Os mistérios do hímen
Em pleno século 21, exibir diálogos como o de 10.1.2007 da novela “Páginas da Vida” é um atentado contra os direitos sexuais.
Publicado 05/02/2007 18:20
Divergências sobre um mesmo tema desnudam a bem-vinda luta ideológica do novo contra o velho. É assim que caminha a humanidade. São paradigmáticas as seguintes opiniões emitidas na novela “Páginas da Vida”: “É melhor casar com a pessoa certa do que amar a errada” (Constança); e “Casamento não é futuro para mulher, Constança” (Tide).
Há inúmeras pessoas partidárias das duas afirmativas citadas e outras tantas contrárias. Eis um debate necessário sobre o amor e o papel da mulher contemporânea, abordado pela TV no cumprimento do instigante dever social de impulsionar o pensar.
Constança personifica idéias ultrapassadas, que relegam o amor a um papel irrelevante para a felicidade. Tide sabe que casamento não é mais emprego vitalício para as mulheres.
Preocupa uma TV formadora de opinião materializar a ressurreição de idéias patriarcais e vitorianas, pautando nefastos “modismos” conservadores, supostamente médicos, que resgatam a virgindade como sinônimo de honra.
Falo da “prescrição” de uma cirurgia fútil do ponto de vista médico, moralmente inútil para a cidadania, como a himenoplastia (reconstituição cirúrgica do hímen), como resposta à demanda fundamentalista de revalorização exacerbada da virgindade, como se a dignidade da mulher estivesse entre suas pernas e a sua honra na integridade himenal.
Um olhar histórico sobre a virgindade revela uma cultura terrorista eivada de preconceitos e tabus, como disse Simone de Beauvoir (1908-1986): “A virgem, ora temida, ora desejada pelos homens, parece ser a mais alta representação do mistério feminino”.
Guardar “virgindade” ou transar sem a obrigatoriedade de casar são opções de foro íntimo das mulheres na era dos direitos humanos e após o advento da “pílula” – que separou, definitivamente, as delícias dos prazeres da transa da obrigatoriedade de procriar e de casar.
Vivenciar esse novo padrão cultural é uma das grandes conquistas da humanidade contra a opressão e a demonização do prazer feminino – um ranço da era vitoriana que perdura: mulher séria não tem orgasmo. Gozar só é permitido às putas, cujo fetiche libertário é poderoso no imaginário de mulheres e de homens. Tanto que dificilmente, numa transa memorável, eles não nos chamem docemente de puta. É assim que é. Ou não valeu.
Em pleno século XXI, exibir diálogos como o de 10.1.2007 da novela “Páginas da Vida” é um atentado contra os direitos sexuais: (Verônica) “Quando completei dez anos de casada… ah, eu tinha vergonha de falar isso, mas agora não tenho mais…. Quando fiz dez anos de casada, fiquei virgem. De novo! A coisa mais simples. Pessoalmente, acho uma bobagem. Mas sabe como é cabeça de homem, né? Adoram ter a sensação de que são os primeiros. Coitados! Então fiz. Fui lá. Fiz. Nem fiquei no hospital. Fui para casa no mesmo dia. Novinha em folha… Que tal você fazer também?”
Dados da Sociedade Americana de Cirurgiões Plásticos: a himenoplastia é uma das mais solicitadas cirurgias nos últimos anos (governo Bush) e enche os bolsos dos cirurgiões. É resultado direto da Lei da Mordaça, da sacralização da virgindade e do estímulo à castidade.
“Páginas da Vida” lança uma moda conservadora ao preço de R$ 4.000,00 (quatro mil reais) referendando o patriarcado entronizado pela religião, a tradição e o capricho machistas – Verônica mimou o marido com uma virgindade de bisturi para simbolizar que ele era primeiro e único. Serpentário perde!
O hímen, uma reles membrana no intróito vaginal, não é “aquela” muralha de concreto que exige “arrombamento”, donde jorrará um mar vermelho de sangue.
Ele pode ter abertura anelar larga ou ser complacente – permitindo a penetração, dando a impressão que “já era” – e muitas mulheres nascem sem hímen.
Injustiças e crimes ainda são cometidos às custas da ignorância masculina sobre os tipos ou a ausência de hímen; e pela não primazia da “defloração” (ah, nome feio!) do cabaço (ah, nome horroroso!) das esposas. Que ridículo!