O desenvolvimento travado*
“O problema crucial dos países subdesenvolvidos é o aumento considerável do investimento, não a fim de gerar uma demanda efetiva – como é o caso numa economia desenvolvida mas com subemprego –, mas para acelerar a expansão da capacidade produtiva indispensável para o rápido crescimento da renda nacional” (Kalecki, 1983).
Publicado 28/12/2015 18:42
Este artigo foca obstáculos estruturais à retomada de um Projeto Nacional de Desenvolvimento, apenas esboçado nos governos de Lula e no primeiro mandato da Presidenta Dilma. Entre 2010 e 2014 o PIB (Produto Interno Bruto) médio foi de 2,1% e há previsão de crescimento negativo de cerca de -3% em 2015.
Desinvestimento X Desenvolvimento
Desde logo, no Brasil de agora, centralmente vê-se que a sentença de Kalecki teima em reiterar os limites do subdesenvolvimento, ainda que países periféricos tenham constituído parques industriais robustos. Por aqui a taxa de investimento no terceiro trimestre de 2015 foi de 18,1% do PIB, inferior à do mesmo período de 2014 (20,2%) e a menor para o período desde 2007, quando foi de 18,8%.
Observe-se, no entanto que, Michael Roberts demonstra que a queda da taxa de investimento é fenômeno global, inclusive anterior à crise global iniciada em 2007-2008. Nas seis grandes economias de renda mais altas (Estados Unidos, Japão, Alemanha, França, Reino Unido e Itália) não houve “excesso de poupança” (ou de lucros das empresas não financeiras) como argumenta o arrogante liberal Martin Wolf, como causa da crise: “em geral houve escassez de investimento”, diz Roberts (2015), excetuando o Japão – e China, acrescentamos. Sim: à exceção da China, “economias desenvolvidas, mas com subemprego” (Kalecki!).
Com efeito, sabe-se que a China manteve taxas de investimentos de até 45% do PIB, contra-atacando a maré revolta da “globalização financeira”, o que transformou Xangai no maior centro industrial do mundo!
E recorde-se sempre: de acordo com as teorias do desenvolvimento no capitalismo, o desenvolvimento pode ser entendido como: a) o resultado de um prolongado processo de crescimento econômico; b) junto a elevado aumento da produtividade média e dos salários reais; c) com aceleração a taxa de investimento para diversificar a estrutura produtiva e o emprego. É isso que intensifica a industrialização e a urbanização, e exige mudanças progressistas das estruturas sociais e políticas do país.
Desindustrialização
Entre nós, o processo de desindustrialização é frequentemente assinalados como sendo parte integrante da “especialização regressiva”, notadamente nos anos 1990 (abertura comercial e financeira), derivando ainda da interpretação que: a) o Brasil construiu uma matriz industrial complexa: b) a trajetória da industrialização gerou uma balança comercial estruturalmente deficitária para bens de alto conteúdo tecnológico; c) o que teve como vetor essencial políticas de longo ciclos de valorização cambial, associados ao endividamento externo e aos déficits em conta corrente e baixo crescimento econômico.
Ora, segundo a FIESP (maio/2015), em 10 anos a indústria de transformação brasileira perdeu 7 pontos percentuais (cerca de 40%) de participação no PIB, evidenciando um grave e acelerado processo de desindustrialização. Em 2014 a participação da indústria de transformação no PIB brasileiro foi de somente 10,9%, contra 17,9% em 2004. Estima ainda que em 2015 a participação da indústria de transformação no PIB seja de apenas 10,6%, nível semelhante ao de meados da década 1950 – antes de diversos setores importantes da indústria brasileira serem desenvolvidos.
Simultaneamente, estudos de Davi Kupfer indicam que o setor de serviços já alcança cerca de 60% da mão de obra ocupada. A redução do crescimento médio anual do PIB per capita, de 4,1% entre 1950 e 1980 para 0,9% de 1981 a 2014 – inferior a 1% ao ano, comprova a desestruturação no período.
Assim, olhando-se de 1980 para cá, a participação da indústria no PIB caiu de 28% para 9%; a participação das exportações de manufaturados na exportação total caiu de 62% em 1990 para 35% em 2014. Em 2014, as exportações representaram 11,5% do PIB. Foi o sexto menor percentual entre 150 países analisados, segundo dados do Banco Mundial. O Brasil só ficou à frente de Afeganistão, Burundi, Sudão, República Centro-Africana e Kiribati. E bem abaixo da média global: de 29,8% do PIB.
Ocorre ainda que projeções não oficiais advogam ainda que a produção industrial do país vai encolher 8,5% no acumulado de 2015 e 3,4% no próximo ano.
Kaldor, Furtado e a regressão neoliberal
Na conceituação de Nicholas Kaldor (1966) acerca da relação entre mudança estrutural e desenvolvimento econômico, no longo prazo, o crescimento econômico de um país está fortemente associado ao tamanho relativo e à diversificação de sua indústria manufatureira. Esta indústria é o motor da produtividade da economia, porque pode gerar inovações e difundir os transbordamentos tecnológicos ao restante do sistema econômico.
