Mídia versus comunicação

Depois de um longo processo de consultas, iniciado há mais de um ano e aberto a alunos, ex-alunos e professores, um dos mais tradicionais centros de ensino e pesquisa da Comunicação nos Estados Unidos está mudando de nome: o College of Communications da U

A Universidade de Illinois é uma instituição pioneira no ensino de jornalismo, lá introduzido em 1902. Em 1927 foi criada a School of Journalism que mudou de nome, em 1950, para School of Journalism and Communications. Em 1957, mudou novamente para College of Journalism and Communications e, em 1968 – há 40 anos – para College of Communications. Esta, portanto, não será a primeira vez que seu nome é alterado.


 


A troca de nomes, por si só, não mereceria maior atenção se suas razões não revelassem as profundas mudanças por que passa esse campo de estudos e se não servissem de reflexão para o ensino e a pesquisa da Comunicação em geral.


 


O processo de mudanças semânticas, ensina Raymond Williams no precioso Palavras-Chave (Boitempo, 2007), especialmente nos períodos de transformações sociais, indica que as questões de significação estão vinculadas aos problemas sobre os quais as palavras estão sendo usadas para explicar. O uso de diferentes significados das palavras identifica formas diversas de ver as questões centrais de nosso tempo e são indicativos de formas de pensar e compreender o mundo.


 


Comunicação midiatizada


 


Na justificativa que apresenta no último Alumni News (vol. 5, nº 1, pág 3) para a troca de communications por media, o dean Ronald Yates afirma:


 


“O que nós realmente fazemos é estudar e ensinar “comunicação midiatizada” [mediated communications] (…). Nós estudamos e ensinamos mídia – mídia velha, mídia nova, mídia emergente, mídia futura. Em resumo, o College of Communications é sobre mídia. O mais importante de tudo isso (…) não é encontrar uma nomenclatura precisa, mas dar conta das mudanças que estão ocorrendo (…). A enorme mudança que produz informação e entretenimento a qualquer hora, em qualquer lugar, tem forçado as pessoas a se adaptarem constantemente. O resultado é que elas estão ficando mais sábias e discernindo melhor como gastar o dinheiro e o tempo delas, como buscar as notícias e como responder à mídia. Essas mudanças nas formas de distribuição [de informação e entretenimento] e na maneira como as pessoas pensam a respeito da mídia provocaram mudanças no escopo das comunicações como disciplina.”


 


Na verdade, o que caracteriza tanto a formação profissional quanto a pesquisa é que elas lidam com a comunicação intermediada por ferramentas tecnológicas. Se essas tecnologias, durante muitos anos, definiram os “departamentos” acadêmicos – televisão, rádio, cinema, jornal, revista – a revolução digital e a convergência tecnológica das últimas décadas, além de ter introduzido novas mídias – o computador, a internet, o celular – diluíram inteiramente as diferenças existentes entre as velhas tecnologias. Além disso, tornou-se indispensável estudar e pesquisar também a economia política do setor, sobretudo compreender as poucas mega-instituições que hoje midiatizam a comunicação globalmente.


 


Uma das conseqüências desse quadro de mudanças é que, embora continue a se interessar pela comunicação per se – a comunicação face-a-face – do ponto de vista do ensino e da pesquisa, o estudo da mídia se afasta cada vez mais desse objeto. Por exemplo: nos Estados Unidos os antigos departamentos de speech communication estão também mudando os seus nomes para departamentos de communication.


 


É interessante ainda observar que embora o nome do College of Communications esteja mudando, as suas unidades de ensino e os graus que elas conferem (ainda) não vão mudar. Continuarão existindo os cursos de graduação em jornalismo, publicidade e estudos de mídia (media studies); os mestrados em jornalismo e publicidade; e o doutorado em comunicações oferecido pelo Institute of Communications Research (ICR).


 


Aqui vale registrar que o ICR, fundado pelo pioneiro Wilbur Schramm, em 1947, foi, desde a sua concepção, um centro de pesquisa multidisciplinar integrando disciplinas de vários campos do conhecimento. Além disso, sempre teve como objeto de ensino e pesquisa as dimensões social e tecnológica tanto das telecomunicações quanto da comunicação de massa (para usar a velha terminologia). Daí o plural communications – e não o singular communication – que sempre foi empregado no nome do ICR e, a partir de 1950, no do College (então, School).


 


Lições para o Brasil


 


Não se pode, evidentemente, considerar as necessidades educacionais brasileiras no campo da Comunicação como equivalentes àquelas dos Estados Unidos. No entanto, é inegável que as mudanças tecnológicas afetaram de forma significativa não só a economia política da mídia como estão transformando o mercado de trabalho e as exigências de formação profissional entre nós.


 


De certa forma, pode-se afirmar que o “mercado” brasileiro demanda hoje um profissional que lembra os velhos pioneiros, isto é, um profissional que compreende a mídia em suas variadas dimensões, sua importância no mundo contemporâneo, e é capaz de produzir “comunicação” que possa ser distribuída em diferentes tecnologias. Em resumo: o profissional de hoje é multimídia, não é um especialista.


 


Apesar disso, entre nós predominam cursos de graduação em unidades acadêmicas ainda vinculadas às divisões das velhas tecnologias, enquanto na pós-graduação prevalece uma tendência de forte fragmentação do campo de estudos (ver, artigo “Fragmentação versus convergência na comunicação“).


 


Resguardadas as diferenças – e não são poucas – será que teríamos algo a aprender com as mudanças que estão ocorrendo nas principais instituições de ensino e pesquisa de mídia dos Estados Unidos?


 


Artigo publicado no Observatório da Imprensa
 

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