupando entidades: é o que lhe resta de ideologia…

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