Erradicar a corrupção, sem acabar com o Estado de Direito!

Custou-nos muito conquistar o Estado Democrático de Direito, após de anos de luta contra o arbítrio e o autoritarismo. A redemocratização do país não aconteceu por bondade dos generais, que rasgaram a Constituição e submeteram o povo brasileiro a 21 anos de ditadura. Tampouco obtivemos as liberdades democráticas por alguma “decisão” do Supremo Tribunal Federal, por alguma “denúncia”, “representação” ou “TAC” do Ministério Público.

Esses “poderes” permaneceram submissos e coniventes durante todos esses anos de ditadura e de fascismo. Nada temos a aprender com eles sobre a Liberdade ou os direitos democráticos. Suas honrosas exceções individuais – muito poucas – foram, em tempo, devidamente silenciadas e eliminadas. Quanto aos monopólios midiáticos, não só clamaram pela instauração do regime militar, como o defenderam durante os 21 anos de arbítrio. Beneficiando-se, é claro, com todo o tipo de benesses que lhes foram concedidas pelos ditadores de plantão, em retribuição aos seus bons serviços.

Quem de fato conquistou a redemocratização do país foi o povo brasileiro, com sua luta permanente nas fábricas, nas escolas, nos campos, nas ruas, nas praças, nas selvas do Araguaia, nas “Diretas Já”! Muitos tombaram trucidados nas mãos dos fascistas. Dezenas de milhares foram processados, presos, torturados, demitidos ou forçados a viver no exílio ou na mais dura clandestinidade. Mas, não se dobraram! Persistiram e venceram. É unicamente ao povo, portanto, que devemos a redemocratização do país!

A Constituição Cidadã de 1988, resultante dessa dura luta, colocou ou em seu artigo 5º – “Dos Direitos e Deveres Individuais e Coletivos” – as salvaguardas aos nossos direitos fundamentais. Ali está assegurado que “não haverá juízo ou tribunal de exceção” (XXXVII); que “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal” (LIV); que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória” (LVII); que “ninguém será levado à prisão ou nela mantido, quando a lei admitir a liberdade provisória” (LVI); que “ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente” (LXI); que “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas” (X); que “ninguém será submetido à tortura nem a tratamento desumano e degradante (III).

O Código de Processo Penal é claro ao afirmar que a condução coercitiva de testemunha ou de acusado só pode ocorrer se o mesmo for intimado anteriormente e de forma regular e negar-se a comparecer ao ato para o qual foi intimado, sem motivo justificado (art. 218 e 260). Quanto à prisão preventiva – que conflita com os incisos LVI e LVII do art. 5º da Constituição – é caso excepcionalíssimo, só sendo permitida em “flagrante” ou como garantia da “ordem pública” e da “ordem econômica”, “quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria” e “por conveniência da instrução criminal”. (art. 312)

A preservação dessas garantias constitucionais, tão duramente conquistadas, não é algo banal e secundário! É algo essencial para todos que lutam por uma sociedade soberana, livre e justa.
Infelizmente, nos dias de hoje, com o pretexto de “combater à corrupção”, essas salvaguardas democráticas, asseguradas na nossa Constituição, vem sendo anuladas, exatamente por aqueles que teriam a função de defendê-las e assegurá-las – juízes, promotores e procuradores – sob o aplauso e a incitação da mídia liberticida.

No “tribunal de exceção”, instalado em Curitiba, os suspeitos ou denunciados por delatores “premiados” ou “coagidos” – caso sejam ligados à Dilma ou a Lula – são presos preventivamente sem qualquer respeito ao devido processo legal, ainda que sem provas, e permanecem encarcerados até que “confessem” ou aceitem delatar outros. Já as denúncias em relação àqueles que têm ligação com a oposição, raramente são levadas adiante e, se o forem, estão seguros que responderão em liberdade e sem sofrer constrangimentos. A mídia monopolizada transformou a alcagüetagem em prova irrefutável e em “virtude” nacional.

A realização das prisões transformou-se em um espetáculo midiático – lembrando a queima dos infiéis nas fogueiras da Inquisição –, acompanhado por emissoras escolhidas a dedo, violando a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas. Mesmo aqueles que se apresentam espontaneamente, são algemados, em tratamento desumano e degradante, com o claro objetivo de quebrar-lhes a dignidade e humilhá-los. Tal como faziam os torturadores da ditadura militar, que desnudavam os prisioneiros antes de submetê-los ao suplício.

Os depoimentos, as confissões, as delações, são “vazadas” de forma seletiva – só no que se refere aos partidários e aliados do governo federal – para órgãos de imprensa cuidadosamente selecionados, obviamente os mais descompromissados com a decência e a verdade, visando a “pré-condenação” e execração pública dos acusados, desrespeitando assim o devido processo legal.
Só os muito ingênuos não percebem a íntima ligação entre esse atropelo ao Estado de Direito e a agenda golpista – disfarçada de impeachment – de Eduardo Cunha (o “ultra-corrupto” poupado pela mídia), Aécio Neves, FHC, PSDB, DEM et caterva.

