Maria Baderna: a irreverente dançarina
Também conhecida como Marietta Baderna, a bailarina revolucionária que desafiou normas e valorizou a cultura negra no Rio de Janeiro do século XIX.
Publicado 28/06/2023 09:31 | Editado 28/06/2023 09:42
Um querido amigo me apresentou rapidamente a história de Maria Baderna, me provocando a realizar uma pesquisa e escrever um pouco sobre sua história. Descobri sua irreverência e aqui estou inquieta para escrever, pensando muito sobre como revolucionou a metade do século XIX, na cidade do Rio de Janeiro. Ela deixou o registro de seu espírito rebelde e contestador, atraindo um público “barulhento”, que associou-se ao nome de Maria. Apresentava-se como bailarina, fazendo sucesso com a arte da dança na cidade. Incentivada pelo pai, médico e músico, ela desde muito pequena dedicou-se à dança, sendo considerada uma das maiores bailarinas da Europa, empolgando milhares de pessoas nos teatros da Itália e da Inglaterra.
A vinda da família para o Brasil e o exílio se deu para refúgio diante das revoltas em seu país. Seus pais eram seguidores de Giuseppe Mazzini, um líder do movimento republicano, que foi derrotado pelos monarquistas e austríacos após a revolução de 1848. À época, seu país estava dividido, sob a dominação da Áustria. Marietta contribuía financeiramente com o movimento contra o domínio austríaco, demonstrando desde jovem seu espírito revolucionário ao mesmo tempo em que, como protesto, aderiu ao lado dos revolucionários à não realização de apresentações ações artísticas enquanto a ocupação da Áustria permanecesse em solo italiano. Mas, infelizmente, o movimento revolucionário que ficou designado como a “Primavera dos Povos” na Europa, em 1848, foi dizimado.
Interessante que o sobrenome de Maria, uma palavra própria do português brasileiro, adotada pelo dicionário de nosso país no final do século 19, significa confusão, desordem, bagunça, ou tem o sinônimo de descompostura, barafunda, patuscada, inferno, zoada, zoeira. Mas tem sua origem justamente no sentido e significado do sentimento expresso pela dança de Maria Baderna, com seus seguidores “barulhentos”.
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Ela rompeu com a ordem e o controle por parte de uma perspectiva masculina da história e marcou significativamente uma trajetória, um tempo ao popularizar sua dança partilhando-a com os escravizados em danças ao ar livre, se encantou com ritmos de dança de origem africana, como o lundu, que passara a inserir nas apresentações de dança clássica. E, assim fazendo, provocava a ira dos conservadores, sofrendo represálias nos palcos vendo sua arte ser deixada para trás em um Rio de Janeiro repleto de contradições, com uma juventude que clamava por mudanças. Os jovens, “seus fãs, radicalizavam; para protestar contra a direção dos teatros, boicotavam os espetáculos, ou faziam a pateada [ato de bater os pés no chão], interrompendo espetáculos no meio e fazendo manifestações ainda mais radicais”(1).
Interessante que o escritor, romancista, advogado e político brasileiro José de Alencar, que produziu uma série de romances, muitos deles lidos por nós em período de ensino primário, como “O Guarani”, “Iracema”, “Senhora”, era defensor da dançarina, bem como também o poeta Francisco de Paula Brito(2).
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A mídia dominante retrógrada (Jornal do Commercio) na época realizava intensa campanha moral contra Maria Baderna, isolando-a das apresentações da então sociedade carioca. Ela viaja para a França ficando por um período fora do Brasil e, ao retornar, se apresenta mais algumas vezes, mas logo fica no anonimato. Constituiu família, tendo tido três ou quatro filhos (dado incerto). Ficou viúva em 1860 do maestro Gioacchino Giannini, quando encerrou sua carreira de bailarina tornando-se professora de dança. Faleceu em 1892 na cidade do Rio de Janeiro.
Os marinheiros e os estudantes
O jornalista italiano Silvério Corvisieri (2001), que produziu a biografia de Marietta, na obra Maria Baderna – a bailarina de dois mundos, informa que ela participava de danças ao ar livre, como no Largo Carioca, com a participação do povo negro escravizado, se tornando um escândalo para a sociedade colonialista, preconceituosa e hipócrita(3).
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Marietta Baderna, mais uma heroína que resistiu trazendo sua arte para o contexto popular, rompendo com a hipocrisia das elites. Com os movimentos de seu corpo demonstrou e afirmou sua força, reconhecendo e valorizando a cultura negra, a sexualidade, a vida. Ela permanece na memória e também na vida político-cultural, a exemplo do Bloco Baderna, de Belo Horizonte, em homenagem à história da bailarina, havendo diversos estudos e apresentações teatrais que levam seu nome.
A rebeldia na dança de Baderna se torna um exemplo de ferramenta fundamental para a criativa e subversiva capacidade de resistência das mulheres à opressão patriarcal, numa afirmação de luta pela liberdade.
Referências:
(1) https://informativoplacido.com/galeria/139/maria-baderna
(2) https://www.ebiografia.com/jose_alencar/
(3) Corvisier, Silvério de. Maria Baderna, a Bailarina de Dois Mundos. Record, tradução de Eliana Aguiar