O retorno de Lula ao jogo e o abalo sísmico na política

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Foto: Ricardo Stuckert/Fotos Públicas

Após decisão de Edson Fachin, Ministro do STF, que devolveu ao ex-presidente Lula seus plenos direitos políticos, o petista provocou um verdadeiro frisson no país e mostrou para a classe política o tamanho do seu potencial eleitoral, que mesmo após anos de perseguição jurídica e midiática, se mantém decisivo para reorganizar a oposição ao governo Bolsonaro e se projetar para 2022.

Desde 2014, provavelmente, os ventos da política nacional não sopravam em outra direção que não fosse a radicalização do discurso neoliberal e anticomunista contra os governos democráticos e populares da esquerda brasileira.

Uma onda conservadora começou a surgir na eleição apertada palmo a palmo de Dilma Rousseff e se refletiu em um parlamento cada vez mais inclinado a direita. Setores do judiciário e do oligopólio midiático engrossaram o coro da burguesia nos ataques sistemáticos ao governo Dilma e aos partidos políticos de esquerda.

A operação Lava Jato, bem articulada por interesses do imperialismo estadunidense, reuniu jovens da elite do poder judiciário sedentos por poder e por fama, seduzidos pelo heroísmo voluntarista e por práticas tiranas. A brincadeira megalomaníaca da República de Curitiba provocou primeiro a quebra de diversos setores produtivos da economia com a perseguição implacável as empresas nacionais, em segundo lugar trouxe um esvaziamento político ao se desacreditar das instituições democráticas todos os dias em ataques midiáticos contra atores políticos e os seus partidos, em especial o ex-presidente Lula e o Partido dos Trabalhadores.

Esta conjuntura foi necessária para derrubar Dilma Rousseff em 2016, revogar a soberania nacional e impor um aprofundamento da agenda neoliberal. A coalizão que protagonizou o golpe em Dilma, liderada por Michel Temer, parecia navegar em céu de brigadeiro, sem contraponto eficiente no parlamento e muito menos nas ruas.

Aprovaram a reforma trabalhista, terceirização total e irrestrita além do Teto de Gastos, um desmonte do Estado e das políticas públicas garantidas na Constituição de 1988, pelo inescrupuloso período de 20 anos. Os direitos dos trabalhadores sofriam seus maiores retrocessos desde que foram implementados pela CLT de Getúlio Vargas.

Um indicativo que a correlação de forças estava desfavorável para a esquerda foram as eleições municipais de 2016, logo após a queda de Dilma e o início do governo Temer. Os partidos de esquerda diminuíram muito nas urnas perdendo prefeituras estratégicas, o desgaste do PT resultou em uma redução quase pela metade das prefeituras que o partido governava. Um cenário de recuo tático eleitoral de toda a esquerda. A onda conservadora criava volume e com a radicalização da violência política no impeachment, surgiam forças políticas com discursos antidemocráticos contra a política e as instituições.

Enquanto isso Lula continuava sofrendo denúncias e mais denúncias e processos no âmbito da operação Lava Jato, comandada pelo Procurador Deltan Dallagnol e o então juiz da 13ª Vara Federal em Curitiba, Sérgio Moro. Para destruírem o capital político do ex-presidente – que deixou o cargo com mais de 80% de aprovação e elegeu duas vezes a sua sucessora -, eram necessárias horas diárias de noticiário jorrando dinheiro por tubos da Petrobras com notícias das denúncias do Ministério Público contra Lula, como o petista bem lembrou em seu último discurso.

Em 2018, depois do desastroso governo Temer, as eleições nacionais seriam decisivas para o futuro dos direitos dos trabalhadores e para a democracia. O esvaziamento da política fez com que a onda conservadora e extremista tomasse um tamanho inimaginável, fazendo despontar bem colocado nas pesquisas o então deputado federal de extrema-direita Jair Bolsonaro.

O ex-presidente Lula era o nome da esquerda que aparecia melhor colocado nas pesquisas em 2018 e o PT tomou a decisão de lançar sua pré-candidatura. Lula foi preso na operação Lava Jato pela condenação no caso “Triplex”, uma aberração jurídica sem provas e sem nexo causal, em uma sentença pensada milimetricamente para tirá-lo da eleição.

A segunda parte do golpe da burguesia era tirar a chance que a esquerda tinha de eleger Lula Presidente da República, isto ameaçava a manutenção do Teto de Gastos, as privatizações em especial da Petrobras e a manutenção das reformas trabalhistas e sindicais, coisas inegociáveis para os liberais.

Com a debacle do centro e da direita liberal esvaziados pela crescente violência política usada contra a esquerda no golpe parlamentar-jurídico-midiático, o centro político do eleitorado mudava o eixo de gravidade de forma abrupta para a extrema-direita, onde discursos fascistas ecoavam sem medo de maneira cada vez mais forte no debate nacional.

