Os hipócritas não se cansam
(da série fascismo quotidiano)
Gastando muito dinheiro, tempo e espaço mediático, a FIESP, com o Conselho de Jovens Empreendedores, seu pujante ramo juvenil, à frente, juntou, no dia 16 de outubro último, 15 mil cansados (algo em torno de 0,1%
Publicado 08/12/2007 18:04
No caso, a dupla Zezé de Camargo e Luciano. Luciano, sincero, reconheceu que ''é hipocrisia falar que esse movimento não é contra o governo Lula''. Zezé, mais maneiro, disse que não, mesmo porque ''até aceita'' a prorrogação da CPMF ''se a alíquota for mais baixa e os recursos forem todos para a saúde''. Já um porta-voz da banda NX Zero, também convocada para abrilhantar a festa reacionária, mostrou certa dificuldade em justificar sua presença em linguagem compreensível: ''A gente está fazendo um negócio de uma coisa que eu não sei informar''. A falta que faz uma boa escola básica! Os dois jornalistas de quem extraí essas declarações concluem sua reportagem contando que ''o público gritava e aplaudia quando o locutor dizia o nome das bandas. Quando ele pedia um não para a CPMF, recebia apenas o silêncio'' (Folha de São Paulo de 17 out. 07). É compreensível. Os pobres raramente usam cheque.
O fiasco é evidente, mas como declarou o senhor Ronaldo Koloszuk, que além de presidente do Conselho de Jovens Empreendedores da Fiesp e da ''Frente Nacional da Nova Geração'', participa ainda do comando do Movimento Cívico pelo Direito dos Brasileiros, dito ''Cansei'', ''as coisas são feitas de tentativa e erro; se não deu certo o público, paciência: o importante é defender as causas''. O método mecânico da tentativa e erro é usado em laboratórios de etologia para condicionar reflexos em animais cativos. Se o experimento não dá certo, faz-se nova tentativa com outro animal, da mesma espécie ou de uma espécie diferente. Adepto do método experimental de agitação política, o senhor Koloszuk encara o erro com a tranqüilidade dos grandes cientistas. Se o público não dá certo, mudamos de público ou mudamos de estímulo condicionante. O problema, é que, na expressão crua do ex-governador Cláudio Lembo, que sabe bem de quem está falando, ''cansei'' é ''termo muito usado por dondocas enfadadas em algum momento das vidas enfadonhas que vivem''; o público que verdadeiramente integra o movimento dos cansados restringe-se a ''um pequeno segmento da elite branca''.
Quanto à causa em nome da qual o senhor Koloszuk efetuou, pelo método do ensaio e erro, a experimentação política de 16 de outubro, uma boa avaliação, até por trocar a mecânica pela dialética, é a de Ciro Gomes: ''CPMF é assunto de branco que não quer pagar imposto para que o povo perca o Bolsa-família''. Já o sr. Paulo Skaf, presidente da Fiesp e por isso mesmo adversário tenaz da CPMF, preferiu puxar a orelha do ministro Paulo Bernardo, que recorreu ao adágio ''pimenta no olho dos outros é refresco'' para explicar a má vontade da Fiesp em pagar prestações sociais: ''Estamos falando do interesse do país. É uma discussão muito séria para brincadeiras. A sociedade quer redução da carga, melhor gestão e melhor qualidade do serviço. O resto é fofocalhada'' (Folha de São Paulo de 3 nov. 07). Deixando de lado o linguajar vulgar do ricaço insolente, é ele que está brincando com as palavras ao fingir que tem um mandato para falar em nome da ''sociedade''. Esse termo, em sua mistificadora abrangência, inclui os que jantam no Fasano e os que dormem embaixo da ponte. É possível que a categoria dos plutocratas se sinta representada pelo homem da Fiesp, mas o fracasso do “Cansei” mostra que não basta mobilizar muito dinheiro para mobilizar muita gente.
Cansa muito a burguesia e os ruralistas o trabalho que dá sonegar impostos. São altos os custos dos poderosos escritórios de advocacia que arrecadam fortunas explicando aos ricaços a melhor maneira de driblar o fisco. Sem esquecer que o Brasil é um dos países onde não há imposto sobre as grandes fortunas. O senador Alberto Goldman, que como outros renegados do comunismo empenha-se, para apagar o passado, em ser mais pró-capital que os próprios capitalistas, proferiu, anos atrás, em defesa da laranjona Tranchesi, aliás Daslu, pega em flagrante delito de sonegação multimilionária, uma frase que tem lugar garantido nos anais do ridículo: ''Essa prisão pode gerar uma crise econômica. O empresário vai dizer: para que vou investir no Brasil se posso ser preso?''. Segundo o renegado Goldman, corrupção de grã-fino é defesa da economia nacional e impunidade garantida para os ricaços é regra de ouro do desenvolvimento.
A categoria social que mais razões tem de se queixar do fisco é a dos trabalhadores assalariados. Paga pesado imposto de renda de pessoa física, descontado na folha de pagamento. Não há jeitinho nenhum de escapar. Tanto assim que, na arrecadação total desse imposto, os salários proporcionam cerca de 70%; 20% vêm do trabalho não assalariado, mas os rendimentos do capital contribuem com menos de 10%, confirmando que o sistema tributário brasileiro cobra mais de quem tem menos e menos de quem tem mais. Há certamente uma forte correlação entre a insignificância da contribuição fiscal dos que vivem da exploração do trabalho e a alta taxa de sonegação, que atinge cerca de 50%, do montante a ser arrecadado. Imposto por imposto, a CPMF pode ter muitos defeitos, mas é muito mais difícil de sonegar, já que, em comum com o imposto de renda dos assalariados, é descontada automaticamente.
