O que fazer na Área da Saúde?

A Saúde Suplementar é um gargalo que pode desembocar na desestruturação do próprio SUS.

Sucateado, o SUS não conseguiu acompanhar a modernização do setor. Foto: Rovena Rosa/Agência Brasil

Um jantar muito agradável. Comida do Leste Europeu e um bom vinho chileno. Acompanhados por casal de especialista na área da saúde. A preocupação surge: o que fazer para resgatar um segmento em crise, básico para uma sociedade que precisa se reerguer?

A afirmação é desnorteadora. Faz pensar no futuro da população brasileira. Pode haver um pouco, não muito, de exagero. Precisamos refletir: “O Sistema não agüenta mais cinco anos. Vai haver uma desestruturação total.”

Ao analisar a assistência à saúde no Brasil, grosso modo, duas sub-partes a compõe e têm fortes inter-relações entre si: SUS e Saúde Suplementar.

O Sistema Único de Saúde, com a regra irracional do Teto de Gastos, não pode acompanhar a dinâmica de modernização do setor, não houve investimentos, ao contrário, muitos equipamentos se encontram sucateados. É necessário um esforço muito grande para sua recuperação, para melhorar o atendimento e para atender a maioria da população carente do País. Infelizmente, ainda não se tem clara a recuperação do orçamento fiscal e a efetiva possibilidade desses investimentos que não são irrisórios.

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A Saúde Suplementar é um gargalo que pode desembocar na desestruturação do próprio SUS. Tem que ser analisada considerando três pontas, os prestadores de serviços, os planos de saúde e os usuários.

Durante a pandemia houve uma corrida da classe média para o setor, principalmente a de baixa e média renda, o que fez aumentar o número de usuários em mais de três milhões.

Com o represamento natural do período, o evitar de cirurgias não de urgência e o postergar de investimentos em modernização dos equipamentos, inclusive, fizeram com que se chegasse a lucros extraordinários em 2021.

2022 mostrou o reverso da moeda. A demanda cresce e os prejuízos começam a aparecer. Cerca de dez bilhões de reais, número astronômico para um setor apenas, de prejuízo nos resultados operacionais anuais. A sinistralidade aumenta e o equilíbrio financeiro do setor fica fortemente comprometido. Começa-se um movimento de reestruturação e de enxugamento do setor.

Os principais grupos que atuam no setor, os de porte grande que fizeram investimentos significativos, estão numa fase de venda de ativos, inclusive hospitais, além de renegociarem dívidas, segundo artigo de Beth Koike no Valor Econômico. Notam-se novos aportes de acionistas majoritários para evitar a derrocada de empreendimentos. Tentativas de capitalização via Bolsa de Valores parecem ser caminho para os grupos de maior porte. Mas, não é garantia de atração de investimentos em época ainda de incertezas no mercado de ações.

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Como as ações de grupos do setor estão em uma tendência de baixa, observa-se um movimento de compra das empresas de porte médio que passam a ter sua estrutura de gestão questionada e um enxugamento em prol de uma dita eficiência empresarial. Ainda, empresas de pequeno porte e startups que surgiram na pandemia, em segmentos modernizadores, começam a desaparecer agravando a introdução necessária de novas técnicas.

Esse movimento, normal na lógica empresarial, tem tido um efeito mais que direto nos prestadores de serviços e nos planos de saúde. Com a crise, os preços de pagamento de serviços e consultas aos prestadores dos serviços são vilipendiados o que faz com que a rede de prestadores diminua e, conseqüentemente, a qualidade piore. O número de reclamações aumenta e a judicialização de ações chega a patamar jamais visto.

Por outro lado, os planos de saúde procuram mais do que repassar os custos, sem haver diminuição na rentabilidade final. Basta notar que enquanto o funcionalismo público federal, um dos segmentos que mais tem sofrido e pouco a pouco abandonado os planos, não teve aumento nos últimos seis anos, acarretando uma perda de poder de compra salarial frente à inflação de 43% no período, houve um aumento médio das mensalidades dos convênios superior a 80% nesse período.

