Esqueceram o Regional?

A necessidade de territorializar as ações da política industrial é crucial para promover um desenvolvimento mais equitativo e efetivo no Brasil.

Foto: reprodução/NaniDigital

Incomoda. A situação se repete. Inúmeros textos e propostas são estruturados nas campanhas eleitorais. Sempre ficam longe de sua efetivação. As políticas, nos últimos trinta ou quarenta anos, sempre setoriais.

Elaboram-se planos. Muito bem detalhados. Apontando para futuros realizáveis e muitas vezes inclusivos. Mas, o regional só aparece marginalmente.

Constatado, procura-se uma emenda. Muitas vezes pior que o soneto. O estereótipo é explícito. Para o Norte algo sobre bioeconomia, biodiversidade ou ecologia é introduzido. O Nordeste é reduzido à seca e ao semi-árido.

Desrespeito com a história dessas regiões. Que construíram malhas urbanas significativas. Verdade, ainda apresentam uma problemática adversa advinda das próprias desigualdades de renda e sociais do país. Mas, que não se resolve com o enfoque que é dado, só estigmatiza.

Regiões que tem uma complexidade e uma potencialidade muito além do que é exposto nas ações governamentais. Em que há condições concretas de se posicionarem melhor sócio-economicamente com os novos ramos industriais e de serviços que começam a se estruturar com as novas tendências tecnológicas. Mas, são ignoradas, tratadas apenas marginalmente, não se fazendo representar nos orçamentos com a ênfase devida.

Um seminário importante. Na que poderia ser a sede do planejamento da região Nordeste, a SUDENE. A nova política industrial que chamam de Neoindustrialização e o papel regional. Certa euforia das instituições presentes com a crença de que teremos espaços. A crítica não é explicitada, apenas é explicitada a esperança de novos tempos.

Política Industrial tem inúmeras definições, mas todas convergem para um sentido. Criar micro proteções que possam criar ou consolidar a competitividade de segmentos relevantes da matriz produtiva. Sempre tem um enfoque setorial. O problema é que num país como o Brasil, de dimensões e complexidade gigantescas, pode gerar disparidades marcantes e concentração muito além da que seria admissível.

Nesse sentido, importante, a priori, considerar o regional como parte da estratégia nacional, colocando nos diferentes espaços suas repercussões e seus impactos. Ou seja, mapear o que se está propondo. Não é apenas na descentralização dos recursos, mas principalmente como uma política estruturada como vetor de uma proposta de crescimento mais harmônico.

É importante ter-se em mente que o novo complexo tecnológico pode tender a uma maior concentração e exclusão social e mesmo regional. A política é o mecanismo governamental que pode dar maior regulação ao processo.

A política industrial não pode ser vista apenas como ações para segmentos isolados, mas tem que se alicerçar fortemente no processo de inovação disruptiva, na capacitação e formação de mão de obra compatível com um novo paradigma em que é fundamental entender algoritmos complexos e sua estrutura, entre outros. Para isso, o planejamento do futuro se torna cada vez mais premente. Criar as precondições num país continental e sua diversidade de realidades depende de ações estatais estruturantes.

Nessa direção, acertadamente, o Brasil assumiu um modelo de planejamento fortemente baseado nas obras coordenadas por Mariana Mazzucato. Associar o planejamento com os problemas concretos de sua população, definindo Missões a partir dessa perspectiva. E associá-lo ao processo de inovação disruptiva, na busca de espaços que nos tornem mais competitivos.

Entendem-se como Missões específicas “políticas sistêmicas que vão além de instrumentos de indução pela política. Políticas orientadas por missões utilizam instrumentos financeiros e não financeiros para promover o cumprimento de uma missão através de esforços de diferentes setores, estabelecendo direções concretas para a economia, implantando a rede necessária entre agentes públicos e privados relevantes.”

No caso da indústria alguns dados chamam a atenção. Segundo a Confederação Nacional da Indústria, em 2022 o PIB da indústria de transformação ficou em 10% aproximadamente, quando uma década atrás passava dos 22%. Nossa base é de microempresas que representam 70,8% dos estabelecimentos.

