O bagageiro do tempo
Ouso fazer algumas reflexões sobre o texto a seguir de um incansável militante do bem, e poeta.
Publicado 08/08/2013 12:27
“Quem foram os Vândalos e o que fizeram para entrarem para a história de modo tão jocoso? Teriam feito algo ainda mais aterrador que os Romanos ao destruírem Jerusalém no ano 70 D.C.? Seriam mais furiosos e insanos que os Hunos sob o comando de Átila? Pilharam mais que os espanhóis ao império Inca? Teriam tido mais desprezo pela humanidade que os comunistas nas ordens de Stalin ou Mao Tsé-Tung?
A relação do nome Vândalo com vandalismo se deu por causa da invasão de Roma em 455. Por duas semanas eles atacaram a cidade destruindo, principalmente, obras de artes. Muitas delas frutos dos saques a Jerusalém e Grécia pelos romanos. Tal foi agressão à cidade, às obras, muitas delas jamais foram restituídas, que chamou a atenção do Império Romano do Ocidente em franca decadência e demais povos da época, notadamente o Império Romano do Oriente.”
Convém lembrar, caro poeta, como consideração primeira, que nosso mundo ocidental civilizado e cristão copiou muitas práticas predatórias dos Vândalos. Basta ver milhares de peças pilhadas de antigas civilizações que hoje ornam os grandes museus de Londres, Paris, Nova York, Berlim. Foram, no entanto, duas preocupações que diante do texto acima assaltaram de minha mente, quem sabe, justificadamente ressabiada. Primeiro, que a as referências aos Vândalos não venha a ser utilizada de forma oportunista para condenar movimentos legítimos de trabalhadores e do povo na rua em luta por melhores condições de trabalho e de vida. Movimentos estes que nos enchem de esperança de que o povo volte com mais frequência a vibrar nas ruas e praças. E torço para que o movimento social continue passando ao largo das tediosas pautas genéricas, do tipo ‘cansei’ ou ‘contra a corrupção’, e outras do surrado varejo midiático, que nada reivindicam e nada propõem. A não ser evitar uma discussão mais profunda das nossas mazelas. Que continue a ser a esperança dos militantes do bem, e dos poetas. E, claro, de milhões de brasileiros que começam a ver a ‘água nova brotando’, do dizer do poeta.
Em segundo lugar, costumo ficar de pé atrás quando se menciona certo ‘desprezo pela humanidade’ que vez por outra se atribui, desde o começo da Guerra Fria até os dias de hoje, seletivamente, a dois importantes personagens de meados do século passado, Mao Tsé-Tung e Josef Stalin. E quais teriam sido os crimes desses senhores, ainda hoje celebrados em seus países de origem?
A propósito, permita-me lembrar da história de um cidadão, fronteiriço entre dois países, que diariamente passava na alfândega e cujo bagageiro da bicicleta trazia grande quantidade de coisas sem o menor valor fiscal, tralha, trecos enfim. Para encurtar a história ou para antecipar sua conclusão aos que ainda não sabem dela, descobriu-se, anos depois, o fronteiriço já muito bem situado, que sua riqueza provinha do contrabando de… Bicicletas. Temo, pois, caro poeta, que muitos dos nossos mais cuidadosos textos, e não somente os nossos, possam involuntariamente servir como tralhas e trecos para encobrir bicicletas, ops, contrabandos. Isso também acontece e muito de modo voluntário, como instrumento ideológico, na grande mídia hegemônica mundial. Pois é mais que sabido que não é somente no Brasil que os donos da informação, donos do que deve ser dito ou escondido ou manipulado, são apenas meia dúzia de famílias. No mundo, também são meia dúzia de corporações que detêm o poder sobre mais de 90% de livros, revistas, jornais, TVs, rádios, internet… É justamente nesse arsenal midiático onde trafegam os fronteiriços, os marginais de todas as fronteiras do mundo, a pedalar suas insuspeitas bicicletas, levando em seu bagageiro uma tralha de informações cada vez mais massificada, a esconder o verdadeiro contrabando que fortalece seu oculto interesse ideológico.
Voltando à política do século passado, é por demais conhecida a guerra de informações e contra informações do período da Guerra Fria entre Ocidente e Oriente, entre as lideranças polarizadas de Washington e Moscou sobre o mundo. As informações em lados opostos dominadas pela CIA e pela KGB. Nós ocidentais fomos cobertos pelo sagrado manto da informação do lado de cá da famosa Cortina de Ferro, a assimilar somente a mitologia ocidental. Por isso, ainda hoje pouco sabemos sobre o que se convencionou chamar de os crimes de Stalin e de Mao Tsé-Tung, pois fomos impedidos por décadas de acessar informações do lado de lá. Ou as conhecemos pela versão passada, ainda hoje, pelo lado de cá. No entanto, tanto num lado como no outro, temos muita clareza dos estarrecedores crimes do mesmo período praticados pelo nazifascismo, que encheram campos de concentração, fornos crematórios e valas comuns de corpos de mortos-vivos, de cristãos e de comunistas, de judeus e de negros, de todos os credos e bandeiras. Crimes somente comparados ao despejar de bombas atômicas sobre importantes cidades japonesas, a botar abaixo tijolos, pedras e lajes de Hiroshima e Nagasaki. E a atingir populações inteiras pela morte, pela doença nuclear, passada de geração a geração. Uma ação, caro poeta, que o mundo civilizado ocidental e cristão, o lado de cá, portanto, praticou e que parece ter conseguido fazer o mundo esquecer sua autoria, como se fosse apenas uma tragédia inevitável, que certo dia apenas caíra do céu. E certamente vai ser esquecido enquanto continuarmos a colocar repetitivas histórias ainda mal contadas em suspeitosos bagageiros do tempo.