Maudie, janela para a arte
Maudie era uma mulher de pequena estatura, minúscula. Em contraste com a grandiosidade de sua arte, cheia de ideias e cores
Publicado 28/06/2021 19:56 | Editado 30/06/2021 11:03
“Uma janela. Eu adoro uma janela...
A plenitude da vida já enquadrada. Bem ali.”
Maud Lewis
Maudie era uma mulher de pequena estatura, minúscula. Em contraste com a grandiosidade de sua arte. Canadense nascida no começo do século XX (1903-1970), Maud Lewis tinha a cabeça cheia de ideias e cores. Sua arte só foi reconhecida quando ela já contava 62 anos. Faz lembrar de José Saramago, que só se notabilizou como escritor depois dos 60 anos de idade. O filme “Maudie” (de 2017) retrata sua trajetória e suas descobertas estéticas, ainda que tardiamente entendidas pelos conterrâneos e pelo mundo. A ótima atriz Sally Hawkins (de “A forma da água”, oscarizado nesse mesmo ano), faz papel de Maudie.
A narrativa é baseada na vida de Maud Lewis, artista canadense, pobre e com problemas de saúde, ao ponto de dificultar-lhe o uso das mãos, o que foi superado com muita persistência. Sua mãe, Agnes incentivou a filha no caminho da arte, quando na infância, a estimulava a pintar cartões postais para vender no Natal. Maud perdeu a mãe ainda pequena, na separação do pai e perda na justiça com a justificativa de que Agnes não tinha condições financeiras de criar a filha, que anos mais tarde a procurou mas não a encontrou.
Maudie superou suas infelicidades através da arte. Como grandes nomes das artes plásticas, ela usou essa expressão para representar amor, dor, alegrias, sofrimentos, e um sentido na vida. Já apresentamos em uma de nossas resenhas o quanto a arte foi revolucionária para Nise da Silveira que a associou aos seus estudos e ao tratamento em Psiquiatria, inovando o pensamento e a atenção à saúde mental no Brasil.
Maudie é rejeitada por sua tia e seu irmão, sofre preconceito e humilhação, é tratada como incapaz, em decorrência de ter artrite reumatoide juvenil, condição clínica que provoca deformações, inflamações e dores insuportáveis. Isso vai aos poucos dificultando a locomoção e a lida com pincéis, instrumentos que gravaram as imagens que a notabilizaram.
Ela é estigmatizada pela família, passa por preconceitos, violências físicas e até violência patrimonial, destratada pelo marido. Ao que ela responde e enfrenta com sua inteligência emocional
Ao contrário de suas dores, vemos na tela uma candura de pessoa, que transforma seu mundo rústico em beleza e desenhos coloridos da natureza feitos sem nenhuma aprendizagem técnica prévia. Maudie, sempre pronta a se refazer e a se retomar, também é uma mulher decidida, que deixa a casa de sua tia para trabalhar como doméstica na morada de um vendedor de peixes. O homem, de início, porta-se em relação a Maudie com violência e desprezo, indo ao ponto de estabelecer uma hierarquia da nova família: o homem da casa, os cães, as galinhas e, por último, Maudie.
Ao mesmo tempo em que realiza os serviços da pequena casa, Maudie começa a desenvolver seus dons artísticos pintando as paredes e as janelas, modificando o casebre num painel de beleza admirável. A narrativa dessa existência tão sofrida é envolvente, levando o espectador a nutrir esperanças e em enlevamento por causa da habilidade artística e a doçura de Maudie. Uma vizinha toma contato com as pinturas dela, reconhece-lhes o valor estético e as apresenta a outros artistas e jornalistas de vários lugares, os quais, interessados nessa arte, fazem-lhe visitas e divulgam seu trabalho. Seu marido, o peixeiro, acaba envolvido pelo coração da artista e começa a tratá-la com respeito.
O legado de Maudie permanece. Sua casa foi preservada por instituições artísticas, sendo transformada em uma galeria de arte, com frequentes manifestações de pessoas apreciadoras de sua estética.
Em um momento de profunda dor que vivemos em nosso país, de ataques pelo governo da morte, ao povo brasileiro e aos artistas, dirigir nosso olhar para a resistente e emocionante Maudie nos dará com certeza força para continuarmos nossa luta.
É um filme imperdível, sobre arte, mulheres tenazes, vida, esperança, superação.
- Título original: Maudie
- Título brasileiro: Maudie: sua vida, sua arte
- Co-Produção: Irlanda, Inglaterra e Canadá
- Idioma original: inglês
- Data de lançamento: 2016
- Direção: Aisling Walsh
- Roteiro: Sherry White