O mundo do livro nas eleições

O melhor é avançar apontamentos que possam compor uma plataforma mudancista, democrática e mesmo patriótica para o Brasil e serem aproveitados nestas eleições

Foto: Pixabay/Pexels

O atual mandatário da combalida República brasileira jacta-se de ter lido apenas um livro em toda sua porca vida. Isto, de saída, demonstra que há uma relação estreita entre ser troglodita cultivador da própria ignorância e ser inimigo da cultura, e, de chegada, explica, ao menos em parte, porque o Brasil se tornou vítima de uma antipolítica cultural – ou, mais apropriadamente, uma política anticultura.

Não é apenas de ordem subjetiva a ação deletéria do estupendo estúpido facinoroso na cultura, todavia. Há razões de caráter econômico e político: atender aos interesses das grandes corporações culturais de dentro e de fora do Brasil e dominar a arena da luta ideológica, posição estratégica para levar até ao limite o projeto de poder das classes dominantes autoritárias.

Dentro desta lógica é que se situa a ausência de política pública apropriada para o mundo do livro. E é disso que este escriba de pouca monta vem tratar aqui hoje.

O Plano Nacional do Livro, Leitura e Literatura, para começar o rosário de problemas, é virtualmente letra morta, assim como toda a legislação até agora sancionada. Como não poderia deixar de ser no torto capitalismo brasileiro, as grandes corporações editorais mantém sua hegemonia nas compras governamentais e ditam a lógica “best seller além-fronteiras + imitação tupiniquim” aos leitores daqui.

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Nota importante: A pandemia criou fenômeno curioso e, para muitos, inesperado: o consumo de livros percebeu aumento – assim como os preços, que se tornaram ainda mais proibitivos (o que não é de espantar a quem acompanha as glórias e dissabores do mercado editorial).

Embora exaustivo, não seria difícil pintar um quadro mais amplo, tipo mural de Rivera, tendo por tema a situação do mundo do livro sob o desgoverno do miliciano da rachadinha, mas não o faremos. Não cabe num artigo e não queremos chatear ainda mais leitores e leitoras.

Mural “O homem controlador do universo”, de DIego Rivera | Foto: Wikimedia Commons

O melhor é avançar apontamentos que possam compor uma plataforma mudancista, democrática e mesmo patriótica para o Brasil e serem aproveitados nestas eleições – eleições nas quais a maioria sadia da Nação aposta como medida para se livrar de seus piores inimigos.

Primeira indicação: Recriar o Ministério da Cultura e, a ele vinculado, estrutura estatal nacional de regulação, fomento e apoio aos diferentes atores do setor do Livro, Leitura e Literatura.

O audiovisual tem a Ancine; o patrimônio, o Iphan; os museus, o Ibram, e por aí vai. O setor do livro merece e necessita de um organismo público que promova seu incremento – e nem precisamos gastar bites aqui explicando as razões, não é? A missão deste órgão: gerir política de incremento da cadeia econômica do livro, para criação, edição, distribuição e acesso, seja a fundo perdido ou em caráter reembolsável.

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Outra medida necessária é a criação da Câmara Setorial do Livro no Ministério da Educação. O Brasil carece de política democratizadora de compras governamentais e de distribuição de livros para as redes de ensino, que acabe com a concentração de recursos públicos na mão de poucos privados, e diversifique o acesso a títulos. O meio mais eficaz de definir e executar uma política assim é um fórum regulador da política de livros para a educação. Para funcionar, sua composição há que ser paritária entre educadores, autores, pequenas, médias e grandes editoras.

Assunto espinhoso a ser enfrentado é o do direito autoral, e, neste tema, as regras de domínio público: garantir maior prazo de direitos autorais a quem de direito e destinar a um fundo de apoio à criação literária os direitos de obras que já sejam ou se tornem de domínio público. Do jeito que está hoje, editoras embolsam os direitos autorais de obras em domínio público, e herdeiros e criadores ficam a ver chalupas.

Por fim, falemos de direitos dos escritores.

Sabemos que é insegura a vida do profissional da escrita, no presente e no futuro, e que seus direitos são muitas vezes desrespeitados. O Brasil, para ter sua literatura no topo do gosto de seus leitores e comandando a economia do livro, precisa cuidar de seus escritores. Linhas de apoio à criação seriam apenas parte de uma política de cuidado e incentivo a eles. Caminho estruturante, para usar um termo muito em voga, seria instituir regramento capaz de garantir profissionalização, remuneração decente e regular, melhores condições de trabalho e política previdenciária especial para escritores e escritoras.

Lutemos para que executivos e parlamentares amantes da leitura ocupem os poderes da República a partir de 2023. Quem sabe assim ao menos parte destas indicações possam ser implantadas.

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