Inicia-se, mesmo que veladamente, um processo seletivo de usuários pelos planos, o que faz com que boa parte da população, principalmente a mais idosa, seja forçada a sair dos planos e, por conseqüência ser direcionada ao SUS. Importante entender esse movimento de formação de preços.

Atualmente, menos de 10% dos usuários tem planos individuais. Planos antigos que não são mais disponibilizados, tendo em vista, principalmente, o seu modelo de reajustes. Esses reajustes são fixados pela Agência Nacional de Saúde que tem na inflação do período seu farol e, portanto, admitem aumentos menores, o que pode acarretar prejuízos aos planos.

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90% dos planos são coletivos. Seus reajustes são definidos por livre negociação. Sempre que a sinistralidade ultrapassa 70%, hoje, em média, chega aos 90%, os reajustes são bem superiores à inflação. Para se ter uma idéia, no ano de 2022, enquanto a inflação estava próxima aos 6%, os aumentos, em média, ficaram entre 10 e 22%.

Um aparte faz-se necessário para explicar esse mapeamento dos usuários que não interessariam. Mecanismos nada éticos, mas legais. Existem aplicativos que mapeiam os diferentes usuários, suas características, inclusive físicas. E seu potencial de sinistralidade. Alguns são complicados e difíceis de explicar, outros bem simples. Tive um exemplo recentemente.

Fidelizar o usuário a uma rede de farmácias. Outro dia, ao fazer uma compra em uma dessas, fui avisado que teria um desconto significativo por ser cliente de um determinado plano. Sem eu ter notificado nada. Evidentemente, essa “benesse” não é dada ao acaso, o plano acaba sabendo todos os medicamentos que compro, para que finalidade e a partir daí pode fazer meu perfil e de minha família sabendo se é interessante manter-me, ou não, como seu cliente.

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 Se os planos são coletivos, como fazer essa seleção dos clientes que interessam?

Nada complicado. Pode ser feito sem complexas operações.

Os planos coletivos têm grupos de partícipes. A definição do reajuste se dá pela sinistralidade em cada grupo, como já dito, bem acima da inflação. Cada vez com mais freqüência, tem sido criados novos grupos a cada ano, mesmo num convênio guarda-chuva que abriga todos de uma instituição conveniada. Os novos grupos surgem com possibilidade de reajustes menores. Aos usuários que apresentam menores riscos pode ser oferecido, até induzido, migrarem para esses novos grupos, aos de maior risco não é dada essa oportunidade. Como, para estes não eleitos, os aumentos são muito maiores do que os auferidos salarialmente, são forçados a optarem por alternativas de menor abrangência de cobertura e, com o tempo, forçados a mudar de plano ou abandonar a Saúde Suplementar.  

Voltando aos clientes, com o achatamento salarial, com a redução da rede de atendimento, com o aumento explosivo dos preços dos convênios, começa-se a notar um movimento em sentido oposto ao que se notou de 2019 a 2021. Um movimento de abandono dos planos e de buscas de alternativas no sistema universal brasileiro.

Adicional a isso, o INSS começa a cobrar dos Planos por tratamentos feitos por aqueles que têm convênios e que por eles deveriam ser cobertos. Muito justo. O problema é que as empresas tendem a reverter isso no nível de prejuízos auferidos e, não sei como, afeta também o cálculo da sinistralidade, cálculo, às vezes, pouco claro para os negociadores de reajustes.

Esse quadro complexo tem levado a muitas preocupações dos especialistas. A diminuição do atendimento pela Saúde Suplementar e seus caminhos terão forte impacto no sistema do SUS. Sua desestruturação leva a uma sobrecarga que não pode ser suportada. Busca de caminhos que possam minorar os impactos da crise atual no sistema, faz-se necessária. Sem dúvida, as intervenções da ANS e do Ministério da Saúde são necessárias. É um segmento que não pode ser visto apenas pela lógica empresarial.  Setor que tem que garantir condições dignas de atendimento para a população brasileira.

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