Lula pelo tamanho de sua força política e eleitoral, mesmo estando preso injustamente e inelegível pela Lei da Ficha Limpa, conseguiu colocar uma aliança de pé com PT PCdoB PROS e PCO, com a chapa Fernando Haddad e Manuela D’ávilla, e obteve 29% dos votos no primeiro turno. Enquanto a direita e o centro foram engolidos pelo que já era um tsunami de extrema-direita que deu 47% dos votos a Jair Bolsonaro e elegeu a segunda maior bancada do parlamento no nanico PSL.

Jair Bolsonaro foi eleito no segundo turno em uma escolha muito difícil segundo alguns porta vozes da burguesia na figura da grande imprensa. A aliança entre o fascismo e a burguesia garantia a agenda começada por Temer, agora tocada pelo ultraliberal Ministro da Economia Paulo Guedes, que em sua primeira manifestação pública após a indicado ao cargo, falou que iria enterrar o modelo social-democrata.

Enquanto isso a derrota estratégica da esquerda impunha um isolamento político e um recuo ainda maior. Sem uma liderança que unificasse os partidos e movimentos sociais, as forças políticas dialogavam com setores restritos de suas bases na sociedade, e a falta de articulação dificultava que uma mensagem clara e objetiva em oposição ao governo fascista e a agenda ultraliberal, chegasse na maioria dos trabalhadores e da classe média que sofriam com as perdas de renda e da qualidade de vida.

Ainda trancado em uma cela da Polícia Federal em Curitiba, Lula recebia a solidariedade e a visita de atores políticos e da sociedade civil, nacional e internacional. A oposição a Bolsonaro enfraquecida sofria para reduzir os danos neoliberais no parlamento enquanto buscava articular frentes amplas contra avanços do fascismo nas instituições.

Lula saiu da cadeia para prisão domiciliar em novembro de 2019. Muito se criou de expectativas de um político que poderia reorganizar a oposição e a esquerda para massificar a luta dos trabalhadores contra o arrocho produzido por Paulo Guedes e Bolsonaro. Mas Lula ainda queria mais que a liberdade, queria a sua dignidade reestabelecida por anos de calúnias e infâmias jurídico-políticas que tinham objetivo somente de inviabilizá-lo eleitoralmente.

Vieram as reportagens do The Intercept Brasil, que ficaram conhecidas como Vaza Jato. Um hacker havia acessado um aplicativo de mensagens de Procuradores da operação lava-jato, e os diálogos encontrados e repassados aos jornalistas mostravam a tirania processual como modus operandi da República de Curitiba. Sérgio Moro era um tirano vaidoso.

A esta altura vale mencionar que o agora ex-juiz da operação que devastou a classe política, havia aceitado o convite do Presidente eleito de extrema-direita, para ocupar um Super Ministério de Justiça e Segurança Pública, coisa de herói mesmo, tipo Xerife da República Miliciana. Sérgio Moro tirou Lula da eleição a pedido da burguesia para aceitar ser um dos braços do fascismo. Na verdade, ele chocou o fascismo e o Estado de exceção no ninho da Lava Jato, depois foi se assumir fascista sem medo.

Sérgio Moro como Ministro da Justiça do Governo fascista montou uma operação para prender o hacker. A operação Spoofing prendeu um suspeito em Araraquara, os arquivos que foram apreendidos pela Polícia Federal foram enviados para perícia ao Supremo Tribunal Federal por conter informações de pessoas com foro especial.

Com as informações validadas pelo STF a defesa de Lula conseguiu usa-las como provas da inocência do ex-presidente e juntar os diálogos criminosos entre os procuradores da lava-jato, Moro e outras figuras do judiciário e da imprensa, nos habeas corpus já impetrados no STF.

A decisão do Ministro Edson Fachin, atendendo um pedido de habeas corpus da defesa do ex-presidente Lula, reconheceu que o juiz natural de Lula não seria Sérgio Moro, pois as acusações de supostos crimes denunciados pelo Ministério Público competiam a uma Vara Federal do Distrito Federal. Esta decisão anulou, portanto, todos os trâmites dos processos julgados pelo ex-juiz Sérgio Moro, o que devolveu para Lula imediatamente os seus direitos políticos.

Este fato mudou a perspectiva política quase que de maneira instantânea. A notícia de que Lula poderia concorrer às eleições de 2022, deixou a classe política em polvorosa, principalmente a oposição que carecia de uma unidade de ação e coordenação. O tal mercado ficou triste, a bolsa caiu e o dólar subiu. Era o risco Lula estampavam manchetes nos jornalões.