A condução coercitiva do ex-presidente Lula pela Polícia Federal, por determinação do “justiceiro” Moro; o pedido de prisão preventiva de Lula, sem qualquer fundamento, por três procuradores do Ministério Público de São Paulo (tão ignorantes que confundem o idealista “Hegel” com o materialista “Engels”); a decisão da juíza paulista Maria Priscilla que, mesmo reconhecendo a inexistência de qualquer base legal para esse pedido, não arquivou o pedido e o remeteu para o “Torquemada” do Paraná (como se fosse o único magistrado honesto do país); a escuta ilegal de Presidenta Dilma, a quebra do sigilo de suas ligações e sua entrega à Rede Globo para ampla difusão, conclamando ao golpe, deixam claro que os golpistas aninhados no Congresso, no Judiciário, no Ministério Público e na mídia monopolista, estão dispostos a pisotear a Constituição e os direitos fundamentais dos cidadãos, para efetivar o seu golpe com uma “cobertura legal”, visto que nos dias de hoje não há espaço para que o mesmo seja realizado pelas baionetas.

Portanto, o que hoje está em jogo não é se concordamos ou não com o atual governo, se gostamos ou não de Dilma ou de Lula. O que está em discussão é se defendemos o Estado de Direito e a Democracia – o que exige respeitar os direitos fundamentais dos cidadãos e o resultado das urnas –, ou se optamos pelo Estado de Exceção e pelo “vale tudo”. Hoje, querem golpear Dilma e Lula. Amanhã, golpearão a ti, a mim a todo aquele que ousar discordar do ditador de plantão…

Não é por acaso que dezenas de Promotores de Justiça, Procuradores da República e Procuradores do Trabalho lançaram, há poucos dias, Manifesto conclamando a que “não retrocedamos em conquistas obtidas após anos de ditadura, com perseguições políticas, sequestros, desaparecimentos, torturas e mortes”. E questionam “a banalização da prisão preventiva – aplicada, no mais das vezes, sem qualquer natureza cautelar – e de outras medidas de restrição da liberdade”, ao mesmo tempo que denunciam que “operações midiáticas e espetaculares, muitas vezes baseadas no vazamento seletivo de dados sigilosos (…) podem revelar a relação obscura entre autoridades estatais e imprensa.” Por fim, deixam claro que “não se trata de proteger possíveis criminosos da ação estatal, mas de respeitar as liberdades que foram duramente conquistadas para a consolidação de um Estado Democrático de Direito.”

Da mesma forma, mais de 150 Defensores e Defensoras Públicas de todo o país lançaram Manifesto denunciando a “crescente ameaça ao Estado Democrático de Direito (…) notórios retrocessos do sistema de justiça criminal (…) como a relativização da presunção de inocência, a condução coercitiva de investigado e a banalização da prisão preventiva (…) medidas de exceção no interior da Democracia brasileira

E o Ministro do Supremo Tribunal Federal Marco Aurélio Mello, ao referir-se às atitudes ditatoriais do juiz Moro, afirmou: “Condução coercitiva? O que é isso? Eu não compreendi. Só se conduz coercitivamente ou, como se dizia antigamente, debaixo de vara, o cidadão que resiste e não comparece para depor. E o Lula não foi intimado (…) Vamos consertar o Brasil. Mas não vamos atropelar. O atropelamento não conduz a coisa alguma. Só gera incerteza jurídica para todos os cidadãos. Amanhã constroem um paredão na praça dos Três Poderes. (…) O chicote muda de mão” E concluiu: a “pior ditadura é a ditadura do Judiciário”.

Importantes juristas, das mais variadas correntes de opinião – como Celso Antônio de Mello, Fábio Konder Comparato, Marcelo Lavenère, Dalmo Dallari, José Gregori (ex-Ministro da Justiça de FHC), Lênio Streck, Aury Lopes Júnior (citado pelos Procuradores “trapalhões”) Pedro Serrano, Gilberto Bercovici, Edson Luís Baldan, José Roberto Batochio, entre outros – foram unânimes em criticar e condenar as tropelias dos setores golpistas do Judiciário e do Ministério Público com expressões contundentes como “o Estado de Direito está em frangalhos”, “tentativa de intimidar, constranger e apavorar”, “situação de golpe”, “Estado de Direito acabou”, “ilegalidade”, “abuso de autoridade”, “um disparate”, “exagero”, “perseguição”, “tribunal de exceção”, “violação constitucional”, “Estado policial no Brasil”, “um escárnio”, “truculência”…

Por todo o acima exposto, com a consciência de quem lutou desde o primeiro dia contra o regime militar e sofreu as conseqüências disso – perseguições, demissão do emprego, interrupção dos estudos, prisão, torturas, exílio, clandestinidade –, faço uma conclamação a todos aqueles em cujo peito ainda arde a chama da brasilidade e do desejo de justiça, para que não aceitemos resignados e calados os reiterados ataques que estão sendo realizados contra a Democracia que tanto nos custou conquistar!

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