Não foi, porém a propósito de impostos que o ex-governador Lembo se referiu às dondocas enfadadas e a um pequeno segmento da elite branca e sim ao comentar outra experimentação montada pelo ''Cansei'' e pelo ''Cria'' (Cidadão, Responsável, Informado e Atuante) no domingo 29 de julho às oito e meia da manhã no Parque do Ibirapuera. A data foi bem escolhida. Doze dias antes, em 17 de julho, tinha ocorrido no aeroporto de Congonhas o terrível desastre do Airbus A320 da TAM, que transportava 176 passageiros. O avião derrapou na pista, atravessou uma avenida e se chocou contra um posto da Shell e um depósito de cargas da própria TAM, provocando um grande incêndio. Incluídos os trabalhadores desse depósito, os mortos foram mais de 200.
O traumatismo de perder para sempre alguém muito próximo, de um instante para outro, por força de um acidente evitável, provoca toda sorte de reações, que vão da depressão profunda à revolta e à cólera. Qualquer um que se diga solidário, numa hora dessas, é bem-vindo. O ''Cansei'' e o ''Cria'' não deixaram passar tão boa ocasião de cravar sua bandeira no sofrimento alheio. Convocaram uma manifestação para as 8 horas da manhã no Ibirapuera, seguida de uma passeata rumo aos escombros da catástrofe de Congonhas. A temperatura, de oito graus naquele final de julho, permitiu a boa parte dos poucos participantes (cerca de cem) envergar casacos, jaquetas e ''écharpes'' adquiridas nas melhores ''griffes'' d'aquém e d'além mar. Um trio elétrico, postado em frente ao Monumento às Bandeiras, protegido por guardas da polícia privada da empresa Santo Segurança e ostentando faixas pretas que clamavam ''Respeito'' (''Respeito pelas pessoas'' é um velho chavão eleitoral do Alquimim e da direita católica em geral) e ''Chega de Passividade'', anunciava o nome dos figurões e figuronas que iam chegando. Duas mil dessas “pessoas”, segundo um cálculo otimista, juntaram-se ao pelotão inicial para a caminhada até Congonhas. Número pateticamente insignificante em termos de nível de participação, mas compensado pelo altíssimo nível financeiro dos participantes dessa passeata cinco estrelas, entre os quais incluiu-se Regina Moraes, aliás Regininha, filha caçula do magnata Antônio Ermírio de Moraes. Papai talvez não tenha contado para a caçulinha que tem ganho fortunas com os preços extorsivos que o cartel do cimento arranca dos consumidores desse produto básico.
O objetivo estratégico do ''Cansei'' é sorrateiro, negado da boca para fora por seus porta-vozes e instigadores, mas nem por isso menos óbvio: colocar a responsabilidade e a culpa desta e de outras tragédias no governo Lula. São muitas as críticas que se podem fazer a esse governo, mas o que a direita quer mesmo, ao torpedear a CPMF, é retomar a ofensiva pelo “Estado mínimo” e entravar o “Bolsa Família”, que a despeito de seu caráter meramente assistencial, tirou da pior miséria grandes contingentes de nossos compatriotas.
As causas gerais da mortífera bagunça aérea (bem menos mortífera, entretanto do que a generalizada bagunça, ou bandalha, como dizem os cariocas, do trânsito terrestre), não explicam por si a fatídica derrapagem do Airbus A320. Quando ocorreu a tragédia de 17 de julho, mais de seiscentos aviões pousavam por dia em Congonhas. Análises tecnicamente sérias confirmaram graves falhas em seu dispositivo de aterrissagem, além de que o peso transportado estava perto do limite máximo autorizado.
Acusações falaciosas sempre encobrem os principais responsáveis, no caso, os grandes grupos capitalistas do transporte aéreo. Evidentemente, jamais ocorreria aos mentores do Cansei, tão obstinados contra a CPMF, buscar na voracidade neo-liberal para maximizar os lucros ao menos uma parte da responsabilidade pela tragédia de 17 de julho de 2007. No entanto, a própria TAM, há um ano atrás, comemorando seu trigésimo aniversário, anunciou pela voz do sr. Ruy Amparo, vice-presidente da empresa, em que espírito iria “reformular o interior dos aviões de toda sua frota”: “Agora o A319 comporta 144 passageiros e o A320, 174 passageiros''. A distância entre as poltronas ''foi reduzida em 3,7 centímetros para 77,5 cm. […]. Fizemos testes com diversos tamanhos de passageiros e acreditamos que o nível de conforto está adequado''. (fonte: O Estado de São Paulo, 15-8-2006, p.B16 ). Adequado para quem? Para sardinhas em lata, certamente. Graças ao sr. Amaro e consortes, o Airbus 320 passou de 168 a 174 assentos. A Gol (a maneira inteligente de ganhar dinheiro com que pega avião), também protagonista de mortífera catástrofe aérea, aumentou a lotação de seu Boeing 737 de 177 a 187. Tudo para nosso maior desconforto.
Cortando a CPMF, isso vai melhorar?