Dupla moral & democracia
A deputada Ângela Guadagnin talvez só pare de bailar quando voltar para casa nas eleições de 2006.
Publicado 10/04/2006 09:19
Os assuntos da política continuam palpitantes e em avalanche. Não vejo a hora de chegar o tempo em que possa catalogá-los como episódios “de triste memória”. As notícias sobre o “banho de ética” dos 400 vestidos grátis de Lu Alckmin pegam fogo em meio aos farrapos das doações do estilista Rogério Figueiredo. A deputada Ângela Guadagnin talvez só pare de bailar quando voltar para casa nas eleições de 2006.
E o chateau “República de Ribeirão Preto”? Desvela que o comportamento sexual dos homens públicos merece estudos, embora talvez equivalente à presença na sociedade, diante da cultura machista de que ser parlamentar, prefeito, governador ou presidente é um passaporte para paraísos sexuais, com direito ao uso do rótulo de “atletas sexuais”, similar republicano da postura dos senhores de escravos – donos dos corpos de suas escravas –, o que atende hoje pelo nome de estupro colonial, origem da mestiçagem brasileira.
Destaco que orgias sexuais bancadas com dinheiro público não constituem exclusividade de alguns homens do governo atual, pois datam do descobrimento do Brasil. Desde a semana passada, ouço: “Isso é tão antigo… Todo mundo faz”.
Eu sei. Mas custo a crer que elegemos o novo para perpetuar práticas indecorosas desde Álvares Cabral. Na eleição de Severino Cavalcanti à presidência da Câmara, num dos artigos que mais tive gana para escrever, indaguei: “Parece sem sentido que as ditas questões morais, dos conservadores, não possuem força no Brasil?”
E acrescentei: “Não podemos fechar os olhos ao peso que o recrudescimento do fundamentalismo religioso vem tendo na definição dos rumos políticos em todo o mundo” (“Conservadorismo nos píncaros da glória”, Opinião, 2/3/2005).
Ao reler os artigos mencionados, surgiram perguntas impertinentes: cometer crimes para acobertar transas no mercado da prostituição revela dupla moral sexual? O que a dupla moral sexual tem a ver com a política? Só medo do que o “Brasil profundo” vai falar?
Eis um debate instigante a se dar fora do veio de moralismos rasteiros e patrulhamento puritano, mas fincado na compreensão de que o pessoal também é político e na constatação de que parte expressiva dos homens públicos não se comporta sexualmente de maneira compatível com seus discursos e suas auras para consumo público de defesa de embriões e fetos indesejados em contraposição à defesa da vida de quem já a possui em plenitude, as mulheres.
E, então? Cabe ou não um grande debate político sobre dupla moral sexual?
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