Noutro ângulo, pesquisadores consideram que, quando se atinge maturidade, a indústria de transformação diversifica sua estrutura, onde os bens de capital (máquinas, equipamentos e instalações) atingem entre 30% e 40% de seu produto (Cano, 2011). Assim há indução e exigência de enorme crescimento e diversificação dos serviços no comércio, transportes, finanças, saúde, educação e outros.
Por sua vez, Furtado escrevera em “Brasil: a construção interrompida”: num país em formação como o Brasil, o domínio dos interesses da grande empresa transnacional na lógica do ordenamento econômico poderia apontar para a inviabilização do país como projeto nacional (Furtado, 1992). Seis anos depois sentenciava Furtado: “Sim. O processo de construção da economia brasileira foi interrompido, aparentemente porque se acreditou que a globalização exigia essa interrupção” (Furtado, 1998, p. 14). Aduziu a seguir que nos encontrávamos numa situação de “completa falta de percepção histórica. Nosso país estava em construção, e essa construção foi abandonada”, sublinhou (idem, 1998, p. 20)
A involução atual
Evidencia-se a reprimarização da pauta exportadora brasileira, no processo marcado pela perda de participação da indústria de transformação nas exportações, em favor do aumento da participação da agricultura e da indústria extrativa. Em 2014, a participação das exportações da indústria de transformação foi de 61,6% das exportações totais, ao invés dos 78,2% registrados em 2006.
Houve avanço dos setores intensivos em recursos naturais e de baixa tecnologia na pauta exportadora da indústria de transformação. Tais setores corresponderam a 38,4% da pauta exportadora da indústria de transformação em 2014 (avanço de 9% na participação apresentada em 2006). Os setores intensivos em recursos naturais e de baixa tecnologia foram responsáveis por 69,7% do aumento das exportações da indústria no período 2014-2007.
Tal involução torna o país mais dependente dos preços internacionais das commodities e reforça sua vulnerabilidade aos “choques negativos externos”. Enquanto as importações da indústria de transformação aumentaram cerca de 4 vezes mais do que as exportações entre 2014-2007, se concentrando principalmente nos setores intensivos em Escala e de Média Alta Tecnologia.
Considerações finais
Nos marcos regressivos ao desenvolvimento, na globalização neoliberal-financeira, configuram-se simultaneamente megas mudanças tecnológicas propiciando atingir nova etapa da automação, na nanotecnologia, na robótica, na inteligência artificial, nos novos padrões energéticos, na neurociência, nos novos materiais, em novos processos de organização da produção.
A intensificação da concorrência em nível global significou para as empresas líderes uma estrutura mais flexível e mais focada no domínio e controle sobre ativos intangíveis (softwares; licenças; marcas patentes, direitos autorais; direitos de exibição de filmes), ao mesmo tempo em que parte considerável das atividades produtivas mais commoditizadas foram segmentadas, externalizadas e transferidas para países em desenvolvimento, especialmente na região asiática.
Noutras palavras, mudanças para uma política macroeconômica adequada (cambial pró-crescimento, monetária e fiscal), no curto prazo, associadas à retomada de uma política industrial, científica e tecnológica de longo prazo, ainda assim terão que se defrontar com as mudanças no capitalismo global. Redefinir e reforçar ainda a ampliação dos horizontes de integração produtiva e de comércio exterior com a América do Sul (não apenas com o Mercosul).
*Artigo originalmente concebido ao próximo número do Jornal dos Economistas do CORECON (RJ), apenas acrescido dos dados sobre o crescimento econômico do governo Dilma.
Bibliografia consultada
Barroso, A. S. “Desenvolvimento e desindustrialização”, Princípios, edição 85, junho, 20006.
Cano, W. “A desindustrialização no Brasil”, Unicamp, Textos para a discussão, dezembro 2012.
FIESP, janeiro 2015, “Desempenho do saldo comercial brasileiro”, José Ricardo R. Coelho, vice-presidente da FIESP.
Furtado, C. “Brasil: a construção interrompida”. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1992. ____________. “Há um risco de ingovernabilidade crescente”. Entrevista de C, Furtado, in: Visões da crise, Rio de Janeiro, Contraponto, 1998
Hiratuka, C. / Sarti, F.. “Transformações na estrutura produtiva global, desindustrialização e desenvolvimento industrial no Brasil: uma contribuição ao debate” – Texto para Discussão. IE/Unicamp, Campinas, n. 255, jun. 2015) file:///C:/Users/aloi/Downloads/TD255%20
IEDI. “Manufaturas: O Brasil está se tornando um exportador marginal”, novembro de 2015.
Kalecki, M. “A diferença entre os problemas econômicos cruciais das economias capitalistas desenvolvidas e subdesenvolvidas”, in: “Crescimento e ciclo das economias capitalistas”, ensaios selecionados e traduzidos por Jorge Migliolli, Hucitec, 1983, pp. 133-140.
Roberts, M. “Exceso de ahorro o escasez de inversión?”, 21/11/2015, ver: http://www.sinpermiso.info/textos/exceso-de-ahorro-o-escasez-de-inversion