Inteligência artificial, menos esperta que gatos
A tecnologia, incluindo a inteligência artificial, não é neutra e reflete as relações de poder na sociedade. Portanto, é essencial que haja um controle democrático sobre o desenvolvimento e uso da IA
Publicado 27/03/2024 10:53 | Editado 28/03/2024 08:40
Impressiona ver a quantidade de pessoas e organizações que dizem “precisamos fazer algo com a inteligência artificial”, mas que não têm ideias sobre o que querem ou precisam fazer. Essa é o tipo de coisa que, se você não sabe o que fazer com ela, certamente deverá ter receios sobre o que outros poderiam fazer.
Yann LeCun, cientista-chefe de IA da Meta, acredita que o medo generalizado de que modelos poderosos de inteligência artificial sejam perigosos é em grande parte imaginário, porque a tecnologia atual está longe de ser humana, nem mesmo é comparável à inteligência ao nível de um gato. O cérebro de um gato doméstico tem cerca de 800 milhões de neurônios, o cérebro de um cão tem cerca de 2 bilhões de neurônios e um cérebro humano maduro tem cerca de 100 bilhões.
“Mas por que esses sistemas não são tão inteligentes quanto um gato?”, LeCun perguntou. “Um gato pode lembrar, pode compreender o mundo físico, pode planejar ações complexas, pode ter algum nível de raciocínio – na verdade, muito melhor do que os maiores LLM (Large Language Model são modelos de aprendizado de máquina treinados para entender e produzir texto de forma avançada, capacitando-os a realizar diversas tarefas de processamento de linguagem, como tradução, geração de texto e interpretação contextual). Isso indica que falta algo conceitualmente expressivo para tornar as máquinas tão inteligentes quanto os animais e os humanos.”
Leia também: Celulares em aulas e reuniões
Comparar a inteligência biológica com a artificial é bastante complicado, pois enquanto um bebê de poucos meses ao observar uma bola caindo algumas vezes consegue ter uma boa noção das leis da gravidade, uma máquina necessita de milhões de dados para poder identificar os padrões que definem esse mesmo comportamento.
O busílis dessa questão porém são os impactos que essas novas tecnologias trazem para as relações de produção e seus impactos sociais.
O papa Francisco, em mensagem acerca da inteligência artificial, considerou que “o impacto das novas tecnologias no âmbito do trabalho: trabalhos, que outrora eram prerrogativa exclusiva da mão-de-obra humana, acabam rapidamente absorvidos pelas aplicações industriais da inteligência artificial, com o risco de uma vantagem desproporcionada para poucos à custa do empobrecimento de muitos. Ao ver como tais formas de tecnologia penetram cada vez mais profundamente nos locais de trabalho, deveríamos considerar como alta prioridade o respeito pela dignidade dos trabalhadores e a importância do emprego para o bem-estar econômico das pessoas, das famílias e das sociedades, a estabilidade dos empregos e a equidade dos salários”.
Numa perspectiva marxista, é crucial analisar como a inteligência artificial é incorporada às relações de produção capitalistas. Isso envolve investigar quem detém o controle dos meios de produção tecnológicos e como isso afeta a distribuição de riqueza e poder na sociedade. O controle sobre a IA por grandes corporações pode levar a uma ampliação das desigualdades econômicas, com benefícios concentrados nas mãos de poucos em detrimento da maioria trabalhadora.
A introdução da inteligência artificial no mercado de trabalho não ocorre em um vácuo. A automação e a digitalização podem levar à substituição de trabalhadores por máquinas, resultando em desemprego estrutural e exploração da mão de obra restante. Além disso, o aumento da automação pode contribuir para uma maior alienação dos trabalhadores, já que suas habilidades e contribuições são desvalorizadas em favor da eficiência tecnológica.
A crescente automação e a expansão da inteligência artificial representam desafios significativos para o movimento sindical e para os trabalhadores. Os sindicatos precisam adaptar suas estratégias e demandas para garantir que os trabalhadores não sejam marginalizados ou explorados devido ao avanço tecnológico. Isso pode incluir a defesa de políticas de proteção social, como renda básica universal, e o estabelecimento de novas formas de organização e negociação coletiva que levem em conta as mudanças no mercado de trabalho.
A tecnologia, incluindo a inteligência artificial, não é neutra e reflete as relações de poder na sociedade. Portanto, é essencial que haja um controle democrático sobre o desenvolvimento e uso da IA, garantindo que seus benefícios sejam distribuídos de forma justa e que as decisões relacionadas à tecnologia sejam tomadas com base nas necessidades e interesses da maioria, em vez de unicamente na busca do lucro capitalista.
Por fim, do ponto de vista progressista, a introdução da inteligência artificial deve ser vista dentro de um contexto mais amplo de transição para uma economia pós-capitalista, na qual a tecnologia está a serviço do povo e é utilizada para atender às necessidades humanas fundamentais, em vez de maximizar os lucros de uma elite privilegiada. Isso implica em repensar radicalmente as estruturas socioeconômicas existentes e buscar alternativas baseadas na democracia econômica e na justiça social.