O peso e o sentido do gesto
A reunião de Lula com agências de risco em Nova York levanta questionamentos sobre a necessidade de dialogar com instituições focadas nos interesses do capital financeiro global
Publicado 26/09/2024 16:59 | Editado 26/09/2024 17:02
Quando eleito pela primeira vez presidente da República, e antes ainda da posse, Lula nos fez uma visita à Prefeitura do Recife, onde almoçou com o prefeito João Paulo, eu e alguns convidados.
Num determinado instante, conversávamos Cristóvão Buarque (que viria a ser ministro da Educação) e Armando Monteiro Filho (ex-ministro da Agricultura no breve governo parlamentarista) sobre os desafios da economia de então.
Lula se aproximou e, a propósito do tema, nos disse estar consciente da gravidade da situação e que não correria o risco de “virar um De la Rua” (referindo-se ao fracassado ex-presidente argentino) e evitaria dar passos além do tamanho das próprias pernas, dispondo-se a negociar inclusive com oposicionistas extremados.
Agora, em sua terceira experiência como presidente e enfrentando situação muito mais complexa do que as anteriores, sob correlação de forças no mundo e no Brasil muito difícil, o presidente tem exercitado com ousadia e habilidade sua capacidade de diálogo.
Age corretamente.
Tanto no âmbito do próprio governo, coalizão ampla e de variada composição democrática; como com oponentes, sem restrições. Mas, cá com meus modestíssimos botões e sem arredar o pé da concepção tática ampla, flexível e consequente do meu partido, o PCdoB, tenho dúvidas sobre a oportunidade e o valor do gesto praticado pelo presidente da República, agora em Nova York, onde esteve para a sessão plenária da ONU e se reuniu com representantes das agências de classificação de riscos Standard & Poor’s e Moody’s.
Como se sabe, essas agências são empresas que se dedicam à análise do desempenho de outras empresas e de países e emitem “notas de crédito” (ratings) que atribuem a cada emissor de dívida.
Isto, obviamente, do ponto de vista do capital financeiro internacional, absolutamente à margem dos interesses próprios das nações.
Por conta desse pedigree, o ex-presidente do BNDES no primeiro governo Lula, Carlos Lessa, em palestra na Federação das Indústrias de Pernambuco, certa vez declarou, bem ao seu estilo irônico, que quando ouvia alguém falar nas notas emitidas por essas agências em relação ao Brasil, tapava os ouvidos.
“É a voz do mercado, nada a ver com os interesses nacionais”, justificou.
Será que o presidente do Brasil precisa conversar pessoalmente com representantes dessas agências?