“O Trem Italiano da Felicidade”

Uma comovente história de superação e solidariedade, mostrando as cicatrizes da guerra, o amor materno e a esperança no futuro pelo olhar sensível de uma criança.

Foto: Netflix / Divulgação

Impossível não derramar lágrimas de enternecimento ao assistir ao filme “O Trem Italiano da Felicidade,” uma história real, baseado no livro  “Crianças da Guerra: A História Sobre o Trem Italiano da Felicidade”, de Viola Ardone. Ele aborda as mazelas deixadas pela Segunda Guerra Mundial no sul da Itália. A sensível película, dirigida por Cristina Comencini, narra de forma singular a realidade de crianças pobres transferidas do sul para o norte da Itália, este mais desenvolvido economicamente, com o intuito de salvá-las da fome e da miséria extrema. O destaque do Trem e o adjetivo “felicidade” dão-se em função de Amerigo Speranza, interpretado com delicadeza por Christian Cervone e mais uma centena de crianças embarcarem, sob a orientação e a solidariedade de integrantes do Partido Comunista Italiano para serem acolhidos, no norte do país, derrotado na II Guerra pelos Aliados.

Amerigo, protagonista da história, após chegar de trem ao destino, é adotado por Derna (Barbara Ronchi), inteligente, culta, carinhosa e militante ativa do PCI. O menino, de 8 anos, passa a frequentar a escola local e em certa ocasião sofre bullying dos alunos locais, que zombam dele por sua origem no sul italiano pobre. Ele corre triste para casa e Derna, vendo como aquilo baixou muito a autoestima de Amerigo, lembra-lhe, citando Gramsci, que algumas bolotas (frutos) de carvalho podem originar árvores enormes, mas que muitas delas virarão apenas comida para porcos. A relação muito díspare entre o sul e o norte da Itália foi exaustivamente tratada por Antonio Gramsci, quando analisou suas estruturas econômicas, sociais e de classes, atrasadas no sul e bem desenvolvidas no norte. Constatou o fundador do PCI que não apenas as fronteiras nacionais se distinguem do internacional, dentro de um mesmo Estado, mas que nele podem existir várias formas de desenvolvimento.

Assim, o filme inicia em Nápoles, no Sul, arrasada pela guerra, com cena que lembra o belíssimo “Novo Cinema Paradiso (resenha publicada em outubro de 2021 – https://encurtador.com.br/TFEx7), pois, no começo deste, também o protagonista Totó, adulto e bem sucedido na vida, recebe a notícia da morte de Alfredo, e volta para sua cidadezinha Giancaldo (sul da Itália). Da mesma forma Americo Benvenutti, já adulto e um maestro renomado, recebe a informação da morte da mãe biológica Antonieta Speranza (Serena Rossi), no momento em que ele se preparava para se apresentar no Teatro Dell’Opera di Roma. Ele retorna a Nápoles, e reencontra a casa humilde em que viveu com sua mãe. É esse evento que desencadeia a viagem e às memórias do protagonista, transportando-nos para sua infância de privações e refazendo em flash-back de toda a trajetória do protagonista em dois momentos de sua vida, trazendo emoções e melancolia e uma nova e melhor compreensão do tipo de amor devotado pela mãe biológica (uma mulher muito pobre, sem maior instrução ou cultura, brutalizada pela dura vida no bairro pobre de Nápoles).

A maior parte do tempo passa-se com Amerigo, uma criança de 8 anos, muito magra com seus olhos grandes e questionadores, e em dois momentos: em Nápoles, em situação de penúria, com sua mãe se desdobrando para colocar comida na mesa, e em uma pequena cidade do norte, Módena.  Nesta localidade, onde frequenta a escola e descobre seu talento para a música ao conhecer um artesão que fabrica violinos e o ensina nessa arte, que se mostra um menino dedicado e agradecido pelo acolhimento. A mãe adotiva, militante do partido comunista, aos poucos vai demonstrando o amor pelo menino e o estimula a continuar na arte da música.

Uma cena importante: em uma reunião das mulheres militantes comunistas, decidiu-se que uma delas faria um discurso em um ato na cidade. No entanto, Derna quando foi reivindicar esse espaço com um dos militantes do PCI, este não só proíbe a militante, ou qualquer outra camarada, de discursar na festa dos trabalhadores, como ainda lhe dá um tapa no rosto, evidenciando que no PCI dos partisans que derrotaram o nazifascismo de Mussolini ainda persistiam manifestações de machismo estrutural-cultural.

“O Trem Italiano da Felicidade” apresenta uma história única, singela, envolvente, repleta de memórias da infância e a exaltação não só dos amores maternos, como pela música, com destaque para o violino, com momentos tristes dos resquícios e cicatrizes deixadas pela guerra. A realidade de uma época e de um lugar gravados pelo sofrimento coletivo expõe feridas dificilmente apagadas ao longo do tempo. A atuação marcante de Amerigo e emocionante de suas duas mães, que, de forma diferenciada, demonstravam amor pelo filho e a solidariedade do PCI com seus conterrâneos do sul, ou seja, de cuidar da infância de seu país, suscita sentimentos de alegre reconforto e esperança. Esse filme, juntamente com o brasileiro “Ainda Estou Aqui”, já estão entre meus favoritos neste ano de 2024.

Ficha Técnica: Nome original do filme: “Il treno dei bambini” –  “O trem da felicidade”
Ano de Produção: 2024
Direção: Cristina Comencini
Estreia: 4 de Dezembro de 2024 (Brasil)
Duração:105 minutos
Gênero: Drama
Elenco: Stefano Accorsi, Francesco Di Leva, Barbara Ronchi, Christian Cervone,  Serena Rossi.
Disponível no serviço de streaming NetFlix  https://www.netflix.com/br/title/81685656

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