Inspire, Expire
Drama instigante, que narra a história de duas mulheres que sofrem os impactos da sociedade capitalista, desigual e patriarcal. Pode conter spoilers do filme
Publicado 25/10/2021 11:47 | Editado 25/10/2021 14:19

A Islândia – segunda maior ilha da Europa, no meio do Atlântico Norte, conhecida por sua formação vulcânica, solo estéril e clima escandinavo, montanhas, cachoeiras, cavernas gélidas – é onde se desenrola o filme “Inspire, Expire”. Drama instigante, que narra a história de duas mulheres que sofrem os impactos da sociedade capitalista, desigual e patriarcal. A produção islandesa, em conjunto com Suécia e Bélgica, é dirigida pela islandesa Isold Uggadottir e se passa em uma cidade gelada e sem sol da Islândia. País peculiar, cujo parlamento nacional, com 63 cadeiras, tem 30 de representantes mulheres (47,6%), na atual legislatura.
Na história, assiste-se à luta pela sobrevivência mínima de milhares de refugiados/as africanas/as na Europa, como o caso de Adja (Babetida Sadjo), oriunda da Guiné-Bissau, separada da filha ao ter seu passaporte falso recusado na tentativa de ir para o Canadá. Ela é denunciada por Lára (Kristín Þóra Haraldsdóttir), islandesa, que iniciava seu trabalho no aeroporto. Lára é mãe solo de Eldar (Patrik Nökkvi Pétursson), um menino de sete anos, pleno de sensibilidade, que no desenrolar da trama vai aproximando a mãe com a migrante negra Adja. Duas situações angustiantes se superpõe: a fiscal Lara perde o apartamento onde mora por falta de pagamento e Adja chora a separação da filha. Elas, com diferentes cores de pele, diferentes países de origem, mas a mesma miséria.

A questão central do filme é justapor os dramas das duas mulheres em suas realidades diferenciadas, mas cujo ponto em comum é a preocupação com os filhos. Isso é perpassado pela questão de classe, uma vez que ambas são destituídas do emprego, de renda, de posses que as amparem.
A questão migratória, vivida por Adja, aparece como pano de fundo da película. Segundo artigo de Geórgia Gomes e Joana Lopes, a crise migratória tem suas raízes num sistema de dominação profundamente eurocêntrico, que considera os valores ocidentais como universais. Elas evidenciam que o imperialismo, o colonialismo e o neocolonialismo praticados pelas nações europeias estabeleceram laços de dependência política e econômica com o Terceiro Mundo, este obviamente sempre em desvantagem, impondo uma realidade de alta desigualdade e subordinação. Assim, o tipo de tratamento hostil dispensado a Adja e demais refugiados é apresentado no filme, forçados a um tipo de cativeiro em um alojamento à espera do retorno a seus países. O deslocamento de grandes contingentes populacionais, em migrações frequentemente desesperadas, deve-se a diversos fatores, muitas vezes pela busca de melhores condições de vida e de trabalho, ou ainda para fugir de perseguições ou discriminações por motivos religiosos ou políticos, e em situações de guerra. Os refugiados, em regra, assumem subempregos, ocupações desprezadas pela população local de destino dos migrantes, tendo relações de trabalho bastante precarizadas.

Essa tragédia humana aparece cotidianamente nas manchetes de telejornais e de internet, com tal frequência que banaliza a infelicidade, naturaliza a desumanidade, haja vista o caso do menino refugiado sírio, de três anos, cujo imagem do corpinho afogado, largado de bruços numa praia do Mediterrâneo, causou consternação ao redor do mundo, mas para dali a poucas semanas ser esquecido. O menino, com a família, fugia das atrocidades perpetradas na Síria pelo grupo terrorista “Estado Islâmico” (Isis). O pai do menino, Abdullah, escapara com mulher e outro filho de cinco anos, para tentar chegar ao Canadá, onde viviam parentes da família, após autoridades dos EUA terem negado um pedido de asilo. Impossível a nós, militantes das causas progressistas e humanitárias, esquecer essa cena dramática, que registra os chamados apátridas como uma ameaça por políticas de governos xenofóbicos, a exemplo do ex governo norte-americano de Donald Trump.

A luta pela sobrevivência, a identificação emocional, a empatia, mulheres criando sozinhas seus filhos, são sentimentos que aproximam as duas mulheres no filme, ainda que de diferentes etnias, porém unificadas pelo amor e pela solidariedade.
O filme, que pode ser visto na Netflix, tem também como tema a migração como expressão da questão social, constituindo-se como um movimento “necessário” ao desenvolvimento do modo de produção capitalista em que ondas conservadoras e de extrema-direita avançam, tentando reduzir ou abolir direitos fundamentais das classes sociais historicamente subalternizadas.
- Inspire, Expire
- Lançamento: 22 de janeiro de 2018 (mundial)
- Elenco: Kristín Þóra Haraldsdóttir, Babetida Sadjo, Patrik Nökkvi Pétursson, Sveinn Geirsson, Þorsteinn Bachmann, Gunnar Jónsson, Petur Oskar Sigurdsson
- Gênero: Drama; 95 min.
- Direção e Roteiro: Ísold Uggadóttir
- Música: Gisli Galdur
- Produção: Skuli Fr. Malmquist
Referências: