Greenspan e o populismo latino-americano

A América Latina alcançou importantes mudanças nos últimos anos. Uma série de líderes populares subiu ao poder através do sufrágio universal provocando uma guinada nas políticas neoliberais que prevaleceram nos anos 1990. Esse movimento é encarado por gra

Além de revelarem interesses econômicos contrariados, no geral, as acusações de populismo mostram um preconceito indisfarçável contra a população humilde.


 


Particularmente no campo econômico o populismo é identificado com políticas equivocadas e insustentáveis. Segundo essa visão, o político populista só consegue ser eleito por cidadãos desinformados, com baixa escolaridade e que desconhecem os princípios básicos que regem o mundo econômico.


 



O ex-presidente do Fed, Alan Greenspan, é um daqueles personagens quase míticos. As palavras do Maestro, como é conhecido Greenspan, causam um enorme júbilo.


 


Alguns dizem que foi um dos homens mais poderosos do mundo enquanto esteve na presidência do Fed (o “elogio” não é tão exagerado, pois, na prática, o Fed desempenha a função de banco central do mundo).


 



 


 


No seu livro autobiográfico lançado há alguns meses, “A Era da Turbulência”, Greenspan dedica um capítulo ao tema populismo econômico, tendo como alvo a América Latina (1).  Para Greenspan, o populismo econômico imagina um mundo simples, no qual o desemprego pode ser resolvido com a boa vontade do governante em contratar os desempregados. Essa visão pobre do funcionamento da economia seria responsável pelas diversas crises que atingiram a América Latina durante as décadas de 1970, 1980 e 1990. Greenspan nos conta que ficou desanimado “ante a constatação de que, não obstante os inquestionáveis maus resultados econômicos das políticas populistas praticadas por quase todos os governos da América Latina, numa época ou noutra, desde o fim da Segunda Guerra Mundial, tais conseqüências não parecem atenuar o impulso de recorrer ao populismo econômico.” (p.323).


 


 


A afirmação é surpreendente. Greenspan quer fazer crer que não sabe que foi precisamente nos anos 1990 o período em que a América Latina realizou amplas reformas pró-mercado, muito elogiadas pelo FMI e com o total aval do governo norte-americano. Reformas muito distantes daquilo que ele caricaturalmente chama de populismo econômico. Na Argentina, por exemplo, Carlos Menem venceu as eleições presidenciais com um discurso de oposição às reformas ditadas pelo Consenso de Washington, para imediatamente, após sua posse, realizar um movimento radical em direção ao neoliberalismo. Não existia um mísero fiapo de discurso antiamericano no governo argentino, o que, de acordo com Greenspan, é uma especialidade dos populistas. Pelo contrário, a vontade de Menem em agradar os interesses dos Estados Unidos era de tal magnitude que chegou ao ponto de enviar dois navios militares para a primeira guerra do Golfo em 1991, sem qualquer consulta ao Congresso. 


 


Também no México, o governo de Carlos Salinas, que reconhecidamente fraudou as eleições de 1988, realizou amplas reformas pró-mercado. Entre os pontos enaltecidos pela elite econômica mundial ao seu governo, estava o acordo de livre comércio com os Estados Unidos (Nafta) que foi proposto pelo próprio Salinas em junho de 1990, junto ao então presidente George Bush. Nada de posições antiamericanas, portanto.
 


 


Como conseqüência das reformas neoliberais, tanto a Argentina quanto o México passaram por graves crises durante os anos 1990. Um caminho semelhante ao do Brasil que durante os oito anos de governo Fernando Henrique Cardoso foi obrigado a pedir socorro ao FMI três vezes. Assim mesmo, numa demonstração de preconceito explicito, Greenspan afirma que esses foram governos com “formuladores de política de especial talento”. Se as coisas não deram certo foi porque existia uma profunda disparidade entre a “maioria desses formuladores de políticas e a cultura das respectivas sociedades que as mantém propensas ao populismo econômico”. Ou seja, o problema está na cultura dos povos latino-americanos…


 


Caso se interessasse mais pela década de 1970, Greenspan poderia perguntar ao seu amigo Henry Kissinger sobre o que aconteceu com a economia chilena. Logo saberia que, nessa época, o ditador de plantão, não apenas comungava com suas opiniões sobre economia como as colocou em prática. Depois de ter realizado um processo de liberalização radical na segunda metade dos 1970 e compartilhado, na prática, a sua gestão governamental com os Estados Unidos, o Chile entrou na pior crise da sua história: em 1982 o câmbio foi drasticamente desvalorizado e o PIB chileno sofreu uma queda de 14,1%!


 


No ótimo livro, “Chutando a Escada” (2), o economista sul-coreano, Ha-Joon Chang, mostra que se os países ricos tivessem optado pelas políticas que recomendam atualmente aos países em desenvolvimento, não estariam na posição que estão hoje. Em verdade, todos eles, em especial os Estados Unidos, usaram e abusaram das políticas que Greenspan e sua turma chamam de populistas.


 


Notas


 


(1). GREENSPAN, Alan (2007) “América Latina e Populismo”. In: A Era da Turbulência: Aventuras em um Novo Mundo. Rio de Janeiro: Campus.


 


(2) CHANG, Ha-Joon (2004) Chutando a Escada: a estratégia do desenvolvimento em perspectiva histórica. São Paulo: Editora Unesp.

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