O Gancho
O gancho, para quem não sabe, no jargão jornalístico, é um fato que se ligue, que dê margem a outro, que sirva de ponte, de gancho, enfim, para a notícia. É claro que o “gancho” é uma burrice repetida por gerações de repórteres e redações no Brasil. Assim, por exemplo, uma reportagem ou artigos sobre o terrorismo, somente será possível em 11 de setembro, e sempre em onzes de setembro.
Publicado 13/01/2011 08:19
O gancho desconhece que os fatos, as notícias dos fatos se impõem por sua força, pelo inusitado, ou, notícia que os repórteres nem sonham, pelo tratamento. Sequer veem que o mundo e a vida giram sem gancho. Que notícia, no inglês que tanto prezam, remete ao novo, e que o novo não é necessariamente o mais recente. Mas isto já seria esperar muito de quem corre e corre numa redação, para satisfazer um tempo de fábrica, de indústria, que associa Internacional aos Estados Unidos, que conhece a queima de florestas no Brasil somente no dia em que o NY Times noticia, e faz da Cultura o mesmo que show business. Seria esperar demais.
Onde, portanto, o gancho, antes que se pendure o autor nele? Aos fatos, nus e crus. Quando publiquei Os Corações Futuristas, por minha graça e conta devedora no Banco do Brasil, recebi a honra da publicação de uma crítica no site www.novacultura.de. Ora, isso não acontece todos os dias, pensei. Isolado na província, um autor receber linhas consagradoras de um editor de site na Alemanha sobre um romance escrito em português, imaginei, deveria ser uma coisa muito rara. Na minha imaginação, única riqueza sobre a qual os juros bancários não incidiam, o autor e seu livro eram dignos de, perdoem a ingenuidade, dignos de uma notícia.
“Escritor fodido escreve o romance dos fodidos de sua geração” imaginei. Mas a ninguém disse. Fiquei na minha, jiboiando a glória que ninguém via. Então, o que incauto autor, este incautor, fez? Fez com muitos plurais, porque ligou para a redação de um dos jornais de sua amada, querida, sempiterna Recife. Parece que foi ontem. Melhor, ouçam o que se passou agora há pouco, neste presente recuperado:
– Meu nome é Urariano…
– Quem?
– Urariano Mota, acrescento, porque eu sempre acho que o Mota ajuda muito.
– Sei… e ????????
– Pois é, eu tive um romance que recebeu uma crítica favorável na Alemanha, e… (Vou dizendo uma enxurrada de diabólicas asnices, numa enxurrada, que correm por uma Sibéria de gelo e silêncio.)
– Passe um email.
– Eu já passei.
– Ah! É que hoje o sistema aqui no jornal travou, houve uma pane geral nos computadores. Ligue amanhã.
Chega amanhã. Ligo. Diálogo:
– Recebeu a mensagem?
– Deixa ver. Está aqui… tererê, tererê….é. Olha, eu agora estou fechando a página…..Ligue amanhã.
Ligo. Diálogo:
– Aqui quem fala é Urariano…
– ?… Você repete o assunto que a gente conversou antes? Aqui é uma correria… hum, hum, sei, sei …. Sei. Claro, claro. Mas… Qual é o gancho?
– O gancho é um autor local receber uma crítica a um livro seu na Europa.
– E daí? O que tem a ver?
O leitor já vê que o chamado diálogo é uma composição de monólogos paralelos. De um lado, um autor envergonhado e pedinchão. Do outro, uma jornalista que não vê a hora de se ver livre desse inconveniente. Na hora, isso evidentemente não ocorre a este autor. Na realidade, de um modo geral, os autores são péssimos no diálogo falado, ao vivo. Na hora, não lhe ocorre, não me ocorre dizer que o maior gancho é um autor ser conhecido em várias partes do mundo, Rússia, Alemanha, Itália, Espanha, Portugal, México, Argentina…. e ser absolutamente desconhecido na terra onde nasceu. Que isso é um fato tão paradoxal, tão irônico, que por si só mereceria uma notícia. Quando nada, um relato que recebesse o nome de O Gancho.
Na hora, apenas me ocorre perguntar:
– Se um cometa cair sobre a terra e abri-la ao meio, qual o gancho?
– O seu livro é um cometa?!
Sem resposta, desligo. E reconheço: isso, contado, ninguém acredita. Decididamente, essas coisas que acontecem à gente são meio sem gancho.