Estamos reescrevendo nossa própria história

A geração que revolucionou e que ainda vai revolucionar, é desse jeito.
Sou filho de dona Jacy Munhoz de Camargo, mulher negra, aposentada como empregada doméstica sou o caçula de uma família de nove irmãos.

Presenciei muitos amigos serem assassinados por motivos banais, talvez foi por isso que optei pelo hip-hop, por ser uma cultura que luta pela paz, justiça e igualdade de oportunidades. Possibilitando com que jovens oriundos das periferias possam apresentar seus trabalhos artísticos e ainda reivindicarem seus direitos.

Sofri racismo quando criança, na adolescência e também na fase adulta, assim como outros jovens negros e pobres de periferia fui oprimido pela sociedade, fui vítima da violência policial aqui no sul, assim como muitos outros jovens Brasil a fora.

Através do hip-hop passei a me interessar pela política, pelo direito e pela história do povo brasileiro e humildemente me atrevo a fazer uma avaliação dessa geração que fazemos parte, se liga aí.

Somos a geração hip-hop, crescemos em uma época pós-ditadura militar, mas não irei me aprofundar neste tema, pois não é o objetivo deste artigo, mas resumo dizendo que o golpe militar que o Brasil sofreu no ano de 1964 foi um dos piores na América Latina e serviu de projeto piloto para as demais ditaduras que se sucederam e todas elas contra os povos pobres.

Porém foi a década de 80 que marcou o Brasil. O ano de 1984 foi um marco na história brasileira em virtude das grandes mobilizações de massas em todo o país a favor das Diretas Já. Em 1985, tivemos os primeiros passos na redemocratização (Tancredo Neves, primeiro presidente civil), mesmo que no colegiado eleitoral.

A luta pela redemocratização do Brasil culminou no ano de 1988, com a promulgação da constituição brasileira possibilitando que ocorressem eleições diretas em todo o território nacional.

Já nos anos 90, a geração hip-hop foi influenciada e atacada pelo projeto neoliberal implantado em nosso país, na ocasião, esse processo iniciou-se com Fernando Collor de Mello, continuado por Fernando Henrique Cardoso. Em seus dois governos, o resultado disso foi o Brasil quase ter quebrado e o futuro da Nação sendo exterminado nos morros e nas grandes áreas periféricas do Brasil, muitos amigos nossos que infelizmente não sobreviveram para contar história e o reflexo disso foi ver esta parcela da juventude ser dizimada nesse período.

Nesta época filmes, vídeoclips e músicas internacionais enlataram o movimento hip-hop brasileiro, mas o efeito colateral desse processo de exclusão foi o surgimento de várias lideranças da cultura hip-hop, onde surge com força direto do Capão Redondo, na cidade de São Paulo para o mundo, nada mais e nada menos do que o grupo de rap, Racionais Mc’s, é desse jeito.

A partir dos anos 2000, talvez pela facilidade que a Internet nos trouxe, uma parte do hip-hop passou a se organizar e se comunicar mais, muitos membros e ativistas sociais do hip-hop atualmente estão à frente de organizações das mais diferentes causas possíveis.

Estamos no fim de mais uma década entrando no ano de 2010, penso que temos que ter orgulho de termos sido forjados pelas dificuldades da vida e de sermos oriundos da cultura hip-hop. Uma cultura popular de massas que de fato revolucionou e pode revolucionar ainda mais. É uma cultura aglutinadora da juventude excluída, que há mais de vinte cinco anos vem despertando a consciência dos manos e das minas, que sempre estiveram invisíveis em nossa sociedade brasileira, uma geração de jovens que herdaram a miséria, fome e a vulnerabilidade social. Fruto de uma época de escravidão do negro e da desvalorização humana, páginas que a elite brasileira tentou apagar, mas que a história não permite.

Enfim sobrevivemos, e nos dias atuais vejo o universo acadêmico estudarem esse fenômeno social chamado hip-hop cultura das ruas, através de teses de mestrado e monografias. Como a vida nos prega peças, muitos de nós passamos a desenvolver um hip-hop militante e combativo, em nome de melhorias para as nossas comunidades e sem percebermos nos tornamos lideranças políticas. Isso fez com que nos déssemos conta que há uma revolução cultural e social silenciosa acontecendo, principalmente quando analiso que a América Latina já não é mais a mesma de como foi para os nossos coroas, tá ligado ?