Um dia depois da decisão de Fachin, foi o Ministro Gilmar Mendes do STF que deixou o ex-juiz e agora ex-ministro Sergio Moro nu em praça pública. Ao julgar a suspeição de Moro em outro habeas corpus pedido pela defesa de Lula, Gilmar em seu voto disse que estávamos diante do maior escândalo judiciário de todos os tempos. A operação lava-jato praticou crimes inconfessáveis revelados pelos diálogos apreendidos e validados pela operação Spoofing.

Se a tsunami da extrema-direita chegou ao seu ápice na eleição do fascista Bolsonaro, o STF estava ali decretando o fim do Estado policialesco e da política fascista de setores do judiciário que destruíram a democracia brasileira. Lula em plenos direitos políticos é o abalo sísmico na política que chacoalhou Bolsonaro, o centro, a direita e mudou o jogo.

Lula seguro de sua responsabilidade histórica marcou uma entrevista coletiva para comentar sobre as decisões do STF que lhe afetaram. Fez um pronunciamento de pouco mais de uma hora e meia no sindicato dos metalúrgicos do ABC -seu berço político-, como verdadeiro estadista. Em primeiro lugar se sensibilizou pelas mais de 270 mil vítimas da pandemia do coronavírus no Brasil, número que só chegou a esse patamar graças a condução genocida do Governo Federal pelo Presidente da República. Saudou e agradeceu os heróis e heroínas do SUS na linha de frente do combate a pandemia.

O ex-presidente defendeu a ciência e as recomendações dos especialistas como medidas eficazes no combate a pandemia, isolamento social, máscara no rosto e vacina no braço. “Não sigam nenhuma recomendação de Bolsonaro e do Ministério da Saúde, usem máscara e se vacinem” disse Lula, um líder que sabe orientar o povo em direção a preservação da vida. Demarcou com o negacionismo genocida de Bolsonaro e seus apoiadores, prestando solidariedade a Governadores e Prefeitos que assumiram a responsabilidade de preservar vidas diante da omissão do Governo Federal.

O petista, em sua melhor forma, falou o que precisava ser dito em quase seis anos de pregação no deserto da esquerda, versou sobre temas como a carestia do povo trabalhador que não aguenta mais pagar os preços dos alimentos, sobre a destruição do estado e das políticas públicas de inclusão social, lamentou o ataque a soberania nacional, aos direitos dos trabalhadores, defendeu o legado de seu governo e de Dilma Rousseff, e acima de tudo, defendeu a democracia, a liberdade de imprensa e a liberdade política.

Como era de se esperar, Lula, agora na condição de possível candidato, fez acenos a forças políticas, a setores econômicos e da sociedade civil organizada, falou em união nacional e não se precipitou antecipando o debate eleitoral, disse que sua prioridade é somar forças para garantir a vacinação em massa dos brasileiros, reestabelecer o auxílio emergencial e garantir investimentos no SUS para superar a pandemia.

Tamanha envergadura de Lula fez até mesmo o Jornal Nacional se dedicar a uma reportagem reestabelecendo a verdade e quebrar os anos de silêncio sobre as alegações de Lula e seus advogados. Lula disse “ontem eu vi a verdade no Jornal Nacional e espero que essa seja a conduta daqui para frente”.

Lula movimentou as placas tectônicas da política e foi repercutido em seu discurso da direita a esquerda no espectro ideológico, com manifestações públicas de figuras inclusive do chamado centrão em seu favor. Reacendeu a esperança naqueles velhos corações desanimados e conquistou mais uma infinidade de mentes que estavam sem referências.

O discurso de Lula bateu forte em Bolsonaro, tanto que este se dedicou a responder as colocações do ex-presidente em gestos, apareceu usando máscara, defendeu a vacina e até ressuscitou o Zé Gotinha em versão miliciana. A desestabilização de Bolsonaro diz muito sobre a força de Lula. O fascista até então desfilava em praça pública passando o trator na oposição sem o menor constrangimento, as porradas da oposição de esquerda dividida e da oposição de direita liberal não faziam cócegas em Bolsonaro. A mudança de comportamento do líder da extrema-direita demonstra que existe um adversário capaz de lhe tirar do poder.

As eleições de 2022 ainda são uma miragem no horizonte, porém agora os ventos sopram em outra direção. A Lava Jato está completamente desmoralizada e o discurso antipolítica enfraquecido, Bolsonaro carrega um genocídio de centenas de milhares de brasileiros nas costas junto com uma severa recessão econômica. Lula de volta ao jogo mostra que ainda é um polo aglutinador de forças políticas, sociais, econômicas e está mais vivo do que nunca no debate nacional, com disposição de unificar o país para superar o pesadelo bolsonarista.

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