Inocente útil

Já na faculdade, na militância contra a ditadura, por liberdade e democracia, era frequente enfrentarmos, além das botas e coturnos sujos do sangue, acerbadas discussões com os colegas defensores da nossa submissão aos interesses do expansionismo estadunidense. Um alinhamento automático com a banda ocidental e cristã do mundo. Em face da nossa firmeza ideológica, éramos rotulados como inocente útil.

Uma maneira de dizer que o lado da luta que escolhemos favoreceria o comunismo. Ora, que viva, pois, o comunismo!

Passou. Chegamos à democracia e continuamos, hoje, na trincheira que nos é dada, nossa luta contra o renitente conservadorismo. A luta aguda é contra um inimigo cada vez mais poderoso chamado Poder Econômico, principalmente após o fim da União Soviética, a queda do muro de Berlim e, consequentemente, o surgimento de um novo tipo de liberalismo econômico.

Uma novidade que permitiu ao mundo novas reflexões: O mundo melhorou? Ou será que novos muros, simbólicos que sejam, foram criados a separar os poucos que muito têm dos muitos que pouco ou nada possuem?

O poder que ora combatemos é um cancro que se assesta em todas as esferas de governo e paralisa todos os esforços de transformação da sociedade. Um poder que consegue melhorar a conta dos estados nacionais e, no entanto, suas riquezas, em maior ou menor grau, tornam-se cada vez mais concentrada. Ao ponto de hoje podermos dizer, com suficiente segurança, que os 85 cidadãos mais ricos do mundo possuem tanta riqueza quanto três bilhões e meio cidadãos da nossa humanidade. Dezoito vezes a população brasileira, só de miseráveis.

São condenadas pelos conservadores as tentativas feitas em esparsos países, de melhoria dessas condições, como, por exemplo, políticas públicas que garantam uma mínima distribuição de renda. Políticas públicas que permitam o acesso dos menos favorecidos à tecnologia e aos avanços na qualidade de vida são condenadas pelos conservadores. Por que, se, afinal, todas essas conquistas são o resultado dos esforços conjuntos de toda a humanidade?

Como pode, – tome-se o exemplo dos Estados Unidos, que se considera o modelo de democracia e de qualidade de vida -, mais de 45 milhões de cidadãos não terem acesso a absolutamente nenhum programa de saúde público? E, claro, nenhuma possibilidade de acesso à caríssima medicina privada. A medicina estadunidense é cara não só porque tudo lá, inclusive a saúde, tem de se transformar em dinheiro, em lucro. Também por sua permanente relação promíscua com a indústria farmacêutica e com os fabricantes de equipamentos médicos.

Um modelo de medicina exportado para diversos quadrantes do mundo. Recebido com pompa pela medicina brasileira. Um modelo que quer impor pelo poder, mesmo nos países em que outro formato contempla a quase universalidade da demanda por saúde, caso do Canadá, Inglaterra, Cuba. Vale observar que na imposição do modelo vale o formato pitbull do grande capital internacional que impõe seu expansionismo inclusive pelas força das armas, como no Afeganistão, no Iraque e as tentativas contra Síria, Irã e Coreia do Norte.

Há oito anos os Estados Unidos montaram um programa de apoio à deserção de médicos cubanos espalhados por 60 países em convênio sob supervisão da Opas. Uma sabotagem internacional que tem conseguido adesões pontuais, como os casos de um ou outro médico do vitorioso programa do governo federal Mais Médicos. Pena que essa criminosa ingerência estadunidense nos interesses soberanos do nosso país conte com valiosa colaboração, ou passividade, das entidades representativas dos médicos brasileiros em conluio com partidos políticos decadentes.

Fico a me indagar onde estariam aqueles que no passado nos chamavam de inocente útil.

As opiniões expostas neste artigo não refletem necessariamente a opinião do Portal Vermelho
Autor