Atualmente, respira novos ares, onde forças progressistas e governos com participação popular emergem do seio do povo. Nos dias de hoje, vejo o continente Latino-Americano despertando para o mundo, à frente desse processo, líderes políticos como o Lula aqui no Brasil, Chávez na Venezuela, Evo Morales na Bolívia, Cristina Kirchner na Argentina, Fernando Lugo no Paraguai, Tabaré Vasquez no Uruguai, Ortega na Nicarágua, Michele Bachelle no Chile e Raul Castro, na heróica Cuba entre outros.

Observo também, a vitória de um presidente negro e com um sobrenome árabe, que assumiu um país em um momento de crise mundial, com um discurso de “mudança”, mudança essa que fez as pessoas do mundo acreditarem, inclusive artistas milionários da indústria fonográfica do rap norte americano estiveram à frente desta campanha.

É satisfatório para a nossa geração ter sobrevivido e saber exatamente qual momento da história estamos vivendo e o que podemos contribuir para alterarmos as coisas. Vejam, por exemplo, a Nação Hip-Hop Brasil, uma entidade que nasce em meio ao Fórum Social Mundial que ocorreu em 2005, aqui em Porto Alegre e que assume o compromisso de contribuir na construção de um hip-hop engajado politicamente e preparado para os embates e desafios que estão por vir, sem ignorar os saberes científicos e utilizando-os para contribuir na luta pelo reconhecimento e por direitos na sociedade.

Em 2008, o hip-hop se apresentou com mais de 30 candidatos em todo o Brasil. Anderson 4P foi reeleito na Cidade de Francisco Morato, grande São Paulo, além da Eva em Sumaré, Alceu em Cordeirópolis, e Raissuli em Salto. Tivemos um rapper concorrendo a candidatura de prefeito na cidade de Hortolândia, interior de São Paulo, conhecido nacionalmente pelo movimento como Aliado G, Líder do Grupo de rap Face da Morte. Presidente Nacional da Nação Hip-Hop Brasil. Nuno Mendes, radialista e comunicador do programa mais ouvido em SP, o “Espaço Rap”, foi outra candidatura significativa para nosso movimento na cidade de São Paulo, da mesma forma que o dançarino Nelson Triunfo em Diadema.

No Rio Grande do Sul, tivemos quatro candidaturas, eu, quem diria! Em Porto Alegre, em Campo Bom, Taquara e São Leopoldo, sendo que o Walter, candidato do hip-hop em Campo Bom empatou tecnicamente em número de votos e só não venceu porque o critério de desempate foi a idade e o outro candidato era mais velho.

Isso tudo nos faz acreditar que essa realmente é a geração que revolucionou e que ainda pode revolucionar muito mais. Estamos vivendo momentos únicos da história mundial.

Aqui no Brasil, um programa nacional de aceleração do crescimento (PAC) dirigido pela atual Ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, tem o objetivo de garantir milhões de casas para a população carente, medida esta que o Governo Lula adotou para amenizar os efeitos da crise capitalismo.

Nossa geração tem muito que ensinar, mas também temos muito ainda o que aprender, não podemos continuar ignorando a força e o poder de organizações como o MST, UNE, UBES, UNEGRO, CUT, CTB, Pastoral da Juventude, UJS dentre tantas outras siglas do Movimento Social que tanto contribuem para a luta do povo brasileiro.

Penso que todos, temos a obrigação de contribuir para que o hip-hop fique cada vez mais vivo e atuante no Brasil mesmo com todas linhas de pensamento diferentes mas que a médio e longo prazo possamos avançar nossas idéias e dar inicio a unificação do movimento em nome de um interesse comum. A dignidade do povo das periferias e a luta por igualdade e justiça social e distribuição de renda.

Proponho também que tenhamos que fazer bastante barulho aos nossos governantes para que termine a matança da população negra em nosso país, constatada pelo IBGE. Que possamos conjuntamente construir uma campanha nacional contra a epidemia do crack, não podemos continuar permitindo que isso ocorra bem embaixo de nossos narizes.

Temos a constituição brasileira a nosso favor, portanto, temos a obrigação de cuidar do nosso povo e das nossas crianças no presente e no futuro.

Despeço-me na certeza de que essas linhas possam plantar uma semente de esperança e de unidade em cada um que tiver contato com elas e que saibamos dar a devida importância da luta coletiva junto ao hip-hop, para que no futuro não sejamos lembrados como um fenômeno cultural político-social, que foi engolido pela história como muitos outros já foram.

Deixo aqui registrado, o lema da entidade Nação Hip-Hop Brasil / RS da qual presido com muito orgulho e honra, onde desde já agradeço aos camaradas, Edson Borges e Jorge Igor pela inspiração.

Se liga só!

Nossa coragem é nossa doutrina, em nome do povo sempre, disciplina, estudo, lealdade e perseverança, Nação!
Até Breve,

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