Enquanto isso, o Nordeste que representa 27% da população, teve apenas 14,4% do PIB em geral e sua indústria de transformados representou apenas 12,2%.; mesmo com a vinda de indústrias automobilísticas e com pólos industriais  se consolidando, em uma década cresceu apenas 0,6% sua participação. Ainda, as indústrias tradicionais, calçados, vestuários e alimentos, são a base principal com forte sustentação em mão de obra de menor custo. Dos empreendimentos da indústria de transformação na região, 71,7% são microempresas.

Desde a transição do governo federal tem sido gestada uma política para o setor industrial que se concretiza numa proposta que o Ministério da Indústria está levando agora para o Conselho Nacional de Desenvolvimento Industrial-CNDI. Tendo por base os princípios aqui já expostos, se elaborou um plano de Neondustrialização que procurou abordar os principais problemas que o país apresenta. Acredito bem escolhidas as prioridades que definem as missões a serem assumidas. Enfrentar como o setor industrial é fundamental para ajudar a resolver os principais problemas de nossa sociedade.

Erradicar a fome, adequar e modernizar o complexo da saúde, enfrentar os problemas urbanos de moradia e mobilidade, aumentar a competitividade do setor produtivo através da transformação digital, abordar a questão ambiental através da transição energética e da bioeconomia, recuperar a infraestrutura bastante sucateada de escoamento, são pontos que marcam as seis missões definidas e que são básicas para o processo de desenvolvimento.

No entanto, uma análise da apresentação de novembro do Ministério do Plano mostra que embora se reconheça o problema dos desequilíbrios regionais, no detalhamento, não aparecem explícitas nas grandes linhas ações regionalizadas, a não ser esparsas propostas para a Amazônia no que tange ao meio ambiente. A visão é meramente setorial.

Situação constrangedora que fez com que órgãos regionais se manifestassem e apontassem a grande lacuna.

Houve um ganho. Em novembro de 2023 o Comitê Executivo do CNDI do MDIC elaborou uma resolução instituindo um Grupo de Trabalho para a Coordenação da Territorialização e Desenvolvimento Regional da política de industrial. Embora se avance, cabe ressaltar que o Grupo deverá começar seus trabalhos agora com as diretrizes e linhas básicas da política já definidas, o que limita, em muito, o impacto de seu trabalho e faz com que o tempo de governo para implantação seja diminuto.

Chama a atenção a composição desse grupo. São quatorze participantes, todos representantes de organismos oficiais e nenhum representante dos setores envolvidos ou mesmo da sociedade civil organizada. Mesmo a representação regional foi entregue às Superintendências de Desenvolvimento como a SUDENE, que é um órgão federal, e aos Consórcios de Governadores. A indústria enquanto setor produtivo não aparece. Mais, a inovação não é representada nem com a participação do Ministério de Ciência e Tecnologia.

Neste quadro, cabe se questionar, como serão priorizados temas importantíssimos para o aumento de produtividade e competitividade regional? Como a política levará em consideração as características sócio-ambientais e econômico-inovativas?

Redes de Instituições de Ciência e Tecnologia associadas às missões, criação e consolidação de Complexos industriais territorialzados, fontes de financiamento que levem em consideração os perfis produtivos e suas especificidades, seriam fundamentais. Mudanças estruturais dependem dessas iniciativas.

A criação e consolidação de Sistemas Territoriais de Inovação é premissa para a perspectiva de planejamento que está sendo proposta. Fortalecer a política de desconcentração da base técnico-científica, a exemplo do que foi feito e será ampliado com as universidades e institutos federais de ensino passam a ser pontos estratégicos para a nova indústria nos diferentes espaços da matriz industrial brasileira. Pensar novos modelos de financiamento à inovação compatíveis com as lógicas regionais uma necessidade, repatriar talentos que perdemos nos últimos anos e incentivá-los a se inserirem nos Sistemas Regionais uma iniciativa importante.

Se vemos um avanço ao reconhecer que a indústria terá importância fundamental para o novo projeto de desenvolvimento, se reconhecemos que já foram definidas missões coerentes com o país que se quer, não há dúvida de que falta um grande esforço para territorializar as ações e permitir um desenvolvimento mais harmônico.

Comecemos, pelo menos, por colocar no mapa as propostas, vendo onde acontecerão as ações e seus reais impactos para o desenvolvimento da sociedade brasileira.

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