Mãe, olha os homens

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Imagem: Mãe com filho morto, de Kathe Kollwitz

A porta tem as marcas do coturno. Eram cinco horas da tarde. A senhorinha fazia chá preto e não aguardava intrusos. Tinha visto o filho há cinco minutos fazendo com as mãos o sinal do coração e soprando um beijo. 

O filho preto, de sonhos miúdos, já era pai, trabalhava de ajudante de pedreiro, quando era possível. Estudou pouco, na escola sempre o ensinaram a apertar parafusos e se contentar com sobras. Quando sobrava sossego, uma raridade, dormia. 

A senhorinha tremeu, gritou, chorou. O filho preto, estendido no sofá, jorrava chá vermelho da sua boca que soprava beijo.  

Da boca que soprava beijo até porta, o piso de cimento queimado estampava as marcas dos sapatos grandes. Um jarro de gesso espedaçado se misturava a um baralho velho e as flores coloridas de areia prateada. 

Sozinha, aquela senhorinha se misturava ao sangue e tentava recompor nas mãos do filho o sinal do coração. 

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